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No reino de Bruno Berle

Jorge LZ fala de beleza, leveza e simplicidade – as ferramentas do artista alagoano

Publicado em 16/07/2024

Atualizado às 10:39 de 23/08/2024

Por Jorge LZ

Cantor, compositor e multi-instrumentista, o alagoano Bruno Berle já tinha chamado a minha atenção com as faixas “Lembrança” e “Viva”, lançadas como single em 2019, e com seu trabalho nas bandas Troco em Bala e The Mozões. Com o lançamento de No reino dos afetos, em 2022, produzido em parceria com Batata Boy, o que se mostrava interessante atingiu um outro estágio, comprovando que Bruno não era apenas mais um nome entre as centenas de novidades que surgem na música pop nacional. Não por acaso, o álbum foi lançado no mercado britânico pelo selo Far Out Recordings, que possui em seu catálogo pesos-pesados da música brasileira, como Arthur Verocai, Azymuth, Joyce Moreno e Marcos Valle.

Na época do lançamento, em uma entrevista, Bruno foi certeiro ao dizer que a ideia do álbum partiu de sua vontade de encontrar a beleza… “Beleza” é a palavra que define o seu som, que vai muito além do incensado lo-fi. Sua música impressiona, principalmente, por dois fatores que não andam sendo tão comuns no universo pop: simplicidade e verdade. Ser simples e verdadeiro não é algo fácil na indústria musical, que funciona como uma máquina de moer gente… Basta dar uma conferida na maioria das playlists para constatar que sobra “mais do mesmo”, em produções ocas, que atendem perfeitamente à demanda das plataformas, em uma verdadeira armadilha difícil de escapar quando se está lutando para sobreviver.

Recentemente, a parceria com Batata Boy rendeu No reino dos afetos 2, editado pela Coala Records no Brasil, pela Far Out Recordings na Inglaterra e pela Psychic Hotline nos Estados Unidos. Nele, Bruno aperfeiçoa sua arte, adicionando outros elementos ao seu artesanato de delicadezas e construindo uma obra sensível, que traz os estágios da paixão como norte.

 

Imagem com fundo preto mostra pintura de mulher negra de olhos fechados e enfeite de flores coloridas na cabeça.
Capa do disco "No reino dos afetos 2", de Bruno Berle (imagem: divulgação)

 

Ainda que o cenário seja mais urbano em No reino dos afetos 2, em relação ao álbum antecessor, no qual as paisagens eram mais ligadas à natureza (o que é reflexo da mudança de Bruno de Maceió para São Paulo), a leveza é mantida na produção, assim como nos arranjos, em um minimalismo trabalhado com refinamento e criatividade para preencher os espaços e criar uma atmosfera acolhedora para a audiência, que se sente parte desta ode ao amor.

A valorização da canção é um dos pontos altos do álbum e é impressionante como são aparadas as possíveis arestas entre a exuberância natural da música popular brasileira e a forma sintética que caracteriza o lo-fi. A conexão feita por Bruno e Batata Boy entre os dois universos é sustentada pela precisa e orgânica utilização dos recursos técnicos.



Homem jovem e negro com a pele clara aparece sentado em uma grama verde. Ele usa camiseta pólo cinza, com duas listras azuis verticais, e calça jeans. Ele tem barba escura e os cabelos crespos e curtos pintados de louro escuro.
Em "No reino dos afetos 2", Bruno Berle usa a beleza, a leveza e a simplicidade (imagem: Marina Zabenzi)

 

 

Isso fica claro, por exemplo, em “Acorda e vem”, parceria de Bruno com Dadá Joãozinho, na qual, ao contrário da banalização do Auto-Tune, encharcando a voz a ponto de esta soar como um teclado, a dupla utiliza o efeito na medida, dando a dramaticidade ideal para a interpretação.

Faixa a faixa

Já na abertura de No reino dos afetos 2, entramos em contato com o alto-astral do arranjo solar de “Te amar eterno”, de João Menezes. A ambientação solar também marca presença em “Margem do céu”, de Bruno di Lullo e Domenico Lancellotti, canção com acento jazzístico carioca; na romântica e primorosamente produzida “New hit”, parceria com Batata Boy; e em “Tirolirole”, de Phylipe Nunes Araújo, single que antecedeu o álbum e é sério candidato a hit. Completam o repertório a instrumental e climática “Sonho”, de Bruno; a belíssima balada “É só você chegar”, em que se destacam o piano tocado pelo artista e as flautas de Gabriel Milliet; “Love comes back”, do compositor estadunidense Arthur Russell, uma das referências de Bruno; “Dizer adeus”, parceria com Batata Boy, outra em que o Auto-Tune é usado com parcimônia; e “Quando penso”, parceria com Itallo França e Batata Boy, a mais minimalista e melancólica do álbum, com Bruno no violão e, ao fundo, o som de um dia chuvoso.

Homem jovem e negro com a pele clara aparece em foto dos ombros para cima, em parque. Ele usa camiseta pólo cinza, com duas listras azuis verticais. Ele tem barba escura e os cabelos crespos e curtos pintados de louro escuro.
O alagoano Bruno Berle é cantor, compositor e multi-instrumentista (imagem: Marina Zabenzi)

 

Bruno Berle e Batata Boy se encarregaram de quase toda a instrumentação, contando com a participação de um time de peso formado por Antonio Neves (bateria); Bem Gil (guitarra); Biel Basile, de O Terno (conga, balafom, pandeirola e shakers); Bruno di Lullo (baixo); Dada Joãozinho (sample e sintetizadores); Danilo Andrade (teclados); Domenico Lancellotti (bateria, guitarra e sintetizador); Gabriel Milliet (flautas); João Menezes (atabaque e coro); Marvin Vieira (guitarra); Meno Del Picchia (baixo acústico); Nyron Higor (surdo e baixo acústico); Thomas Stankiewicz (sintetizadores); e Marina Nemesio, Manda Conti e Oriana Perez no coro.

Em No reino dos afetos 2, Bruno Berle usa a beleza, a leveza e a simplicidade como ferramentas poderosas na construção de uma identidade estética particular. Com a sensibilidade à flor da pele e a serenidade de quem é verdadeiro no que faz, ele pavimenta um caminho cada vez mais firme, na contramão da frivolidade vigente, garantindo, assim, seu lugar entre os nomes mais criativos do cenário pop contemporâneo.

 

Coluna escrita por:

 Jorge LZ

Jorge LZ

Carioca, radialista, curador, pesquisador musical, produtor cultural e DJ. Produz e apresenta o programa semanal Na ponta da agulha, na Rádio Graviola, é curador do Festival levada e integra o Radialivres, coletivo de radialistas do Brasil. Foi idealizador e curador do Festival BRio e do projeto Verão musical no Castelinho, e produziu e apresentou os programas Geleia moderna, Radar e Compacto, na Rádio Roquette-Pinto.

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