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Do brincar de escrever na infância ao sucesso na TV: 80 anos de Aguinaldo Silva

O escritor relembrou a juventude em Recife e falou da transição do jornalismo para as novelas e da inspiração para criar personagens icônicos

Publicado em 19/06/2023

Atualizado às 16:45 de 19/06/2023

Por Juliana Ribeiro

Dos tempos da infância e juventude em Pernambuco, do primeiro livro publicado e da prisão no período da ditadura até o sucesso como autor de novelas: aos 80 anos – recém-completados, no dia 7 deste mês –, Aguinaldo Silva tem os capítulos de sua história mais vivos do que nunca na memória, tanto que, atualmente, tem dedicado parte de seu tempo a escrever um livro sobre tudo que já viveu. Se antes ele nem cogitava trabalhar com novelas, hoje fala com orgulho sobre os diversos personagens que criou e revela, com riqueza de detalhes, o que o inspira na hora de escrever suas narrativas. 

Infância em Carpina, juventude em Recife

Aguinaldo passou a infância em sua terra natal, Carpina, cidade do interior de Pernambuco. Por lá morou até os 10 anos de idade, mudando-se depois para a capital, Recife. “Meus pais eram pobres. Meu pai trabalhava num posto de gasolina da cidade, onde vendia peças para carros. Era um homem de pouca cultura e educação, mas tinha uma preocupação muito grande com a minha educação”, conta o autor, que estudou, na época, na escola particular de Dona Isaura, professora bem conhecida na região.

Quando Aguinaldo terminou o curso primário, seu pai decidiu se mudar com a família para a capital pernambucana, para que o filho pudesse seguir com os estudos. “Foi uma coisa muito traumática, pois ele estava estabelecido aqui por Carpina, mas foi a Recife, visitou várias pessoas e conseguiu emprego. Daí nos mudamos”, relembra. “Então a minha vida foi assim, estudando em ótimos colégios, caríssimos. Imagino o sacrifício que ele fez, porque éramos pobres”, completa.

Na imagem, em preto e branco, está Aguinaldo Silva na adolescência. Ele usa o cabelo liso e penteado para a lateral e usa uma camisa polo.
Aos 15 anos, em Recife, Pernambuco. (imagem: Acervo pessoal)

Aguinaldo começou a trabalhar muito cedo, ainda na adolescência, com apenas 14 anos de idade. O autor conta que o pai o chamou e avisou: “A partir de hoje, você vai trabalhar durante o dia e estudar à noite, e vai pagar o seu colégio” – e assim aconteceu. Segundo ele, naquela época era bem comum trabalhar nessa idade, inclusive, tinha até carteira assinada. Com o salário do primeiro emprego, o pernambucano passou a pagar a escola, como combinado com o pai, que já pensava em uma carreira tradicional para o filho. “Ele queria que eu fosse advogado, mas minha mãe queria que eu fosse padre – duas profissões incompatíveis comigo”, diz, aos risos.

Do brincar de escrever ao sucesso do primeiro livro

Aguinaldo conta que teve uma infância solitária, então, sua maneira de se divertir era escrevendo, lendo e criando personagens. “Quando nos mudamos para o Recife, no bairro Aflitos, ao lado de minha casa morava um senhor. A filha dele, uma moça chamada Gleice – eles tinham uma biblioteca enorme que era possível ver do meu quintal –, um dia me notou e perguntou se eu gostava de ler. Quando respondi que sim, ela disse que me emprestaria os livros do pai dela. Foi aí que li tudo que se possa imaginar, inclusive coisas que não eram para a minha idade. Daí comecei a escrever”, diz ele, que comprou uma máquina de escrever assim que começou a trabalhar.

No trabalho, inclusive, ele fez amizades e conheceu pessoas de sua idade. “Por meio delas, conheci um jornalista, o Nilton Faria, e nós costumávamos frequentar a sua casa. Um belo dia, falei para ele que eu ‘brincava’ de escrever e ele me falou uma frase de que não me esqueço nunca: ‘Então me mostre os seus brinquedos’. Eu tinha acabado de escrever um livro, um romance”, relata.

Aguinaldo, então, entregou os originais para Nilton. A obra, feita na máquina de escrever no tempo que sobrava entre a escola e o trabalho, foi lida pelo jornalista em uma semana. “Ele afirmou que eu não brincava de escrever, que era um escritor, e precisava publicar aquele livro. Perguntei como e ele me disse para enviar a uma editora no Rio de Janeiro. Eu não tinha a menor ideia de editora. Lia livros, mas não prestava atenção nisso”, disse.

Na época, segundo Aguinaldo, os escritores Fernando Sabino, Vinicius de Moraes, Rubem Braga e Paulo Mendes Campos tinham criado a Editora do Autor, para a qual ele resolveu enviar seu livro, intitulado Redenção para Job, para ver o que aconteceria. “Mandei para a editora com uma carta muito atrevida que começava assim: ‘Sou um caso raro de precocidade em ascensão’”, conta, aos risos.

Duas semanas depois, Aguinaldo recebeu um telegrama de Fernando Sabino dizendo que seu livro tinha sido lido e que estavam viajando para o Recife para assinar contrato com ele, pois iriam publicar a obra. “De repente aquele homem, que era famosíssimo na época, chega lá para se encontrar comigo. Foi uma coisa desastrosa, eu me comportei pessimamente, nem sei como sobrevivi àquilo, mas o fato é que assinei o contrato. Seis meses depois, eles me mandaram uma passagem aérea para ir ao lançamento do livro, no Rio de Janeiro. Isso com 16 anos”, relembra.

A imagem mostra a capa de um livro, no qual há o formato de uma mão aberta sobre o fundo preto. O título,
Capa do 1º livro publicado , lançado em 15 de dezembro de 1961. (imagem: Acervo pessoal)

No Aeroporto do Galeão, na capital fluminense, estava Otto Lara Resende à sua espera. Atrasado, ele teve que se apressar, pois soube que tinha muita gente aguardando sua chegada no lançamento: “Era noite. Fui do aeroporto até Copacabana, na Livraria Eldorado, e não compreendia o que estava acontecendo. Quando chegamos tinha uma multidão! Vi Fernando Sabino, que já conhecia, e as estrelas todas da literatura estavam lá”. Ele descreve uma cena que nunca mais esqueceu: “A Livraria Eldorado tinha uma escada de madeira e tinha uma mulher linda sentada nessa escada me olhando. Então, perguntei para Fernando Sabino quem era, e ele: ‘É a Clarice Lispector’. Ele me levou até ela, que desceu e estendeu a mão para mim. Ela me puxou, deu um beijo no meu rosto e perguntou: ‘Você é um menino ou uma menina?’, conta aos risos, lembrando ainda que se encontrou com Clarice mais algumas vezes depois desse dia. 

Na imagem, em preto e branco, um jovem posa na porta de um hotel. Ele usa camisa escura de botões, bermuda e chinelos.
No hotel em Ipanema, um dia depois do lançamento de "Redenção para Job", em 1961 (imagem: Acervo pessoal)

Após o sucesso do livro, Aguinaldo retornou para o Recife e, por lá, todo mundo falava dele. “Voltei para o colégio e para o meu emprego antigo, um cartório no qual eu era datilógrafo, e rolou muita história em torno do livro. As pessoas começaram a dizer que o Nilton Faria é que tinha escrito, e não eu. Chegaram a duvidar”, lamenta.

Vida de jornalista

Aguinaldo conta que, em 1962, Samuel Wainer resolveu criar o Última Hora do Nordeste e, como Nilton Faria era muito influente, foi convidado a indicar jornalistas pernambucanos. Foi aí que ele procurou o autor e o chamou para trabalhar no jornal. “Eu, datilógrafo de um cartório, ser escritor, ser repórter? Não sabia nada! E ele falou: ‘Vá lá que você aprende, vão lhe ensinar”, conta.

Na imagem, em preto e branco,  um homem de pele clara, cabelos escuros e curtos, posa sentado e com uma mão sobre o outro braço. Ele tem o olhar direcionado para o lado e usa uma camisa de mangas curtas.
Recife: redação do jornal "última Hora". (imagem: Acervo pessoal)

“Daí fui trabalhar no Última Hora do Nordeste e tive dois professores fantásticos, entre eles o Milton Cruz da Graça. Eles me contrataram e, quando leram o meu livro, acharam que eu poderia ser um jornalista. Participei da campanha de Miguel Arraes, viajei com ele pelo sertão. E, aos 20 anos, em 1964, aconteceu o golpe, os militares invadiram o jornal e depredaram tudo. Nós ficamos todos foragidos”, relembra.

Aguinaldo conta que os jornalistas do Última Hora eram perseguidos a ponto de ter ordem para que ninguém lhes desse emprego no Recife. Naquele período, o autor ficou escondido em um convento de beneditinos em Olinda, porque estavam prendendo todo mundo. Depois de um tempo, ele saiu de lá e decidiu ir embora para o Rio de Janeiro. 

Inicialmente, na verdade, ele iria para São Paulo, já que tinha conseguido emprego no Última Hora da capital paulista. No entanto, quando o avião pousou no Rio, Aguinaldo quis ficar por lá e não seguiu viagem. Ele se lembrou de um amigo que morava na capital e que havia lhe dado o número de seu telefone. O pernambucano ligou e, por meio do amigo, conseguiu um apartamento na Tijuca todo mobiliado, onde poderia se instalar por alguns meses.

Apesar da decepção com o jornalismo por causa do trauma ocorrido em Pernambuco, e após dois meses sem emprego, ele resolveu procurar o Última Hora carioca, onde foi admitido na hora, por lá ficando de 1964 a 1968. “Saí do Última Hora e fui trabalhar no Jornal do Brasil, que era um templo do jornalismo carioca. Você faz ideia do que era 1968 no Centro do Rio de Janeiro? O jornal ficava na Avenida Rio Branco e para chegar até lá eu tinha que atravessar cinco manifestações, oito nuvens de gás lacrimogênio, a polícia militar com cavalos que corriam atrás da gente, uma loucura! Eu chegava no jornal e era simplesmente ignorado por aquelas figuras do altíssimo jornalismo”, destaca.

Passadas duas semanas, Aguinaldo não aguentou a indiferença dos colegas e decidiu sair de lá e ficar um tempo sem trabalhar. Morou por um período no bairro da Lapa, onde, como ele mesmo diz, “passou por todas as experiências que se possam imaginar”. Depois, sem dinheiro, decidiu voltar à ativa e procurar um novo trabalho. A essa altura, o Última Hora já tinha fechado e sua próxima alternativa seria o jornal O Globo. “Fuad Atala, o editor geral do jornal, me contratou como copidesque. Comecei o trabalho no dia 1º de novembro de 1968, e no dia 5 de novembro não fui trabalhar, sumi”, conta.

Preso na Ilha das Flores 

Aguinaldo, então com 24 anos, ficou desaparecido por cerca de três meses. Na verdade, ele acabara sendo preso pelo Centro de Informações da Marinha (Cenimar), e ninguém teve notícias de seu paradeiro. “Em 1968, foi decretado o Ato Institucional nº 5 [AI-5], e antes disso eu tinha escrito o prefácio de uma das edições brasileiras do diário de Che Guevara, que intitulei ‘A guerrilha não acabou’. Um ano depois da decretação, começaram a perseguir as pessoas; descobriram esse livro no depósito de uma gráfica e foram atrás de todos os envolvidos no projeto. O editor foi preso em Brasília e eu fui preso no Rio, na minha casa.”

Aguinaldo conta que, ao abrir a porta de sua casa, já havia notado que ela não estava trancada. Então, ele se deparou com quatro homens, um deles com uma metralhadora portátil na mão. “Eles me levaram preso para o Cenimar, que era a coisa mais sinistra que se pode imaginar. Ficava em um subterrâneo, embaixo do Ministério da Marinha, e lá estava o comandante Sarmento, que mandou me prender”, relembra.

Toda essa situação foi reproduzida pelo autor na novela Senhora do destino. No começo da trama, há uma cena em que a personagem Maria do Carmo (interpretada por Carolina Dieckmann na primeira fase) chega ao Rio de Janeiro no dia em que é decretado o AI-5. “Resolvi puxar a história para esse momento e não para um ano depois. Então ela chega, é presa, é levada para o quartel, os filhos ficam abandonados, a Nazaré [interpretada por Adriana Esteves na primeira fase] rouba a bebê.

O comandante encaminhou Aguinaldo para a Ilha das Flores, que era o presídio da Marinha. Ele foi algemado e levado de lancha, chegando ao local de madrugada. “A cena era terrível, tudo proposital, uma encenação. No cais tinha soldados com cães pastores-alemães. Você fica apavorado, mas ao mesmo tempo se conforma com o que está acontecendo”, diz.

O autor ficou 70 dias preso, e em 41 deles incomunicável. Nesse período, um fuzileiro se aproximou da abertura de sua cela e perguntou se Aguinaldo era escritor. Ao ouvir a afirmativa, ele revelou que também tinha muita vontade de escrever, mas não sabia como fazê-lo. Daí em diante, sempre que estava em serviço, passava por lá para conversar.

Num desses dias, o oficial revelou ter curiosidade de ler os livros do escritor, que aproveitou para pedir lápis e papel. “Faço um bilhete para a secretária da editora, você vai lá e entrega o bilhete autorizando que ela dê os meus livros para você”, disse ele, que na época publicava pela Gráfica Record Editora. “Daí escrevi: ‘Conceição, o portador desta trabalha na Ilha das Flores, onde me encontro, por favor entregue um exemplar de cada livro meu para ele’.”

Foi por meio desse bilhete que descobriram o paradeiro de Aguinaldo. “Fui preso no dia 5 de novembro de 1969 e solto no dia 10 de fevereiro de 1970. Daí, voltei para O Globo e fui aceito como se nada tivesse acontecido. Fizeram até uma feijoada numa sexta-feira esperando que eu contasse alguma coisa, mas não contei merda nenhuma. Fiquei traumatizado durante muito tempo”, relata.

Na imagem, Aguinaldo Silva  está em uma redação. Ele usa uma camisa listrada e um suéter preto nos ombros. Ele tem a pele clara e os cabelos escuros e cacheados e usa óculos de grau. Atrás dele estão dois homens, que assim como ele trabalham em suas respectivas mesas.
Na redação do jornal "O Globo", em 1974. (imagem: Acervo pessoal)

Ele ficou no jornal até 1977, saindo de lá para ser freelancer, porque a essa altura já era um jornalista bastante conhecido, especializado em assuntos policiais, e escrevia para diversas publicações, entre elas O Pasquim. “Logo depois recebi uma ligação do Daniel Filho dizendo que queria ter uma reunião comigo. Disse que iam fazer um seriado chamado Plantão de polícia, sobre um repórter policial como eu, e me chamaram para trabalhar nisso”, conta.

Do jornal para as novelas

O progresso na carreira de Aguinaldo foi acontecendo de forma muito natural. Ele foi para a Globo, fez produção e depois sua primeira minissérie (Lampião e Maria Bonita) – e não parou mais. Um dia, foi chamado para uma reunião na sala de Boni. No elevador, ele se deparou com uma moça que até então não conhecia: Glória Perez. “Na época éramos todos novinhos. Entramos na sala do Boni e ele foi dizendo: ‘Vocês dois vão escrever a próxima novela das oito’”, relembra.

Naquele mesmo dia, Aguinaldo foi para a casa de Glória e começaram a trabalhar na novela Partido alto, que foi a primeira de ambos. “Eu não entendia nada de novela e continuei não entendendo durante muito tempo. Só na minha quinta ou sexta novela é que comecei realmente a mergulhar mesmo, porque até ali eu improvisava, mas os meus improvisos eram tão malucos que davam certo. Eu achava novela um horror”, revela.

Depois, ele foi convidado para fazer Roque Santeiro, trama que se tornou um dos maiores sucessos da Globo. Após ler uma sinopse de Aguinaldo no Centro Casa da Criação, Dias Gomes, que já tinha escrito cerca de 40 capítulos, o escolheu para prosseguir com o projeto. “Quando li, pensei: ‘Mas que bobagem!’. Confesso que não acreditei naquilo, mas fiz o que tinha que fazer, era profissional e comecei a escrever, escrever e escrever. E Roque Santeiro foi aquele escândalo”, relata.

Roque Santeiro conquistou o público, tanto que um dos capítulos chegou a bater 98 pontos de audiência. No entanto, quando Dias Gomes retornou de viagem – ele estava na Europa –, quis escrever os últimos 18 capítulos da novela. “Foi uma crise na Globo, porque tinha pessoas que achavam que ele não podia fazer isso comigo, e outras que achavam que a novela era do Dias e ele podia fazer o que quisesse”, explica Aguinaldo.

O autor, então, deixou a novela, mas bastante chateado com a decisão. Gomes acabou escrevendo os últimos capítulos, e, segundo o pernambucano, o assunto – que deveria ficar nos bastidores – acabou chegando à imprensa. “A Veja publicou a história, aí começou a guerra. Tinha uma repórter da Folha de S.Paulo que alimentou essa fofoca durante uns três anos”, conta.

Os autores ficaram por um tempo sem se falar, mas voltaram com a cordialidade durante uma das reuniões na Globo. “Em uma das pausas para o café, eu me levantei para tomar um e senti um silêncio atrás de mim. Quando olhei, era o Dias. As pessoas estavam esperando o momento em que a gente iria se engalfinhar, daí ele falou: ‘Você gosta com açúcar ou sem açúcar?’. E eu falei: ‘Com açúcar’ – então ele mexeu com a colher e entregou o café para mim. Daí em diante, ele começou a conversar comigo normalmente. Não colocamos os pingos nos is ali, foi simplesmente como limpar tudo”, relembra.

Sucesso atrás de sucesso

Foi em Tieta que Aguinaldo se deu conta de que realmente gostava do que fazia, tanto que sequenciou sucessos, entre eles: Pedra sobre pedra (1992), Fera ferida (1994), A indomada (1997), Senhora do destino (2005) e Império (2014) – esta última, inclusive, deu ao autor o Emmy Internacional de Melhor Novela em 2015. 

Muitos dos personagens criados tornaram-se marcantes para o público. Ele conta que, por mais incrível que pareça, a maioria saiu da vida real, eram pessoas que ele de fato conheceu. A Maria do Carmo de Senhora do destino, por exemplo, foi inspirada em sua própria mãe. “Ela era exatamente aquilo, tinha um apego ao filho e aquela coisa toda, tanto que o nome da minha mãe era Maria do Carmo”, revela.

Já a Griselda de Fina estampa foi criada a partir de uma mulher que se chamava Antonieta, moradora de Santa Tereza, no Rio de Janeiro: “Uma senhora portuguesa, viúva, mãe de três filhos. Ela tinha muito jeito para essas coisas manuais, daí começou a fazer isso e se tornou uma figura popular no bairro, andava por toda parte com aquela malinha, usando um macacão”.

Na imagem está uma mulher branca, de olhos claros, usando macacão e boné na cor cinza e uma camiseta branca por baixo.
Lilia Cabral interpretou Griselda em "Fina Estampa" (imagem: Frame de vídeo/ novela "Fina Estampa")

Lilia Cabral conta que o papel foi o mais marcante de sua carreira. “Acho que ele [Aguinaldo] acreditou que eu podia fazer, ele bancou o meu nome. É um personagem que tinha que ter muita credibilidade, e, como era a minha primeira protagonista, era um desafio muito grande. Eu tive que lutar bastante comigo, particularmente com o meu trabalho, para que as pessoas acreditassem que existe essa mulher. Foi um personagem muito forte na minha vida”, destaca a atriz.

Passado sempre presente

Senhora do destino é a novela preferida do autor entre todas as que escreveu. “Gosto muito porque, embora não seja a história da minha família, tem muito a ver com ela, os valores... Então, é a minha novela de que gosto mais”, diz ele, que havia ficado um bom tempo sem escrever narrativas para a TV. Aguinaldo conta que, quando o chamaram para o projeto, ele não tinha pensado em nenhuma história, mas daí se lembrou da campanha que havia feito pelo sertão ao lado de Miguel Arraes em 1962, para o Última Hora do Nordeste.

Na ocasião, a comitiva foi de madrugada para uma cidade chamada Belém do São Francisco, em Pernambuco. Eles ficaram na casa de um político local. Ele conta que ventava muito por lá e a rua estava deserta quando chegaram. “Quando amanheceu e abri a janela, estava o Rio São Francisco na minha frente, ou seja, aquela coisa sinistra da noite tinha sido substituída por uma luz incrível, e confesso que a presença naquela cidade foi muito boa para mim”, relembra.

Uma das coisas que Aguinaldo viu no local ficou tão marcada em sua memória que se tornou uma cena bem emblemática de uma de suas novelas: “Quando íamos saindo da cidade, vi que no meio do rio tinha uma mulher dando banho em um bebê, e essa imagem ficou na minha cabeça. Quando me pediram a novela, pensei em minha mãe, nessa coisa toda, na coisa do Arraes. Percebi que iria fazer uma novela realista. Tenho a impressão de que o sucesso de Senhora do destino foi porque ela é muito do meu coração, saiu porque tinha que sair, é muito verdadeira”, destaca.

Uma mulher de lenço marrom no cabelo e blusa rosada aparece segurando um bebê.
Maria do Carmo (Carolina Dieckmann) em cena marcante de "Senhora do Destino" (imagem: Frame de vídeo/ novela "Senhora do Destino")

Pausar não é parar

Vivendo atualmente em Portugal, Aguinaldo confessa que decidiu fazer uma pausa nas novelas quando percebeu seus pés inchados após passar dias mergulhado na produção de O sétimo guardião (2018). É que, quando está escrevendo uma trama, o autor não costuma sair de casa, pois diz que morre de medo de adoecer. E a rotina é puxada: quando está produzindo, ele começa a trabalhar às 7 horas e segue até as 23h30, de domingo a domingo, sem folga.

Mas pausar não significa parar, e o autor segue firme na produção de seu livro de memórias. Ele também escreveu – em parceria com colaboradores – uma sinopse de novela, já enviada para uma emissora. E, como diz Lilia Cabral, as obras de Aguinaldo são sempre um presente: “Ele é uma das pessoas mais incríveis e sensíveis. E como é gostoso trocar ideias e ler o texto dele! Eu acho que esses 80 anos são muito bem vividos e quem ganha o presente somos nós. Ele é muito importante para nós, atores, e para o público”, declara.

Sobre o retorno do público, o autor confessa se sentir gratificado. “Quando vejo a novela no ar, sei que funcionou, que as pessoas gostaram. Mas não tenho a ilusão de que influencio de alguma maneira o universo, de que estou ajudando a mudar o mundo. Não, não é nada disso. Faço o meu trabalho, sou um profissional e dou tudo de mim. Sempre!”, conclui.

Um homem de cabelos grisalhos posa em uma sala ampla. Ele está usando camiseta preta e calça da mesma cor, uma jaqueta azul e óculos de grau. Ele está sentado em uma poltrona com estampa floral.
Aguinaldo Silva (imagem: Andé Seiti/ Itaú Cultural)
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