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Em fotografia: o olhar como registro de transformações II

Ensaios premiados pelo edital Arte Como Respiro mostram como o olhar enclausurado registram transformações

Publicado em 16/12/2020

Atualizado às 19:07 de 16/08/2022

Em confinamentos, o trabalho colaborativo volta-se para a memória. A câmera cede espaço aos acervos fotográficos. A cama é eleita como centro dos afazeres domésticos. “O sono e o sexo estão presentes, mas os arquivos antigos aparecem também”, explica Cristiano Sant’anna, autor do ensaio Azul Profundo.

Mestre em artes, e com pesquisas desenvolvidas dentro dos campos da fotografia, arte contemporânea, arte colaborativa e ação social, Sant’anna conta que, ao lado de sua companheira, fez, durante o isolamento, uma imersão em registros de tempos em que “podíamos andar tranquilos pelo mundo”.

Nas imagens rememoradas, cenas noturnas do sul do Brasil se apresentaram. “O onírico das lembranças despertadas coloca-se entre as imagens do agora. Memória e presente se instituem dentro do espaço retangular da cama do apartamento”, diz.

Impossibilitado de atuar dentro de uma dinâmica de participação, o fotógrafo, que já publicou quatro livros de artista, abre-se para o passado, buscando a reelaboração do que já foi. “Azul Profundo é o resultado de dois. Não é o fotógrafo quem, de forma unilateral, define a pose e a tomada, mas é a série que se torna resultado de uma performance em colaboração.”

Libertações subjetivas em processos estritamente particulares. Catarse, série fotográfica de Massuelen Xavier, trata da conexão da artista com a sua obra que nasce, em constante modificação e renovação. “A série para mim traz toda a adaptabilidade que nós, artistas, tivemos de fazer neste contexto de 2020, a pressão da continuidade da produção e o peso do entretenimento de um cotidiano entorpecedor”, explica.

Artista visual e pesquisadora da corporeidade na arte, Xavier nasceu e cresceu na cidade de Sabará, em Minas Gerais. “Eu sou minha família e suas expectativas para o mundo, sua fé nos orixás e nas pessoas, emaranhado de sentimentos e crises existenciais.”

Encarando o processo da arte – e da própria vida – durante a pandemia, a “multiartista”, como se define, acredita que a descarga provocada pela catarse pode ser vivenciada também pelo observador em contato com a obra. “Ou seja, o encontro com a obra de arte torna possível a cada um se reconhecer e perceber sua própria particularidade, sua história no processo de desenvolvimento do ser humano”, afirma.

Em Eledá, a nova rotina de solidão, provocada pela pandemia, se manifesta ao lado de uma sensação de derrocada das “epistemologias ocidentais baseadas na razão enquanto forma de colonização”. Nas palavras do artista e pesquisador Felippe Moraes, as imagens de sua série são baseadas em gestos tradicionais de saudação aos orixás.

Integrante da quinta geração de umbandistas de sua família, Moraes desenvolve pesquisas voltadas para a epistemologia da razão e suas relações com a espiritualidade, mitologia e ancestralidade. “As fotografias são uma busca espiritual que se desdobra a partir da minha relação com os ancestrais e as forças da natureza que, no meu contexto, manifestam-se enquanto orixás”, diz.

Doutorando em arte contemporânea na Universidade de Coimbra, em Portugal, seus trabalhos são resultado de uma busca por sua herança familiar e pela possibilidade de encontro com o transcendente através do corpo e das experiências.

“Em um mundo cujas estruturas fundamentais de democracia e valores humanos são colocados à prova, desenvolver um diálogo verdadeiro e generoso com os ancestrais e seus saberes não-hegemônicos é um exercício de reencontro com os fundamentos para a construção de sociedades mais igualitárias e humanistas.”

Na visão de Moraes, a nova realidade de isolamento possibilita um olhar para dentro, para ideias que norteiam e circundam vivências pessoais. “Eledá é um renascimento para mim como artista ao compreender a complexidade e sofisticação do pensamento dos ancestrais que se manifestam nas culturas de terreiro afro-brasileiras”, conclui.

Com curadoria de André Seiti e Anna Carolina Bueno, a série analisa algumas fotografias selecionadas pelo edital Arte como Respiro. Os textos são uma pequena amostra do que será apresentado na publicação que reúne todos os escolhidos na categoria Artes Visuais e que será lançada em dezembro de 2020.

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