Na edição de novembro da coluna "Na ponta da agulha", Jorge LZ fala sobre uma obra tocada pelo sagrado que vem das culturas indígenas e africanas
Publicado em 19/11/2024
Atualizado às 11:00 de 19/11/2024
Cantora e compositora, a mineira Amanda Prates acaba de lançar Nação subterrânea, seu primeiro álbum. Sua trajetória artística envolve trabalhos com a música e o teatro – em 2009 fundou o Grupo Girau, que coordenou e no qual atuou até 2014. Nesse período, chegou a gravar dois álbuns, que acabaram não sendo lançados, mas ainda “estão no radar” para, futuramente, serem retomados.
Rico conceitualmente, Nação subterrânea aborda a religiosidade que encontra lugar, principalmente, nas culturas indígenas e africanas, fundamentais na construção da cultura brasileira. Esse trabalho começou a ser desenhado em 2019, após Amanda coordenar o projeto que resultou no álbum Korin Irê, do Terreiro de Candomblé Ilé Wopo Olojukan, obra que reuniu cânticos sagrados do candomblé e contou com a produção de Leandro César, músico e produtor mineiro que tem no currículo os álbuns Revoada (ao lado de Irene Bertachini), Marimbaia e Architecture of sounds, além de parcerias com músicos como Makely Ka e Rafael Dutra. Em meio ao intenso processo de pesquisa e criação, Leandro instigou Amanda a gravar seu primeiro álbum e, durante a pandemia, a ideia ganhou corpo com a montagem do repertório.
Formado por 12 canções, sendo 11 inéditas, Nação subterrânea traz quatro composições de Amanda: “O adivinho”, “Lágrimas de Exu”, “Promessa” e “Senhora”. Completam a lista: “Oração”, de Marcela Nunes, “Subterrânea”, de Thiago Thiago de Mello e Allan Carvalho, “Remendo”, de Clara Delgado e Davi Fonseca, “Alumia”, de Sérgio Pererê, “Mama mata”, de Thiago Thiago de Mello e Joãozinho Gomes, “Ruge leão, troveja Xangô”, de Douglas Germano e Fábio Perón, “Quatro cantos”, de Marcela Nunes, e “Quem não tem canoa cai n’água”, de Zé Manoel – a única não inédita, lançada pelo artista pernambucano no disco Canção e silêncio, em 2015.
Como compositora, Amanda chama atenção pelo desenvolvimento de suas melodias de forma criativa, com as partes de suas músicas desdobrando-se de maneira nada óbvia, como é o caso de “Senhora”. Já “Lágrimas de Exu”, faixa instrumental, traz a curiosidade de ter sido composta a partir da voz, uma vez que Amanda não é instrumentista, o que demonstra sua enorme capacidade de criação musical.
Como cantora, Amanda combina muito bem técnica e emoção (o que aprofunda o caráter sagrado que emana do conceito do álbum), apoiada nos ótimos arranjos criados por Leandro César, seja nas canções com sonoridade mais indígena, como “Subterrânea” e “Mama mata”, ou nas que trazem um enfoque mais afro-brasileiro, como “O adivinho” e “Ruge leão, troveja Xangô”, duas faixas que remetem aos trabalhos de Moacir Santos, mestre na orquestração de sopros e percussão.
Na instrumentação, tendo à frente Leandro no violão, marimba e tri-ré, Amanda é acompanhada por um grupo de artistas de enorme qualidade, formado por João Paulo Drumond, na marimba; Juventino Dias, no trompete; Leonardo Brasilino, no trombone; Marcela Nunes, na flauta; Ayran Nicodemo, no violino; e Jayaram Márcio, no violoncelo.
Mesmo a partir de um repertório composto por diversas mãos, Amanda conseguiu criar uma obra coesa, em que grande parte da sua força está no conjunto. Nação subterrânea é um álbum feito com extrema sensibilidade, dando-nos a oportunidade de apreciar o sagrado e enxergar a importância dos fundamentos da nossa cultura, o que é um verdadeiro presente neste momento em que o mundo, cada vez mais apegado ao que é material, precisa dar mais valor ao que realmente importa.