Vocalista e fundadora da banda O Jardim das Horas, Laya diz ter “pequenas saudades” de coisas simples, como a criação em grupo
Publicado em 22/07/2021
Atualizado às 18:38 de 26/08/2022
Qual é a história de sua maior saudade?
Voei, voei pelo passado na intenção de responder a essa pergunta, mas pressinto que minha maior saudade ainda está por se desenhar. Agora parece que tenho só pequenas saudades. De coisas simples, criar em grupo, vozes em harmonia, corpos e instrumentos se afinando, aprendendo a se escutar e dançar juntos. As brincadeiras de roda, as peças de teatro e a fascinação toda da infância, as descobertas e aprendizados, mas daí tudo continua acontecendo... Me parece que tenho saudade de uma liberdade que não sei se já conheci. Talvez em outra “encadernação” de ser. Eita! Saudade de quando voava por céu e mar. Saudade do que aprendi e esqueci. Saudade do saber e da visão do alto profundo.
O que a emociona em seu dia a dia?
Me emociona ouvir uma coruja que me visita às vezes aqui na cidade. Essa coruja foi o primeiro ser a me cumprimentar no meu aniversário em 2020, quando eu estava sozinha em casa nesse dia. Logo após a meia-noite, ela chega e canta na minha janela! Me chamando para a nova dimensão da vida. Certo que tem uma casa aqui do lado com um grande quintal cheio de árvores que dá para minha janela. Me emociona ver o jasmineiro florindo, ver os galhos dançando com o vento e quando chove certo de gozo. Ver a lua cheia no mar quando consigo senti-la em mim ou a lua nova que me leva para dentro da terra e eu me emociono de encontrar lugares desconhecidos. Me emociono sempre com as imagens do amor, quando ele se mostra de formas inesperadas. Me emociono com as dores de uma criança na rua, de uma mulher, com as minhas feridas antigas e de toda essa história nossa humana, de tantas guerras. A guerra da vida. Me emociona ver verdade, entrega, gargalhada e grito de socorro. Me emociona ser sincera e receber singelezas, me emocionei ao reconhecer esses dias um dos presentes mais lindos que já ganhei, um instrumento sonoro, amuleto feito de sementes por indígenas brasileiros que um amigo me deu. A vida é uma beleza emocionante.
Como você se imagina no amanhã?
Imaginação fértil de alegria pela sabedoria que o tempo traz. Imagino meu olho mais vivo, o coração imensidão, a saúde ganha pelas escolhas, desejo coisas boas, para mim e para todos nós, todos os seres. Imagino desejando, pois vou na fé do meu intento. Consciência e capacidade de realizar a bondade, o respeito, a verdade. Imagino amigos por perto e por dentro, amores.
“Deixemos de coisa e cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida e nos arrasta moço sem ter visto a vida” (Belchior)
Quem é Laya?
Lembrei-me logo daquela resposta do Caetano [Veloso] a essa pergunta num programa de TV, que ele pega no cabelo e sorri dizendo: “Sou eu”. Corpo, mente, coração, olhos, boca, ouvidos, pele, útero. Mulher brasileira, estudante dos mistérios de cada instante, ato, palavra, canto ressoando por todo espaço que ando, voo, sonho, existo logo danço. Terra, mar, ar, fogo do sol no centro do peito, som, saúde e alegria no intento.
“No ar que eu respiro, eu sinto prazer” (Rita Lee)
Um certo alguém
Em Um certo alguém, coluna mantida pela redação do Itaú Cultural (IC), artistas e agentes de diferentes áreas de expressão são convidados a compartilhar pensamentos e desejos sobre tempos passados, presentes e futuros.
Os textos dos entrevistados são autorais e não refletem as opiniões institucionais.