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Marcelo Ariel, um certo alguém

O poeta nega a saudade e elogia a “presença suave”; fala de se dissolver na beleza, do valor de viver às cegas e da vontade de criar linhas de fuga

Publicado em 17/12/2020

Atualizado às 15:10 de 13/01/2023

Qual é a história de sua maior saudade?

Não cultivo a saudade, ela não tem nenhuma importância na formação do meu espírito, não associo a saudade com a espiritualidade. No lugar dela, vivo a presença suave. Por isso, não tenho saudade dos meus mortos – minha relação com eles é de imanência. Talvez essa seja a lição maior da leitura dos livros de Marcel Proust e Pedro Nava: não é a saudade que se movimenta dentro dessas fenomenologias – é justamente o oposto da saudade, a mistura de tempos que cria uma poderosa dimensão impessoal e imanente da memória que reforça o presente. Quando escrevo sobre Cubatão [cidade no litoral de São Paulo], por exemplo, não se trata, nem de uma projeção nem de uma evocação e menos ainda de uma metáfora. Trata-se da criação de um conceito de “espaço aberto” para uma crítica da destruição da vida no tempo presente. A memória em sua função visionária se relaciona mais com o futuro e com os sonhos, com processos de alteridade. Como despoluir os sonhos e os pensamentos para libertar a memória do espelho de Narciso?

O que o emociona em seu dia a dia?

Toda beleza que vem de fora de mim e me afeta até o ponto no qual o desejo de “sair da frente dela”, de me dissolver nela, se confunde com a sede.

Como você se imagina no amanhã?

Tento não me imaginar e não imaginar o outro. Nesse difícil exercício de simplesmente ser, é melhor não criar autoexpectativas. Acho um verdadeiro triunfo o “seguir vivendo meio às cegas” em uma imensa zona de indeterminação que não irá necessariamente nos conduzir a uma redução ou estagnação do viver se mergulharmos desesperada e alegremente no resplandecente vazio. Mesmo com a possibilidade nítida de estarmos vivendo em um tempo tenebroso, o vazio precede o nascimento do mundo. O vazio será o maior legado de todo esse terror.

Quem é Marcelo Ariel?

Certamente, a resposta a essa pergunta é um fictício axioma que não elucidará nenhum de meus gestos. Posso enumerar os livros que fiz durante o período do isolamento – a escrita desses livros talvez componha nossos melhores gestos quando neles tudo se direciona para fora, para que o eu se outre. Há o chamado 22 Clareiras e 1 Abismo, ensaio para a Coleção Vírus, da Editora Córrego, em coedição com a editora artesanal Contravento; há outro que sairá pela Kotter Editorial, intitulado Subir pelo Inferno, Descer pelo Céu – Crônica do Ano de 2020; e há um terceiro livro que escrevi com meu amigo, o poeta Guilherme Gontijo Flores, uma renga chamada Arcano 13, no prelo, pela editora Quelônio.

O que realmente me move não é o pacto com o estabelecido, é um nítido elogio da ruptura. Não desejo ser incluído num mundo que simula a aceitação da alteridade, que inclui apenas para excluir melhor depois. Sei que, de alguma forma, todos nós fomos capturados, mas muitos fazem e continuarão a fazer, com seu tempo restante de vida, elaboradas linhas de fuga.

Marcelo Ariel (imagem: Acervo Pessoal)

Um Certo Alguém 

Em Um Certo Alguém, coluna mantida pela redação do Itaú Cultural (IC), artistas e agentes de diferentes áreas de expressão são convidados a compartilhar pensamentos e desejos sobre tempos passados, presentes e futuros.


Os textos dos entrevistados são autorais e não refletem as opiniões institucionais.         

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