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“Meu nome é Gal”: os bastidores do filme que homenageia a cantora

Cinebiografia da cantora Gal Costa (1945-2022) estreou em outubro de 2023

Publicado em 25/10/2023

Atualizado às 17:23 de 24/11/2023

Por Luísa Pécora

É ao mesmo tempo surpreendente e compreensível que Meu nome é Gal, longa-metragem que estreou neste mês nos cinemas, seja a primeira cinebiografia da cantora Gal Costa (1945-2022). Por um lado, tem-se a sensação de que o audiovisual nacional já deveria ter se proposto a contar a história de uma artista tão relevante e popular e que ao longo de quase seis décadas se manteve como uma das maiores vozes da música brasileira. Por outro, dá para imaginar que a própria grandeza da biografada tenha causado certa hesitação quanto à possibilidade de retratá-la num filme de ficção.

Talvez por isso o caminho de Meu nome é Gal até as telas tenha começado pelo documentário. Sua origem está em O nome dela é Gal (2016), série de quatro episódios na qual a diretora Dandara Ferreira narrou a trajetória da cantora a partir de material de arquivo e dezenas de entrevistas. Pouco tempo após a estreia (a série foi exibida pela HBO Max), Gal contou à cineasta que havia sido procurada por pessoas interessadas em transformar sua história em um longa de ficção. Ela preferia, no entanto, que o projeto ficasse nas mãos de Dandara, com quem já tinha estabelecido relação de confiança e amizade.

Homem jovem e mulher jovem estão sentados em uma escada, a céu aberto. Ele está de lado, olhando para ela. Ela olha para trás, na direção da câmera que os fotografa. Ele tem os cabelos cacheados e volumosos, pretos. Ela tem os cabelos castanhos, lisos e curtos.
Rodrigo Lelis e Sophie Charlotte dando vida a Caetano Veloso e Gal Costa (imagem: Stella Carvalho)

 

Dandara aceitou a proposta e começou a desenvolver o projeto com Lô Politi (de Jonas e Alvorada), que entrou como produtora e, depois, diretora e roteirista. O texto, assinado também por Maíra Buhler e Mirna Nogueira, se baseou na pesquisa feita para a série e em encontros que Maíra teve com Gal e pessoas próximas a ela para discutir questões específicas.

Já neste momento as realizadoras tinham convicção de que filme nenhum daria conta de narrar com profundidade uma carreira tão longa e marcante. Optaram, então, por retratar um período curto e representativo – mais precisamente os anos entre 1966 e 1971, quando Gal trocou Salvador pelo Rio de Janeiro, gravou os primeiros discos, encontrou sua forma própria de cantar e se tornou a grande voz da Tropicália, tudo isso no contexto de repressão da ditadura militar.

Em entrevista à coluna, Dandara contou que a ideia inicial era encerrar o filme nos anos 1980, quando Gal atingiu grande sucesso comercial. O recorte mais curto foi definido só em 2021, já próximo às filmagens, e contou com o aval da cantora. “Acho que ela sabia que o ouro estava nesse período, que foi de grande transformação artística e pessoal”, afirmou. “O filme é justamente sobre a gênese da Gracinha para a Gal Costa, sobre como uma menina tímida participa de um dos movimentos culturais, estéticos e políticos mais importantes do país.”

Força estranha

Gal também aprovou a escolha de Sophie Charlotte para interpretá-la após tê-la visto cantar “Sua estupidez” ao lado de Roberto Carlos em um especial de fim de ano. Segundo Dandara, a cantora reconheceu na atriz um timbre próximo ao dela e a “doçura no olhar” de quando era mais jovem.

Para compor a personagem, Sophie se encontrou com Gal, foi a shows, fez aulas de canto e violão, estudou o momento histórico retratado pelo filme, passou uma temporada na Bahia e trabalhou com a preparadora de elenco Amanda Gabriel. “Busquei ter o maior espectro possível de abordagens, entendimentos e pesquisas, sem me fechar num método ou caminho preconcebido. O processo foi guiando o processo”, definiu a atriz.

Mulher jovem e magra está sentada, quase deitada, em uma cadeira de balanço de palhinha. Ela usa camiseta preta de manga comprida, mas com a barriga de fora. Um dos braços dela está para cima, segurando a parte do encosto da cadeira. Ela usa o cabelo comprido, e ele é preto e ondulado. Atrás da cadeira, há uma rede bege armada.
Sophie Charlotte em cena de "Meu nome é Gal" (imagem: Stella Carvalho)

 

A única regra, segundo Sophie, foi “não perder o respeito” com a biografada. “Queria revelar o que fosse possível sobre a verve e a alma da Gal sem fazer julgamentos sobre qualquer desdobramento da vida dela, sem colocar hierarquia entre dúvida e certeza, ou dúvida e coragem”, explicou. “Acho que esse é o núcleo da personagem: uma jovem artista que nasceu para cantar e que vai entendendo, de acordo com o momento que está vivendo e ao lado dos amigos, qual vai ser sua voz no mundo.”

Estão no filme todos os principais parceiros de Gal na época, incluindo Caetano Veloso (vivido por Rodrigo Lelis), Gilberto Gil (Dan Ferreira), Dedé Gadelha (Camila Márdila), Guilherme Araújo (Luis Lobianco), Waly Salomão (George Sauma) e Maria Bethânia, esta interpretada pela própria Dandara Ferreira.

Para criar a intimidade que deveria transparecer na tela, os atores ficaram semanas juntos em uma casa em Cotia, na Região Metropolitana de São Paulo. Alguns diálogos criados nos ensaios foram incorporados ao roteiro, que passou por diversos tratamentos. “É uma personagem com muitos conflitos internos, algo difícil de colocar na tela”, disse Dandara. “Foi preciso tempo para amadurecer o texto e entender como contar essa história.”

Divino maravilhoso

A pandemia ajudou no processo, dando às realizadoras a oportunidade de aprofundar não apenas o roteiro, mas também o conceito do filme com outros profissionais da equipe. “Estávamos retratando a Tropicália, então não podíamos ser rasos, não podíamos brincar com isso”, afirmou a diretora Lô Politi. “Tivemos de realmente estudar muito, principalmente do ponto de vista estético.”

Chamam a atenção, sobretudo, a direção de arte de Juliana Lobo e Thales Ferreira, os figurinos de Gabriella Marra e a maquiagem de Tayce Vale, fundamentais para a caracterização do elenco e a recriação do visual e do espírito da época. Para Sophie, a unidade que se criou entre esses três setores teve grande impacto sobre o trabalho dos atores. “Estar com aquela maquiagem dos anos 1960, aqueles acessórios, naquele apartamento recriado de um jeito tão perfeito... Era um processo de construção de personagem que não parava, só ficava mais bonito”.

A atriz Sophie Charlotte aparece caracterizada com Gal. Ela está de biquíni preto, com os cabelos soltos e volumosos e com uma fita amarada.
Sophie Charlotte no filme "Meu nome é Gal" (imagem: divulgação)

 

Para dar um exemplo do grau de dedicação da equipe, Lô cita uma das primeiras reuniões com Gabriela Marra na sede da distribuidora Paris Filmes. Ao entrar na sala, ela e Dandara se depararam com as paredes tomadas por fotos de todos os figurinos, que já tinham sido produzidos e estavam divididos por cena e ator. “Não era só a referência do que ela ia fazer: já estava pronto, já existia, e era absolutamente perfeito”, relembrou. Para a diretora, a admiração dos profissionais pela cantora foi determinante. “A maioria das pessoas entrou nesse projeto por ser fã da Gal”, afirmou. “Todo mundo era apaixonado por ela, e acho que isso está em cada fotograma.”

A equipe também era majoritariamente feminina, o que Sophie considerou “decisivo e transformador”. Ela citou as filmagens das cenas que recriam o show Fa-tal, de 1971, como especialmente marcantes para quem estava no set. “Havia um entendimento, uma percepção de que a Gal estava em todas aquelas mulheres, porque influenciou todos os femininos”, explicou. “Todas estavam ali fazendo uma homenagem para a Gal através do seu ofício.”

Eternamente

A morte da cantora, em novembro do ano passado, provocou apenas duas alterações no longa: a inclusão de uma homenagem nos créditos e a decisão de utilizar algumas gravações originais, e não apenas a voz de Sophie Charlotte cantando ao vivo. “Sentimos que as pessoas estavam querendo ouvir a Gal”, justificou Dandara Ferreira, que não chegou a mostrar o filme à biografada. “Todo mundo foi pego de surpresa com a partida dela, e o filme acabou ganhando outro significado, [tornando-se] uma forma de as pessoas matarem um pouco a saudade.”

Pensado para um público amplo, Meu nome é Gal chega aos cinemas em um contexto desafiador para o cinema nacional, que, sem a aprovação da Cota de Tela, segue tendo presença reduzida nas salas. Em seu fim de semana de estreia, o longa ficou em sétimo no ranking das dez maiores bilheterias do país, a melhor colocação de um filme brasileiro. Lô se disse feliz com o resultado e afirmou que alguns exibidores já tinham manifestado interesse em expandir o circuito. “Isso é fruto do boca a boca, a melhor divulgação que existe”, opinou.

Dandara contou ter recebido pedidos por uma sequência de Meu nome é Gal e por longas que narrem o mesmo período a partir dos pontos de vista de Caetano, Bethânia e Gil, numa espécie de versão MPB do Universo Cinematográfico Marvel. “Quem sabe?”, disse a diretora. “Pode ser que esse filme tenha sido apenas um começo para contar a história dessa turma tão linda.”

Coluna escrita por:

 Luísa Pécora

Luísa Pécora

Jornalista e criadora do site Mulher no cinema.

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