Na edição deste mês da coluna “Na ponta da Agulha”, Jorge LZ fala sobre o equilíbrio entre força e delicadeza nas canções de Patrícia Polayne
Publicado em 17/12/2024
Atualizado às 10:28 de 20/12/2024
Após um hiato de 15 anos, Patrícia Polayne volta com O comboio da ilusão – seu segundo álbum e segunda parte da trilogia Exílio-ilusão-amor –, gravado entre Sergipe, Rio de Janeiro, São Paulo e Bruxelas, com a produção de Dudu Prudente e coprodução de Allen Alencar.
Excelente cantora e compositora, Polayne estreou com O circo singular – as canções do exílio, trabalho de altíssima qualidade, que trazia uma mistura impressionante de diversas vertentes da música popular brasileira, acompanhadas de referências do pop internacional, principalmente o inglês, de artistas como Cocteau Twins e Kate Bush. Nele, a exuberância musical das veredas brasileiras era acompanhada por uma ambiência lírica e espacial, em canções com os traços marcantes do universo de Polayne: o equilíbrio de força e delicadeza, um certo toque de mistério e harmonias abertas, que nos enredam como se estivéssemos em sonhos.
As características que já definem o som de Polayne ganham, desta vez, novos contornos com um maior uso da eletrônica, o que acaba por aumentar a sensação onírica que emana de suas músicas. Ritmos brasileiros, como o samba de pareia e taieira (tão fortes em Sergipe) e ecos de arrocha, baião, toré e bossa nova, são revestidos por texturas eletrônicas, que vão da psicodelia ao pós-punk, dando um caráter universal ao trabalho, ainda que a brasilidade seja a tônica. Esse tratamento sonoro é capitaneado por Dudu Prudente e Allen Alencar, dois músicos impressionantes, que, assim como Polayne, não abrem mão da criatividade. Ao lado deles estão Léo Airplane e João Mário, que contribuem com produções adicionais, e um time de músicos de primeira linha formado por, entre outros, Cuca Ferreira, Donatinho, Pedrinho Mendonça e o violinista belga Sébastien Willemyns.
Conceitualmente, se em Exílio, primeira parte da trilogia, as canções retratavam o não pertencimento, a falta, a saudade, a melancolia e o abandono, neste segundo trabalho a ilusão é marcada pelo retorno ao mundo de uma heroína após ela passar por um período de exílio. Esse retorno é contado por meio de arquétipos que, juntos, representam os quatro elementos: terra, água, fogo e ar, divididos em duas subtrilogias: Trilogia de terra e água e Trilogia de fogo e ar, formando uma espécie de tarô musical com ótimas canções, como “A roda”, que conta com a participação de Nadir da Mussuca e foi lançada como single; “O abismal”, com uma interessante dinâmica percussiva; “Carneiro de fogo”, bossa delicada, introspectiva e profunda, também lançada como single; e a etérea “Diadorim”.
Das 13 faixas, Polayne assinou 11, sendo “Fogueira (o dragão da maldade)” em parceria com Pedrinho Mendonça, outra lançada como single e, desta vez, acompanhada de um videoclipe dirigido por Gladson Galego. As outras duas são a introdutória “Amor ao difícil”, poema de Maria Cristina Gama, e “Vaidade”, de Cecília Meireles, poema que Polayne declama no encerramento do álbum, acompanhada por percussões, flauta e efeitos, de Pedrinho Mendonça.
Aprofundando o que já era intenso em Exílio, Patrícia Polayne, em O comboio da ilusão, criou uma obra encantadora, densa, confessional, rica e, sobretudo, musical. Considerando-se que, nos dias de hoje, o talento é medido pela quantidade em detrimento da qualidade, Polayne aposta suas fichas no verdadeiro fazer artístico, que tem o seu próprio tempo de maturação, sem antecipar etapas por razões mercadológicas. Aprendamos com ela e degustemos com calma a “ilusão”, este segundo ato, até que chegue a hora de apreciarmos o próximo: o “amor”.
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