No Brasil, o documentário costuma ser o formato com maior presença de mulheres na direção
Publicado em 27/07/2022
Atualizado às 12:21 de 04/01/2023
No próximo 7 de agosto, comemora-se o Dia Nacional do Documentário Brasileiro, uma oportunidade anual de celebrar um gênero cinematográfico que é tão fascinante quanto a ficção, mas raramente ganha o mesmo destaque.
No Brasil, como em muitos países do mundo, o documentário costuma ser o formato com maior presença de mulheres na direção. Um levantamento desta coluna feito a partir do mais recente “Anuário estatístico do cinema brasileiro”, publicado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), apontou que 40% dos documentários nacionais que estrearam nos cinemas em 2020 foram dirigidos ou codirigidos por mulheres. O mesmo índice cai para 19% entre os filmes de ficção e fica em zero no caso da animação.
Em minhas conversas com diretoras ao longo dos anos, ouvi diferentes opiniões sobre o motivo de a presença da mulher ser maior no documentário. Algumas mencionaram a necessidade de debater temas urgentes, outras destacaram um especial interesse pelo registro histórico, e quase todas lembraram que filmes de não ficção são em geral mais baratos, podendo ser realizados sem os grandes orçamentos que costumam ser reservados aos cineastas homens.
A coluna aproveita o Dia Nacional do Documentário Brasileiro para recomendar sete títulos dirigidos por mulheres que podem ser vistos gratuitamente na Itaú Cultural Play, a plataforma de streaming do Itaú Cultural.
Eleições
Dirigido por Alice Riff – São Paulo, 2018
Durante três meses, a diretora Alice Riff acompanhou quatro grupos de estudantes que disputavam a eleição do grêmio na Escola Estadual Doutor Alarico Silveira, localizada no bairro Barra Funda, em São Paulo (SP). O resultado é um documentário que oferece duas boas oportunidades ao espectador: entrar no cotidiano de um colégio público, distante de muitos de nós e pouco retratado no cinema; e refletir sobre questões como intolerância, racismo, feminismo e homofobia, que estavam em pauta tanto na votação estudantil quanto nas eleições presidenciais de 2018, ano em que o filme foi realizado. Em tempo: outros quatro documentários de Alice Riff estarão disponíveis na Itaú Cultural Play a partir de 5 de agosto.
Entremarés
Dirigido por Anna Andrade – Pernambuco, 2018
Localizada em Pernambuco, a Ilha de Deus está no centro de um dos maiores manguezais urbanos do Brasil e do mundo. Com esse intrigante lugar como cenário, o curta-metragem da diretora Anna Andrade coloca seu foco na vida e no trabalho das mulheres, que tem sido fundamental para a preservação da natureza e da própria comunidade. Enquanto a câmera mostra o dia a dia das trabalhadoras, elas contam suas histórias e revelam o orgulho de tirar de camarões, caranguejos e sururus o dinheiro que lhes permite dar a seus filhos as oportunidades que não tiveram.
Carmen Miranda: bananas is my business
Dirigido por Helena Solberg – Rio de Janeiro, 1994
Nome fundamental do cinema documental brasileiro, Helena Solberg abordou em muitos de seus filmes as questões de gênero, a situação política dos países latino-americanos e sua relação com os Estados Unidos. Todos esses interesses estão de alguma forma contemplados em Carmen Miranda: bananas is my business, documentário que narra a trajetória da cantora luso-brasileira, evidenciando como ela desbravou caminhos em uma indústria machista e teve sua imagem moldada pelos americanos.
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Nome de batismo – Alice
Dirigido por Tila Chitunda – Pernambuco, 2017
Eleito o melhor curta-metragem da edição de 2018 do festival É tudo verdade, o filme é um diário da busca da diretora Tila Chitunda por suas origens, algo que também desenvolveria no seu trabalho seguinte, Nome de batismo – Frances (2019). Tila nasceu no Brasil, onde sua família se refugiou em 1975, após fugir da Guerra da Angola. O curta registra a primeira visita da cineasta ao país africano, onde encontra parentes, ouve histórias de família e é provocada a pensar sobre colonização, escravidão, identidade e língua. Em sua narração, ela dialoga com a avó materna, que não conheceu, mas de quem recebeu o primeiro nome: Alice.
Que bom te ver viva
Dirigido por Lucia Murat – Rio de Janeiro, 1989
O período da ditadura militar tem rendido bons filmes de documentário e de ficção, muitos deles dirigidos por mulheres. Um dos primeiros e mais importantes é Que bom te ver viva, no qual a cineasta Lucia Murat combina ambos os formatos para abordar a experiência de ativistas que, como ela, foram torturadas durante o regime. A narrativa se desenvolve em duas frentes: de um lado, há depoimentos reais de oito presas políticas; de outro, uma personagem ficcional e anônima, interpretada por Irene Ravache, que funciona como alterego da diretora.
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Sementes: mulheres pretas no poder
Dirigido por Éthel Oliveira e Júlia Mariano – Rio de Janeiro, 2020
A eleição de 2018 colocou Jair Bolsonaro na presidência, mas também foi notável pelo número de candidaturas autodeclaradas negras, que aumentou 93% em relação à votação anterior. Atentas a essa mobilização, as diretoras Éthel Oliveira e Júlia Mariano acompanharam seis das 4.398 mulheres negras que disputaram cargos legislativos em 2018. Com plataformas distintas, as candidatas tinham em comum o fato de pertencerem a partidos de esquerda e a conexão com o legado da vereadora Marielle Franco, assassinada em março do mesmo ano. Sementes foi realizado por uma equipe majoritariamente feminina, com paridade entre negras e brancas, e incluiu profissionais que faziam sua estreia no longa-metragem, como a diretora de fotografia Marina Alves e a compositora Maíra Freitas.
Yãmĩyhex: as mulheres-espírito
Dirigido por Sueli Maxakali e Isael Maxakali – Minas Gerais, 2019
Este é um dos trabalhos mais importantes de Sueli e Isael Maxakali, cineastas indígenas que têm se destacado nos principais festivais do país. Neste documentário, premiado pelo júri jovem da Mostra de cinema de Tiradentes, a dupla faz o registro de um importante ritual do povo Maxakali: o momento em que os espíritos femininos chamados de yãmĩyhex se despedem da Aldeia Verde, em Minas Gerais. Filmando dos preparativos à festa, Sueli e Isael optam por uma câmera participativa, que acaba por fazer com que o próprio espectador se sinta parte do ritual.