O Observatório Itaú Cultural conversou com os palhaços e gestores culturais paranaenses Alexandre Simioni e Gerson Bernardes
Publicado em 12/06/2020
Atualizado às 11:26 de 03/12/2021
O Observatório Itaú Cultural entrevistou os palhaços e gestores culturais paranaenses Alexandre Simioni e Gerson Bernardes, fundadores do grupo Triolé e do espaço cultural Vila Triolé, em Londrina.
Na conversa, eles falam sobre a trajetória do grupo, que completa uma década de dedicação à arte da palhaçaria, comentam as atividades realizadas na Vila e abordam seus principais desafios nestes tempos de isolamento social.
Como surgiu o Triolé e quais são as principais ações do grupo atualmente?
Alexandre Simioni: Em abril de 2010, eu e o Gerson criamos o espetáculo Qual a Graça de Laurinda?, inspirado em desenhos animados, principalmente os que tinham disputas entre dois personagens e não usavam falas, como Tom & Jerry e Papa-Léguas. Não nos considerávamos um grupo, mas uma dupla que estava apresentando um espetáculo. Circulamos por dez cidades no Paraná e então começamos a entender que tínhamos – e temos – muitos objetivos em comum enquanto palhaços, e nos tornamos o Triolé. Em 2013, inauguramos a Vila Triolé. O espaço nasceu da vontade de realizar encontros e, na época, era o único equipamento cultural da região oeste da cidade.
Atualmente, o Triolé conta com três espetáculos em seu repertório. Criamos projetos para promover a circulação dos nossos trabalhos e fazemos a gestão do nosso espaço cultural. Em 2019 fomos contemplados pelo Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura (Profice) e, desde outubro, estamos circulando como um pequeno “circo de palhaços” por todas as 46 cidades que formam o Norte Pioneiro do estado do Paraná. Esse projeto se chama Triolé Fora da Estrada no Norte Pioneiro.
Durante uma estadia de três dias em cada cidade, apresentamos os nossos espetáculos, exibimos um filme do Mazzaropi – antecedido por um bate-papo sobre a obra do comediante – e ministramos uma oficina de circo para crianças matriculadas em escolas do município. Todas as ações programadas são gratuitas. As viagens ocorreriam até agosto de 2020, mas foram suspensas em razão da pandemia de Covid-19.
Quais são as ações que acontecem especificamente na Vila Triolé?
Gerson Bernardes: O espaço teve sua instalação e execução possibilitadas pelo Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic), que conta com uma linha específica para vilas culturais. Por meio desse programa, o espaço recebe uma verba, com um teto predefinido em edital, para manter o mínimo do seu funcionamento. Essencialmente, custos fixos e estruturais.
Grupos e artistas de Londrina utilizam o espaço para fazer suas pesquisas e seus ensaios, tudo gratuitamente. Durante a semana, oferece cursos fixos – de dança do ventre e capoeira a teatro e palhaçaria para crianças. Aos finais de semana também conta com uma programação de espetáculos. Uma vez que a Vila Triolé está em uma região descentralizada e seu intuito primordial é receber a população dos bairros do entorno, não cobramos um preço fixo pelos ingressos; em vez disso, adotamos a política da “contribuição no chapéu”, o que possibilita um acesso mais democrático.
Como o espaço é gerido e quais as formas de financiamento das atividades?
A. S.: Para manter uma programação sistemática, precisamos buscar outras fontes de financiamento além do Promic, assim como parcerias com artistas e grupos.
Hoje, o público que frequenta a Vila já sabe como ela funciona – a política de “contribuição no chapéu”, por exemplo –, mas isso é resultado de um trabalho de insistência, de conversas com os grupos e artistas que entram para a programação, de uma busca para entender o perfil dos nossos vizinhos. Temos hoje um valor médio por pessoa, e conseguimos prever um valor aproximado de receita em bilheteria.
A gestão do espaço é realizada por quatro pessoas. Eu e o Gerson somos os gestores responsáveis, a Amanda Freire é responsável pela programação e a Mariana Valle pelas questões da área administrativa. Mas todas as decisões são tomadas em conjunto. Realizamos reuniões sistemáticas para definir programações, para fazer o planejamento a curto e médio prazos, para localizar outras fontes de financiamento e por aí vai. E a manutenção, a limpeza e a organização do espaço são feitas por nós.
Vocês oferecem diferentes programas de formação para profissionais da área cultural. Esses programas dão conta da demanda existente em Londrina, onde se realizam diversos festivais?
G. B.: Londrina é uma cidade relativamente nova, do interior do Paraná – portanto, fora dos eixos financeiro e artístico do país. A cidade viveu um apogeu econômico, seguido de uma efervescência cultural e artística que soube “surfar” essa onda. Inclusive institucionalmente, com a criação de programas de fomento e cursos de artes nos níveis superior e técnico, por exemplo. Desse fervor surgiram festivais, grupos e outras iniciativas – várias delas têm mais de uma década de existência, como o FILO – Festival Internacional de Londrina.
Entretanto, a formação de profissionais acabou sendo insuficiente em número de pessoas; muitas vezes, ela foi realizada por profissionais que também estavam “na cena”. Porém, atualmente, há um movimento interessante visando à formação, na área cultural, de profissionais que não estão diretamente envolvidos com as apresentações. Muitas iniciativas – e a Vila Triolé é uma delas – buscam formar produtores culturais, iluminadores, sonoplastas, bem como discutir a produção cultural local. Acredito que a atividade artística local ainda é capaz de absorver mais profissionais, fazendo com que essas iniciativas tenham potencial para crescer e se replicar. Essa movimentação em torno da formação de profissionais acontece em um momento em que Londrina ainda caminha para a consolidação de seus indicadores. Quando isso for feito, serão demonstrados o real tamanho e a importância da produção cultural na cidade.
Vocês abordam as problemáticas contemporâneas nas suas apresentações?
A. S.: O palhaço pode trazer uma visão crítica para as pessoas, principalmente neste momento que estamos vivendo, quando a arte é atacada e forçada a ficar numa caixa de “bons costumes”. De alguma forma, sempre buscamos trazer fatos contemporâneos em nossos espetáculos. Acredito que o trabalho do Triolé que melhor se relaciona com as problemáticas atuais é o Subs-solos. É um solo do Gerson, o Palhaço Lambreta. Mesmo com um roteiro pré-definido, o espetáculo só acontece a partir dos estímulos da plateia e do espaço em que é apresentado. Foi concebido para espaços abertos, públicos, como praças, ruas ou calçadões. Assim, os assuntos que estão em evidência naturalmente aparecem.
Desde o início nos identificamos com as cidades de menor porte ou com comunidades mais afastadas, como distritos rurais de grandes cidades. É um público que não está acostumado a receber espetáculos. Com circulações incentivadas por meio de editais públicos é possível inserir esses locais nos roteiros e ter ótimos resultados.
Vocês, como grupo, dialogam ou promovem encontros para discutir e articular ações com profissionais de outras áreas dos setores artístico e não artístico?
G. B.: É essencial que estejamos em diálogo com os profissionais da classe artística e de outros setores. Estamos em comunhão com as palhaças e os palhaços de Londrina, por exemplo, realizando ações coletivas, inclusive no atual momento, com o Festival Quéta o Facho no Sofá, que disponibiliza espetáculos de palhaçaria para pessoas que estão cumprindo o isolamento social. Além disso, acompanhamos e atuamos junto ao Conselho Municipal de Política Cultural, importante instância ligada ao poder público na definição de políticas para o setor.
Sou formado em direito; Alexandre cursou educação artística, mas tem ampla experiência no meio corporativo, tendo trabalhado por quase 20 anos no Sesc. Amanda e Mariana são formadas em relações públicas e atuaram em diversos setores e com outras organizações e iniciativas coletivas da cidade. Tudo isso, junto e misturado, faz com que estejamos em contato com diversas áreas. Entendemos que, por trabalharmos com cultura, não temos como não estar conectados com outros setores além do artístico.
Como ficam as apresentações do Triolé neste contexto de pandemia e isolamento social, no qual muitas práticas artísticas estão sendo repensadas?
A. S. e G. B.: Apesar de, no início, termos acompanhado a adoção do isolamento em outros países, a situação pegou grande parte da classe artística desprevenida no que diz respeito à migração de seus trabalhos para o ambiente virtual. Com o Triolé não foi diferente. A parada veio de uma forma brutal. Para tomar uma iniciativa e não deixar nosso trabalho parado, nós nos reunimos com outros palhaços e palhaças de Londrina e criamos o já citado Festival Quéta o Facho no Sofá.
Ainda assim, com a perspectiva de que nossa atividade será uma das últimas a voltar, estamos refletindo sobre como manter nossos trabalhos ativos e como migrar com qualidade para as redes sociais, se esse for o caminho, atingindo um público que está além daquele que já consome arte – até porque esse também é o nosso propósito no ambiente “real”.
Devemos entender, enquanto artistas, que este mundo já é diferente do que tínhamos. Alguns problemas estão sendo escancarados enquanto outros surgem; além disso, coisas boas e essenciais voltam a ser valorizadas. Sem romantismo, é um momento para sermos criativos. Ainda não temos uma resposta, mas ela será construída à medida que nos mantivermos em diálogo com os nossos pares e com o público. Será uma resposta coletiva, criativa, colorida, diversa.