Veja como uma tradição centenária ainda perdura nos dias de hoje na estreia da série "Festas populares do Brasil", do site do Itaú Cultural
Publicado em 17/08/2022
Atualizado às 17:00 de 21/09/2022
A série Festas populares do Brasil, do Itaú Cultural (IC) destaca a diversidade, cultura e tradição das celebrações típicas do país. Nesta edição, Juliana Ribeiro escreve sobre as Festas de agosto, do Norte de Minas Gerais.
Ruas enfeitadas com fitas coloridas, cantigas, batuques e muita alegria marcam as tradicionais Festas de agosto de Montes Claros – na região Norte de Minas Gerais –, que abrem a série especial Festas populares do Brasil, do site do Itaú Cultural (IC). As celebrações, que existem há quase dois séculos, costumam movimentar o local e reúnem um grande número de pessoas, entre moradores e visitantes, que não perdem a oportunidade de acompanhar os cortejos dos catopês, caboclinhos e marujos.
O artista plástico Cleiton Cruz, mestre da marujada, conta que as Festas de agosto – que neste ano chegam à sua 181º edição – começaram quando o primeiro bispo de Montes Claros passou a observar essas manifestações religiosas mais de perto. Na época, cada um dos grupos saía às ruas em meses diferentes e de forma separada: a marujada em maio, os catopês em agosto e os caboclinhos em outubro. Eles se dividiam nas celebrações a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Divino Espírito Santo.
“O bispo percebeu que eram manifestações culturais muito bonitas, mas isoladas. Daí, achou interessante juntar em um único mês e fez esse pedido aos mestres. Assim surgiram as Festas de agosto, e as três celebrações viraram uma só, em três dias seguidos”, explica Cleiton.
Na década de 1980, como maneira de fortalecer a festa, foi criado na cidade o Festival folclórico, que, segundo o artista plástico, agregou ainda mais valor à cultura local. Depois disso, as celebrações aumentaram para cinco dias, em um encontro dos festejos religiosos e tradicionais com as diversas manifestações artísticas locais. No entanto, Cleiton chama a atenção para uma questão importante, que é a necessidade de apoio aos grupos.
“Nossa cultura é riquíssima, é fantástica! Tem que haver essa valorização, sabe? O pessoal do mundo político tem que ter mais sensibilidade com os grupos. Para você manter viva uma tradição dessa nos dias de hoje, é complexo. A gente precisa de muito apoio porque, quando a cultura de um povo morre, a gente morre junto. E essa sensação de pertencimento é uma forma de preservar a si mesmo”, afirma.
Conheça os grupos
Para entender as Festas de agosto, é preciso conhecer cada um dos três grupos, que se dividem em seis ternos. Os catopês representam o povo africano, originados do congo. Eles costumam usar as roupas nas cores branca, azul ou rosa, e fitas e penas coloridas penduradas na coroa. As marujadas, por sua vez, são inspiradas nas tradições portuguesas e espanholas e homenageiam os navegadores cristãos e seus grandes feitos náuticos. Usam-se trajes nas cores vermelha, branca e azul.
Aliás, é preciso destacar que, apesar de os grupos terem sido formados apenas por homens durante décadas, hoje contam com a presença feminina. Maria do Socorro Domingos, inclusive, é responsável pelos caboclinhos e herdou essa honra de seu pai, Joaquim. Eles retratam os indígenas brasileiros e usam, na caracterização, cocar e penas como referência a esses povos, tendo a cor vermelha como principal.
Socorro, que hoje tem 44 anos, iniciou nas Festas de agosto ainda pequena, quando acompanhava o cortejo com o patriarca, e tornou-se a primeira mulher a participar da caboclada, abrindo caminho para as que vieram depois.
“Muitas pessoas criticavam e não aceitavam mulheres nessa festa de jeito nenhum, mas meu pai tomou a decisão de me colocar para participar, então eu entrei, e nós estamos até hoje com a mulherada participando. Meu pai puxou as mulheres para os caboclinhos através de mim”, afirma.
Preparativos para as festas
O produtor cultural e psicólogo Junio Pimenta dos Santos herdou do pai, o saudoso Mestre Zanza, a paixão pelas Festas de agosto. Ele, que também é mestre dos primeiros ternos de catopês de Nossa Senhora do Rosário e gestor e coordenador da Associação dos Catopês, Marujos e Caboclinhos, conta que os preparativos geralmente têm início em maio, podendo ocorrer até antes.
“A gente começa preparando as fardas, as vestimentas, dando manutenção e fazendo novos instrumentos. Temos os ensaios de todos os grupos, as visitas aos mordomos e festeiros, porque a festa também é de caráter familiar, envolvendo as famílias e pessoas da comunidade”, diz ele, que é conhecido como Mestre Zanza Junio.
O atual mestre dos marujos, Cleiton, explica que existe todo um ritual em torno das Festas de agosto, inclusive no levantamento do mastro, que é um dos momentos mais esperados. Neste caso, algumas pessoas chamadas de “mordomos” ficam responsáveis pelas bandeiras durante todo o ano, aguardando o momento da entrega e hasteamento, que é realizado nos dias da celebração.
“A gente faz as visitas na casa dessas pessoas e traz a bandeira para o centro da cidade. Geralmente são pessoas simples, da periferia, e esse momento é mágico demais! É como se a periferia viesse para o centro e ficasse realmente no foco da sociedade”, destaca Cleiton. “Então há também um empoderamento desses locais periféricos que são marginalizados. As Festas de agosto têm muito simbolismo e são importantes para a gente até entender esse contexto nosso, como povo e como gente”, ressalta ele.
Zanza Junio afirma que, para ele, o levantar do mastro é um dos momentos mais especiais das festas. Ele explica que algo que chama muita atenção nisso é a simbologia da ligação entre Deus e o homem no momento em que o mastro é enfincado no solo. “É o eixo que faz a ligação entre o divino e o material. Então é muito emocionante esse momento do mastro”, completa.
Saudades, mestre!
Não há como falar de Festas de agosto sem citar João Pimenta dos Santos, o Mestre Zanza, que foi um dos principais líderes das manifestações folclóricas do município e é considerado como um dos maiores símbolos dos catopês. Ele faleceu em outubro do ano passado, aos 88 anos, e deixou um legado importante para Zanza Junio.
Mestre Zanza dedicou sua vida toda às Festas de agosto, preservando as raízes dos grupos e atuando de forma coletiva. O último dos grandes mestres, como o filho mesmo diz, preservou essa cultura viva, sempre com muito zelo.
“Meu pai representa as Festas de agosto em si, em caráter de tudo dentro da cultura. Ele, de fato, é o símbolo mais marcante de toda ela. Ele dizia que catopê é do povo e para o povo, então essa representação cultural é conhecida no Brasil e até no exterior, onde se escuta falar do nome de Mestre Zanza”, declara. “É algo muito marcante, forte e que eternizou. O legado dele permanece pela dedicação e pelo carinho que teve pelas festas.”
O produtor cultural diz, ainda, que se emociona sempre com a lembrança de todos os mestres e dançantes que já partiram. “Quando a gente desce pelas ruas, é a mesma coisa de eles estarem ali conosco. A gente sente essa presença, e isso nos emociona bastante”, conclui.
Festas de Agosto -Série Festas Populares do Brasil
Onde: Montes Claros (MG)
Quando: agosto - as festas acontecem durante cinco dias do mês (consultar programação)