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Dia da MPB: qual é a sua história com a música brasileira?

Alessandra Leão, Bárbara Eugênia, Bruna Caram, Salma Jô, Tim Bernardes e Tuyo compartilham suas histórias com grandes nomes da música brasileira

Publicado em 17/10/2020

Atualizado às 18:47 de 26/08/2022

por Milena Buarque e William Nunes

Falar em música brasileira é contar uma pluralidade de identidades, sons, ritmos, melodias e histórias diferentes que representam o Brasil do jeito que ele é. Reconhecida como gênero musical em meados dos anos 1960, pode-se dizer que a música popular brasileira, ou MPB, antecede em muito a formação de uma indústria musical estruturada no país. Com enérgicos assobios ou tímidas cantorias, homens e mulheres transpunham para as ruas do então Império composições feitas para figurar em bailes, salões e espetáculos teatrais. Iniciava-se assim a popularização de um cancioneiro eminentemente nacional. 

Neste 17 de outubro, Dia da Música Popular Brasileira – data estabelecida em homenagem ao nascimento da maestrina Chiquinha Gonzaga (1847-1935), pianista, maxixeira e compositora carioca, uma das precursoras da nossa música –, convidamos seis artistas para homenagear alguns nomes que os inspiram. Alessandra Leão, Bárbara Eugênia, Bruna Caram, Salma Jô, Tim Bernardes e Tuyo compartilham, a seguir, suas histórias com outros grandes nomes da MPB.

>>Playlist especial reúne músicas dos artistas entrevistados e dos homenageados

Isaar (imagem: Humberto Reis)

Alessandra Leão e Isaar

“Nós nos conhecemos em 1996, um monte de amigues em comum e um boizinho de carnaval para chamar de nosso. Já era dela, na verdade, mas passei a chamar de meu também, o nosso Boizinho Alinhado. Em 1997, fundamos, juntas com Karina Buhr, Renata Mattar e Telma César, a Comadre Fulozinha. Convivemos diariamente, tocamos, gravamos, viajamos um tanto, nos afastamos e seguimos juntas. Cada uma com suas músicas e outras tantas que chamamos de nossas. E uma alegria constante a cada reencontro. A voz de Isaar é um tesouro precioso. Aço fino, afiado. Abraço apertado e demorado. Voz que corta e acalenta a alma. Acalma e ferve meu coração. Compositora. Leva-nos para voar e mergulhar em copos de espuma e no azul-claro profundo. Agora tem cantado músicas de Amelinha, e essa é das notícias melhores que há!”

Filipe Catto (imagem: Lorena Dini)

Bárbara Eugênia e Filipe Catto

“Vi Filipe florescer, ampliar sua existência como os galhos de uma árvore buscando o espaço, mas também ampliando suas raízes por debaixo da terra. Isso está cada vez mais evidente no seu trabalho. O caminho espiritual, a busca, é uma libertação. E isso a gente vê gritando. Uma deusa, bruxa, que usa sua voz de um jeito tão lindo, único, que fala da vida, das conexões, dos sentimentos de um jeito tão intenso e belo. Isso é muito inspirador. Ela traz a necessidade de autenticidade, de ser verdadeira e plena. Somos amigas faz tempo, provavelmente milênios, e reencontrar esse ser aqui nesta existência e compartilhar da música é uma bênção. Estamos neste momento trabalhando numa parceria que logo mais chegará ao mundo.”

Bruna Caram e Gonzaguinha

“Escolhi Gonzaguinha porque sua música foi minha maior companheira de quarentena: ao preparar uma live cantando seu repertório, descobri que era tudo que precisava ouvir e cantar. Na verdade, cresci ouvindo Gonzaguinha, porque minha mãe era fã de carteirinha, aí meu irmão se tornou fã de carteirinha, e eu fui a terceira a contrair o vício. Acontece que fazia alguns anos que eu não visitava sua obra e fui estudar as canções para fazer essa live, quando descobri ‘De volta ao começo’. Não conhecia. Fiquei duas semanas ouvindo, chorando, cantando, ouvindo, cantando e chorando. E, enfim, decidi começar um projeto cantando sua obra. Estou fazendo financiamento coletivo pelo meu site para o projeto. A obra de Gonzaguinha cai como uma luva nos tempos bizarros que estamos vivendo. É uma obra com muita luta por justiça e muito afeto.

Gonzaguinha me inspira por ser extremamente passional em suas canções e por ter muita consciência de seu papel como artista, pelo que percebo em sua obra. Acredito que nós artistas devemos cantar nosso tempo, contar nosso tempo, mas, principalmente, mostrar que há mais do que o mundo, duro como ele é. A arte mostra soluções e dá motivo para união. É um alívio nosso para tudo que dói.”

Salma Jô (Carne Doce) e Chico Buarque

“Minha história com o Chico Buarque é, como se pode imaginar, só minha, porque eu nunca o encontrei nem ele nunca deve ter ouvido uma música nossa (nem quero e já coro de imaginar). Por influência da minha mãe, ele foi o compositor mais importante da minha infância e adolescência. Foi um impacto muito grande quando primeiro ouvi e compreendi, aos 8 ou 9 anos, ‘Geni’, ‘Construção’ e ‘Pedro pedreiro’. Especialmente essas obras que refletiam um ideal de justiça social e de humanismo e de nação tiveram um forte efeito educativo e moral (o que mais tarde foi reforçado por todas as minhas professoras de português). Já para compreender o que parecia contraditório e poético demais nas músicas que refletiam as relações e as paixões, foi preciso sentir um pouco mais na pele; de todo modo, também deixaram impressões profundas. Chico virou para mim o que foi para muita gente: um misto de herói, tutor, professor, ídolo e paixão platônica.

Só assisti a um show dele, em 2007. Eu e minha melhor amiga na época estávamos no Rio de Janeiro para uma bienal da UNE [União Nacional dos Estudantes], ele tocou no Canecão (que já não existe). Ela também era superfã, fomos juntas, era provavelmente o dia mais feliz das nossas vidas até ali, ou a gente acreditava nisso. Minha impressão é que vários outros estudantes de outras partes do país estavam vivendo a mesma coisa. Foi catártico. Praticamente não me lembro da música, do palco, do show em si; o evento principal era ver com nossos próprios olhos o homem, e fiquei, sim, totalmente entorpecida de felicidade até o dia seguinte, mas depois o efeito passou violentamente: ali naquele momento realmente houve uma desmitificação, nunca mais ele foi o Chico Buarque, mas ao mesmo tempo passou a ser de fato o Chico Buarque, alguém real, de carne e osso, um compositor brasileiro. Nos anos seguintes eu o ouvi cada vez menos, mas talvez tenham se apurado ainda mais a influência, a genialidade das letras e do compositor, e apenas do compositor, em mim. Talvez sem essa experiência eu nunca teria a cara de pau, a arrogância, de fazer minhas próprias letras, e nessas letras estão ainda o que aprendi com ele.”

Maurício Pereira (imagem: Divulgação)

Tim Bernardes e Maurício Pereira

“Eu poderia escolher muitos nomes da MPB que amo e que me influenciaram, alguns com quem tive a honra de estar junto, mas pensei em falar sobre quem me apresentou muitos desses nomes: meu pai, Maurício Pereira. Ele é para mim dos artistas e compositores mais autênticos da nossa música, e digo como ouvinte para além de ser filho. As histórias que compartilho com ele são inúmeras, porque, de alguma forma, é minha vida inteira. Mas acho que o incentivo e a generosidade que ele sempre teve pela minha entrada na música foram uma bela sorte minha. Construí meu gosto, minhas buscas estéticas e bandas na adolescência bem por conta própria, e isto é algo bacana: ele nunca quis interferir na minha formação. Contudo, me deu várias oportunidades de ir conhecendo a profissão por dentro. Minha primeira boa guitarra eu comprei depois de trabalhar como roadie em algumas de suas temporadas de shows. Eu amava poder montar a bateria, ver os instrumentos dos músicos de perto, observar do backstage. Depois de um tempo ele me chamava até para substituir algum guitarrista que faltasse, e eu podia ter a experiência do palco numa época em que minha banda ainda estava no comecinho. São muitas histórias. O principal é que sinto que a forma como ele soube me instigar e apoiar sem se meter foi um lance de craque. Ele é craque demais.

Além de ele e minha mãe terem me apresentado os clássicos que foram minha coluna vertebral na música (Beatles, Mutantes, Dylan, Tim Maia, Dorival, Milton, Gil, Caetano e tantos outros), acho que me inspira muito no meu pai a liberdade de ser autêntico, ser autor. Eu nunca quis fazer algo que soasse como a música dele, até por esta inspiração: de construir a própria linguagem, a própria estética, poética, estilo e tudo mais. Então, olhando de fora, acho que minhas influências conscientes estavam nessa minha busca e paixão pelo pop dos anos 1960, mas inconscientemente e por osmose eu devo ter aprendido essas lições variadas com ele. Fora isso, eu conscientemente admiro muito o jeito cotidiano dele de escrever as letras. E a convivência harmônica entre canções muito fortes emocionalmente (como “Trovoa”) lado a lado com humoradas (“A loira da Caravan”, por exemplo). Essa versatilidade com identidade é um lance que valorizo muito num artista.”

Tuyo e Mahmundi

“Em 2014 fomos tocar no nosso primeiro festival em São Paulo. Era uma banda antes da Tuyo, outra pegada. Encontramos nossa ídola do momento, Marcela, a Mahmundi. A gente já sacava ela do Velho Irlandês, e era a pessoa de fé mais não religiosa que a gente conhecia naquela época. Foi incrível perceber a Mahmundi rompendo com tudo que a gente conhecia desde criança sobre o cantar e sobre fazer música. Já estávamos num caminho de compreender a música como um fenômeno em si, e não como um mecanismo dentro de algum fenômeno religioso. Ver a Mahmundi cantar tudo que ela queria parece que deu uma chancelada na gente. Ter conhecido a Marcela nesse festival foi o que nos empurrou para fora daquele circuito e nos encheu de vontade de cantar para o planeta. Ela é produtora, intérprete, compositora e engraçadona, além de bonita demais e dona de um timbre macio, especial. É gostoso poder chamar a Mahmundi de amiga.”

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