Acessibilidade
Agenda

Fonte

A+A-
Alto ContrasteInverter CoresRedefinir
Agenda

Mariana Rodrigues traz as águas e o abstrato em pintura na fachada do IC

A obra, inspirada em canção de Milton Nascimento, faz parte do projeto “Arte urbana”, do Itaú Cultural

Publicado em 10/04/2024

Atualizado às 18:10 de 10/04/2024

por Juliana Ribeiro

A música “Txai”, do álbum de mesmo nome lançado em 1990 por Milton Nascimento, foi a inspiração para a nova criação da artista visual e designer Mariana Rodrigues, intitulada Tudo se chama rio, que ocupa, a partir de abril, o banco da fachada do Itaú Cultural (IC), na Avenida Paulista, 149.

Na pintura, Mariana utiliza o abstrato e as formas orgânicas para homenagear as águas. Ela conta que rascunhou esse projeto pensando em algo mais intuitivo, selecionando muito bem as cores e todas as formas para que elas sigam orgânicas junto com o movimento da fachada. Outro ponto valioso para a artista, natural de Osasco (SP), é o título de suas obras. “Tudo se chama rio eu já tinha guardado para que pudesse utilizar numa pintura importante”, afirma.

Ainda sobre o nome escolhido para a pintura, Mariana explica que foi retirado de um trecho da música (já citada) do cantor mineiro e que o álbum Txai – nome que é uma expressão indígena utilizada principalmente pelo povo Assaninka para designar uma pessoa amiga – fala muito sobre águas, o que foi sincrônico com a exposição em homenagem à fotógrafa e ativista Claudia Andujar, cuja abertura acontece na mesma semana da fachada. “Sinto que está tudo interligado”, diz a artista.

Confira a entrevista na íntegra.

Para começar, como surgiu seu interesse pela arte?

Tive um estímulo à arte desde pequena, sempre desenhei. Meus pais me estimularam e isso foi crucial para a minha carreira, porque é bem complexo ser artista e, principalmente, a família estimular para que isso se torne algo profissional. Eu me formei em design digital e, no final da minha graduação, comecei a pintar mais, sair do que é muito digital, porque o software exige uma presença tecnológica, daí comecei a experimentar, saindo dos computadores para ser algo mais físico e expandir isso que eu já fazia em telas de grande escala. Começou de forma progressiva até eu entender que isso era uma profissão, que existia um mercado, e é onde estou hoje.

Alguém a influenciou a trabalhar nesse ramo?

Trabalhei com algumas pessoas que faziam oficinas e, por estar em contato com quem já tinha uma vivência no mercado, comecei a ser influenciada dessa forma. Mas o principal – uma grande influência – foram as redes sociais. Hoje em dia as pessoas falam que as redes não são importantes porque a gente já naturalizou isso, mas para mim foi crucial. Eu usava a plataforma somente como se fosse um álbum de fotos e para compartilhar coisas que eu já fazia, só que sem ter noção de que existiam pessoas que trabalhavam com isso. Depois da pandemia, tomou uma proporção muito grande de alcance – instituições que não davam tanta importância às redes sociais e hoje têm dado – e isso influenciou bastante esse conhecimento e um pouco da massificação do meu trabalho.

Ainda sobre a pergunta anterior, você tem algum artista como referência, como inspiração?

Sim, tenho vários. Gosto, principalmente, de trocar com artistas que estão próximos a mim. Sempre tomo como partida me inspirar em artistas vivos, então estudo também outras áreas, como filosofia, bebo de outras fontes, principalmente da música. Acredito que tudo está interligado para que eu consiga transpassar isso para as telas. Mas também me inspiro em artistas mais de vanguarda, como a Hilma af Klint e o [Wassily] Kandinsky, muito importantes para mim dentro do abstrato, que hoje ainda é um nicho bem pequeno. O abstrato bebe de muitas outras fontes para que o artista continue produzindo.

Como é o seu processo de criação?

Gosto de falar que a tela em branco é como se fosse a minha mente. Passo muito tempo pintando dentro da minha cabeça até ir para a tela em si. Fico estudando, formulando e não racionalizo muito o início, então não parto de rascunhos, mas de um sentimento que está me dizendo que aquilo tem de ser posto na tela – por exemplo, numa cor azul. Daí começo por essa cor e vou deixando que as formas apareçam de maneira bem intuitiva. Há telas que demoram muito tempo para ser feitas. Gosto de dizer que quem constrói a tela e o tempo é a própria tela, a própria pintura vai fazendo isso, e eu sou só um instrumento. Há telas que eu demoro meses para criar, sei que quando ela finalizar vai encerrar também um ciclo.

Gosto também de pensar nos títulos como algo muito importante. Existem muitos artistas que não dão tanta importância a isso, mas acho relevante, porque acredito que os títulos são marcadores para o que eu estou falando, algo que determina mesmo para que a pessoa que esteja vendo – o espectador – consiga minimamente entender em que norte eu estava e também pelo que ela sente nas obras.

Poderia falar sobre a obra escolhida para ocupar a fachada do IC? Como ela foi pensada?

Sou muito fã do Milton, ele é um dos meus cantores favoritos. Ouço a discografia dele sem parar, mas faço intimamente, porque sinto que ele transpassa uma melancolia em que a gente não consegue nem definir quais são esses sentimentos que a canção dele traz. Acho que é completamente abstrata. Meu companheiro é músico e, às vezes, ele não entende muito o que estou fazendo na pintura, daí falo para ele que é igual à música, que a gente consegue sentir mais porque trabalha com a audição, o que leva para um estado muito profundo. Já na pintura, a gente precisa de um lugar mais sensível para que as pessoas consigam alcançar somente com a visão, leva para outros lugares sinestésicos.

A pintura no Itaú Cultural vai ser a minha segunda experiência com mural. Também segui da mesma maneira como pinto, rascunhei esse projeto pensando em algo mais intuitivo, selecionando muito bem as cores e todas as formas para que elas sigam orgânicas junto com o movimento da fachada. E o título – como falei que os títulos sempre são importantes para mim – é Tudo se chama rio, que eu tinha guardado para que pudesse utilizar numa obra importante. É de um trecho de uma música do Milton chamada “Txai”, do álbum de mesmo nome, que ele fez com várias etnias indígenas, com a união dos povos indígenas, lançado em 1990. Imagino que para a época isso tenha sido um divisor de águas, e esse álbum fala muito sobre águas, o que foi bem sincrônico também, já que depois eu soube que haveria a exposição da Claudia Andujar junto com a abertura da minha fachada. Sinto que está tudo interligado.

Além de falar sobre água, esse álbum do Milton fala muito sobre conexões com as pessoas e, principalmente, sobre a amizade, porque txai vem desse lugar de irmão e companheirismo, então acredito que essa pintura vai ser muito importante para eu firmar laços e abrir outros caminhos nessas águas.

Quais são os materiais e as técnicas que você mais gosta de usar nas suas pinturas?

Eu trabalho com muitas técnicas, mas técnica para mim é experimentação, então, como não vim da academia de artes mesmo, eu vim do design, tudo parte de uma grande experimentação. Os materiais que uso são tinta acrílica sobre tela, mas também outras plataformas, como papel, e tenho uma série de trabalhos com espelhos que bordo na tela – com linhas de crochê – e outros tipos de inserção de objetos como sementes, bijuterias e correntes. Essa parte da minha pesquisa está muito interseccionada entre pintura expandida e escultura, então já estou indo para outro lugar, e há muitos trabalhos em que só fico na pintura. A depender da materialidade que quero explorar, eu separo em série, mas gira em torno desses objetos – da natureza, bordados, espelhos, tinta acrílica, giz pastel oleoso, enfim, tudo que está nesse ramo mais plástico.

Vi que você gosta de pintar em tecido também, certo?

Gosto muito! É o mesmo tecido que vai para a tela, só que gosto de pintar com ele solto, porque se consegue manipular muito bem, e eu gosto de pintar grande. Às vezes, a gente não tem muito espaço para ficar com a tela esticada o tempo todo. A maior parte das minhas pinturas, as que tenho mais afeição para produzir, tem cerca de 1 metro e meio a 2, então lidar com tecido é muito mais interessante para conseguir se locomover dentro do espaço do ateliê.

Como você entende a importância da arte em ocupar espaços públicos?

Acho crucial. Tenho muitas questões com o mercado artístico, principalmente com o contexto de galeria, porque ele determina o público que acessa, o público que expõe e o que trabalha. Então, em espaços públicos, principalmente centros culturais como o IC, as pessoas que acessam são aquelas interessadas por arte, mas não necessariamente são pessoas de dentro do mercado. Principalmente num contexto da Avenida Paulista, um lugar totalmente turístico, em que vem gente de tudo que é lugar, para mim ter arte em espaço público é tornar acessível esse lugar da exposição em si, traz uma certa liberdade para quem está ali vendo a obra.

Por fim, o que a motiva a continuar fazendo sua arte?

Para mim é um exercício diário, pois é muito complexo trabalhar com arte, principalmente no mercado artístico, então preciso a todo momento afirmar para mim mesma, lembrar de mim como criança que queria trabalhar com arte e levar tudo com um certo tipo de entusiasmo, como se estivesse brincando, mas não como se fosse uma brincadeira solta, e sim como se eu estivesse estimulando o tempo todo essa criança que nunca desiste do próprio sonho. Gosto de pensar nesse lugar, principalmente em momentos de crises existenciais. Tenho muitos cadernos de quando era criança, de 3 ou 4 anos, com desenhos. Enfim, toda a minha jornada sempre foi também em cadernos, e gosto de olhar isso para relembrar e poder firmar – como adulta – esse marcador, esses espaços que vão centrando em cada caminho da própria jornada.

Compartilhe