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Leopoldo Pacheco: “O fato do teatro ser vivo me faz sentir a força que ele tem"

Em cartaz no IC com “Sueño”, o ator relembrou como o acaso o levou aos palcos e deu detalhes sobre a peça inspirada na obra de Shakespeare

Publicado em 14/09/2023

Atualizado às 19:02 de 14/09/2023

Foi de forma despretensiosa que o ator Leopoldo Pacheco, de 62 anos, iniciou sua carreira no teatro, em meados dos anos 1980. Na época cursando artes plásticas na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), ele se ofereceu para fazer a pesquisa cenográfica de um espetáculo do grupo de teatro da faculdade que estava para estrear. Com a saída de um dos atores, logo veio o convite da direção para que Pacheco o substituísse, e aquele “sim” para subir ao palco mudou sua vida dali em diante. 

“O teatro foi uma grande descoberta para mim, eu me senti confortável no palco, me senti vivo, foi muito forte aquela experiência. Não nasci com essa vontade, descobri isso durante as artes plásticas”, relembra o artista, que também é diretor, cenógrafo, maquiador e figurinista.

Na imagem está um homem de barba e cabelos grisalhos. Ele usa uma camiseta listrada e está se olhando no espelho, enquanto passa lápis no olho. Na bancada há spray e paletas de maquiagem.
Leopoldo Pacheco se maquiando no camarim antes de entrar em cena. (imagem: Agência Ophelia)

A partir de então, Pacheco se dividiu entre o curso de artes plásticas de manhã, o trabalho à tarde e o curso na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (EAD/USP) à noite. “Aguentei essa rotina por dois anos, mas chegou uma hora em que fisicamente eu não tinha mais condições, não conseguia mais nada, daí pensei: ‘Vou trancar as artes plásticas e depois volto a fazer’ – não voltei”, declara. 

A escolha, pelo jeito, não poderia ser melhor. Tanto que, em seu primeiro trabalho profissional nos palcos, em 1985, com a peça Máscaras, Pacheco ganhou o Prêmio Governador do Estado como Melhor Ator e o de Ator Revelação pela Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA).

Atualmente no ar na novela global Fuzuê, o ator também está em cartaz com a peça Sueño, no Itaú Cultural (IC), que conta com a direção-geral de Newton Moreno e um elenco de peso: além de Leopoldo, estão no espetáculo Sandra Corveloni, Paulo de Pontes, José Roberto Jardim, Michelle Boesche, Simone Evaristo e Gregory Slivar. “As pessoas precisam ver o que essa reunião de talentos faz em cena”, afirma. 

Veja também:
>> “Sueño”: peça aborda o fazer artístico e o período ditatorial chileno
>>  Leopoldo Pacheco na Enciclopédia Itaú Cultural

Confira a entrevista na íntegra.

 Para começar, como surgiu sua paixão pelo teatro?
Curiosamente, começou de forma muito rápida. Eu fazia artes plásticas na Faap – tinha um grupo de teatro na faculdade que estava para estrear um espetáculo, e eu me ofereci para fazer pesquisa cenográfica para eles. O espetáculo estreou em outubro de 1980 ou 1981, não me lembro ao certo, e um dos atores saiu. O diretor me falou: “Você já conhece o espetáculo, pois está fazendo a cenografia, você não quer entrar?”. E eu disse: “Pode ser”. Entrei na peça em outubro e, em dezembro, prestei exame na EAD. Entrei e minha vida mudou depois disso. 

Naquela ocasião, o diretor olhou para mim e falou: “Você é ator, você tem que estudar”, e eu falei: “Estou gostando disso, onde posso estudar?”. Foi aí que ele me falou da EAD, aquela escola da USP. Pensei que não conseguiria entrar, mas prestei o exame e deu tudo certo.

Depois de entrar na USP, você continuou no curso de artes plásticas?
Não. Fiz mais dois anos, porque é o seguinte: naquela época eu não tinha grana, então eu trabalhava para pagar a Faap – trabalhava o dia inteiro e fazia artes plásticas à noite. Quando entrei na EAD, passei o curso da Faap para de manhã, fiquei trabalhando à tarde e estudando na USP à noite. Aguentei por dois anos, mas chegou uma hora em que fisicamente não tinha mais condições, não conseguia mais nada. Pensei: “Vou trancar as artes plásticas e depois volto a fazer” – não voltei.

O que é o teatro para você? O que ele representa na sua vida?
Tem uma questão profissional muito forte, porque tem essa descoberta de me sentir num lugar muito confortável, que é o palco, e tem uma fugacidade, o fato do teatro ser vivo me faz sentir a força que ele tem. Então, pode ter toda a tecnologia do mundo, pode ter inteligência artificial, mas o teatro e o palco não vão mudar, eles sempre vão depender do humano, e o humano é o que existe de mais transformador. 

Estar no palco, para mim, é muito – vou falar uma coisa piegas – religioso, no sentido de me sentir num momento de meditação. No período em que estou em cena, eu me excluo completamente do meu cotidiano. Ali, esqueço de mim e estou em outro lugar, e isso me faz muito bem. Acho que o teatro deixa a gente mais jovem, é terapêutico, porque todo dia estou falando sobre outros problemas, muitos deles que também são meus. Existe uma coisa muito profunda no fazer teatral, é transformador.

Na imagem está um homem branco, de barba e cabelos grisalhos. Ele usa ternos escuro e camiseta listrada por baixo. Está com uma das mãos no bolso e sorri.
Leopoldo Pacheco em "Sueño" (imagem: Agência Ophelia)

Sua estreia oficial nos palcos como ator foi em 1985, com a peça Máscaras, pela qual você ganhou alguns prêmios por sua interpretação. Como foi começar já tendo todo esse reconhecimento?
Foi uma surpresa grande e um prazer imenso, porque passei pela EAD e todo mundo lá dentro dizia que eu era diretor, e não ator – e eu pensava: “Tenho certeza de que sou ator”. Batalhei durante a EAD inteira e, quando peguei o meu primeiro trabalho profissional, falei que provaria para todo mundo que sou ator. Então, foi uma resposta para mim também, era tudo o que eu realmente queria. Foi muito bom ter a visibilidade que o prêmio dá.

Em 1999, você já estava em sua primeira novela, Andando nas nuvens. De lá para cá, fez diversos personagens de destaque. Como foi essa primeira experiência na TV?
Foi a primeira vez que participei de alguma coisa na televisão e foi sofrida, porque naquela época a comunicação era por fax, e eu recebi o fax, havia quatro páginas. Quando fui gravar, descobri que eram, na realidade, seis, duas não tinham vindo, e eu tive que na hora me virar nos 30, improvisar. Por sorte, havia uma colega ali que estava gravando a cena comigo – era a Vivianne Pasmanter. Ela era a paciente e eu era o médico, e ela falou: “Põe o texto aqui no meu colo; então, ela ficava ali, a câmera lá, e eu olhava o texto e falava. Isso me ajudou muito naquele momento. 

 Como foi para você, já acostumado com o teatro, fazer TV? 
Demorei para trabalhar na TV, mas, quando fui, fui maduro, já era um ator realizado, já tinha família construída, então fui para a televisão num momento muito confortável para mim. Tudo que fiz na televisão desde que entrei, aos 43 anos – e ela é muito nova ainda para mim –, foi muito gostoso, confortável.

 Por falar em TV, qual dos seus personagens foi mais marcante para você?
O Leôncio [Escrava Isaura, exibida pela Record TV em 2004] é inegável, foi uma grande experiência. Tenho um carinho imenso pelo Cemil [Belíssima, exibida pela TV Globo em 2005], que foi o próximo personagem depois do Leôncio. E era o outro extremo, um homem ingênuo, simples, verdadeiro, amoroso. Era lindo o Cemil, eu gostava muito dele. Há alguns personagens icônicos, como o Fred sem Alma, o pirata de Novo mundo [TV Globo, 2017]. Esse personagem foi uma diversão, foi um prazer essa coisa fantasiosa da novela – os piratas que vinham correr atrás de um tesouro, eles eram ingleses, havia aquele navio gigante, 40 piratas junto comigo –, foi uma grande experiência. Enfim, gosto muito de todos os meus personagens.

 Entre os personagens que interpretou no teatro, quais destaca?
Quando a gente fala do prazer de fazer teatro, sempre digo que nunca mais vou ser a mesma pessoa depois de fazer esses personagens todos. Alguns são muito transformadores, como o Euclides da Cunha. A gente fez um espetáculo que era o encontro póstumo entre Euclides da Cunha, Dilermando e Anna de Assis. Então, depois de viver esse cara e estudar a obra dele, você não é mais a mesma pessoa, você se transforma. 

 Tem o encontro de Rimbaud e Verlaine, um texto do Alcides Nogueira – foi por causa desse trabalho que fui parar na televisão –, que era o encontro dos dois poetas que transformou completamente a poética no Ocidente. Assim como o encontro de Camille Claudel e Rodin, que também transmudou a escultura no Ocidente. Estudei o Rodin, vivi esse cara no teatro, então não sou mais a mesma pessoa depois disso, entende? 

 A gente vira uma grande biblioteca emocional de conflitos, encontros e desencontros que são muito bonitos. Então, quando se entra em cena, temos isso tudo dentro da gente, é isso que faz um ator, que quanto mais velho é melhor e mais interessante de você ver, pelo que ele carrega dentro dele.

 Sabemos que você já interpretou diferentes personagens ao longo da carreira, mas existe algum que ainda sonha em fazer?
Uma vez a gente fez uma leitura do Titus Andronicus, do Shakespeare, que é um personagem que me deixou muito inquieto internamente, que me perturbou muito, porque a minha leitura do Titus é de um cara que vem da época da ética absoluta, da base grega, para a total perda de tudo o que o ser humano pode ter dentro dele. O arco do personagem é muito forte, ele perde o senso de justiça, perde a família; é uma grande chacina o Titus Andronicus, mas teve uma leitura que é a partir da total ética para a falta total de ética – é esse arco que o personagem atravessa durante essa história.

Atualmente você está em cartaz com a peça Sueño, baseada na obra Sonho de uma noite de verão, de Shakespeare. Poderia falar sobre essa experiência?
A leitura do Newton Moreno [diretor-geral da peça] em Sonhos de uma noite de verão é uma loucura, incrível, não sei onde ele foi fazer essa viagem maravilhosa! Eu o conheci quando ele fazia, como ator, o espetáculo Sacromaquia, com a Maria Thaís, e eu fazia a caracterização. Daí, passa o tempo e encontro os queridos amigos fazendo Deus sabia de tudo e não fez nada, no camarim do Tusp [Teatro da Universidade de São Paulo], à meia-noite. Sentei para assistir àquele espetáculo e fiquei completamente louco – falei que, se por acaso alguém saísse, eu queria entrar e, curiosamente, o Aury Porto estava saindo e eu entrei no lugar dele. Esse foi um trabalho que fiz junto com o Newton e, a partir daí, nunca mais desgrudei dele. Fizemos muitos trabalhos juntos. 

Acho ele um autor com uma alma brasileira e profunda. Os pernambucanos, de maneira geral, são especiais e muito transgressores no melhor sentido. Tanto o Newton quanto o Paulinho Pontes, responsável por essa instalação que a gente tem em cena, são assim. E a gente tem essa escola aqui dentro do trabalho, que é a escola pernambucana de artistas fortes e incríveis. É um berço de talento.

Sueño expõe os desejos interrompidos de um grupo de teatro e de uma família por uma ditadura sul-americana. Na peça, você interpreta um militar. Como é fazer parte de um projeto tão interessante?
A gente está com um prato cheio na mão. Estamos vivendo um período no qual – como o próprio Shakespeare diz – somos o espelho e a síntese da humanidade. Então, você sentar na plateia e ver aquilo que está acontecendo em cena, com personagens como o que eu faço, por exemplo, e assistir ao que a gente está passando neste momento, a identificação é imediata. Neste lugar, estou representando um militar – e a gente vem passando por coisas duras e difíceis.

 Por fim, por que o público deveria assistir a essa peça?
Primeiro, acho que estamos vivendo uma retomada importante de um período em que estivemos suspensos e fomos muito destratados. Acho que estamos muito machucados ainda, e o fazer teatral é o que vai nos curar. Então, acho que as pessoas têm que voltar ao teatro, têm que se abrir de novo para o que, nós artistas, nos propomos a fazer em cena. Temos um elenco nesse espetáculo que é uma coisa “ultra”. Temos aqui Sandra Corveloni, maravilhosa, José Roberto Jardim, Michelle Boesche, Simone Evaristo, Paulinho de Pontes, que é esse brincante pernambucano. Esse elenco é um elenco que precisa ser visto, as pessoas precisam ver o que essa reunião de talentos faz em cena. O espetáculo é essa junção de Newton Moreno com isso tudo. É incrível!

>> Saiba mais sobre Leopoldo Pacheco na Enciclopédia Itaú Cultural

 

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