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Quarentena e dança breaking: da rua para casa

A dançarina Júlia Maia fala do espetáculo Pediu pra Parar, Parou? e da relação com o próprio espaço

Publicado em 29/10/2020

Atualizado às 19:14 de 16/08/2022

Uma das grandes mudanças da quarentena imposta pela pandemia de covid-19 é a relação com o espaço, de adaptação e reorganização dos nossos ambientes de descanso, de lazer ou de trabalho. Agora, imagine este cenário: três dançarinos de breaking trancados juntos em uma casa, lidando com questões de espaço, barulho no chão, tamanho dos móveis, parede, quadros, volume do som, iluminação, janela, altura do teto, tapete, gato e tudo o que estiver no meio.

Qual é a chance de dar certo? Para o trio de artistas e dançarinos Jùlia Maia, Mirley Allef e Viola Luba, muita. Esse cenário foi o ponto de partida para a criação do espetáculo Pediu pra Parar, Parou?, selecionado pelo edital de artes cênicas e exibido na segunda edição do Festival Arte como Respiro. O trabalho desenvolvido parte de uma criação coletiva com base na exploração artística do espaço, com o objetivo de incentivar a produção do fazer, repensando o ambiente doméstico.

A pandemia pegou Júlia e Allef no meio de uma viagem, que os fez permanecer em Berlim, na Alemanha, junto com Viola. “A quarentena começou e eu me vi dentro de uma casa com mais dois dançarinos de breaking tendo de repensar formas de continuar praticando. Nesse mesmo período de adaptação, muitos amigos em suas casas compartilhavam do sentimento de desânimo para se movimentar em casa”, comenta Júlia em entrevista ao Itaú Cultural.

A partir daí o espetáculo começou a tomar corpo: “O principal objetivo foi apresentar a nossa dança, que é uma dança de rua e de movimentos explosivos, dentro dos espaços possíveis de casa, como forma de incentivar a produção do fazer neste período tão difícil em que estamos todos tão fragilizados, acreditando que esse mover está também relacionado filosoficamente com a não permissão de se deixar paralisar e adoecer diante de tudo”.

Pediu pra Parar, Parou? está disponível no YouTube. O roteiro é composto de três solos – um de Júlia, um de Mirley e outro de Viola –, que mesclam dança, comicidade e fotografia com batalhas-show; oito dançarinos da cena nacional participam do trabalho.

“Somos três dançarinos de breaking, mas, para além disso, cada um está inserido em outros diferentes contextos artísticos, como dança contemporânea, palhaçaria e audiovisual. Pensando nisso, cada um ficou bem livre para criar seu solo da sua maneira e com sua verdade dentro da ideia e do espaço que tinha escolhido. No fim, as cenas apresentam muito da personalidade artística que nós carregamos”, comenta.

As batalhas de breaking são características marcante dessa cultura. No espetáculo, por sua vez, elas são apresentadas por meio de uma estética de video game, que remete aos antigos jogos famosos principalmente na década de 1990. Júlia diz que a referência surgiu da vontade de apresentar as batalhas dentro de um roteiro de espetáculo on-line, de forma que ficasse claro o surgimento dos participantes na tela – sem a necessidade de anunciar ou explicar esse momento. “A ideia de video game apresenta todo um padrão estético e popular que rapidamente nos faz entender que ali, naquele momento, é a dança de um versus a dança do outro.”

Os convidados, todos com um alto nível de breaking, foram escolhidos com muito cuidado e são de diversas localidades do país – há nomes do Distrito Federal, da Paraíba, de Minas Gerais, de São Paulo, do Ceará e do Pará.

“A cena breaking no Brasil é gigante, e tem muita coisa que eu mesma ainda não conheci, mas é uma cultura marginalizada pela sociedade, e por isso acontece muito de forma independente”, observa Maia.

Por essa razão, os espaços para a prática são escassos e os eventos são feitos pelos próprios B-boys e B-girls – como são chamados os dançarinos. “A realidade é que são poucos os dançarinos brasileiros que conseguem sobreviver unicamente dessa arte.”

A parceria de Júlia Maia e Mirley Allef completou três anos e em 2019 eles se juntaram a Viola Luba. Enquanto o distanciamento social ainda é uma recomendação, a solução é buscar espaços alternativos para continuar apresentando a arte. “Estamos muito orgulhosos do resultado desse trabalho e por isso resolvemos disponibilizar o espetáculo completo no YouTube, como o objetivo mesmo de dar acesso, inspirar as pessoas, poder apresentar um pouco da cena breaking do Brasil através de uma perspectiva diferente”, finaliza a dançarina.

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