“Se as utopias morreram, façamos, ainda, desenhos na folha, na terra ou no tablet, como quem projeta um canto de luta”, reflete o ilustrador
Publicado em 20/05/2021
Atualizado às 15:21 de 22/05/2021
Qual é a história de sua maior saudade?
A minha maior saudade é do futuro. Pegamos um desvio em direção ao retrocesso, contra qualquer previsão ou presságio. Para onde mesmo? E começamos a voltar de casa em casa num jogo de tabuleiro, enquanto o tabuleiro se desmancha. Justo nós que voávamos para um futuro em invenção. Falo de Maria Martins, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, de Bispo do Rosário, Noemisa. Se as utopias morreram, façamos, ainda, desenhos na folha, na terra ou no tablet, como quem projeta um canto de luta.
O que o emociona em seu dia a dia?
A novidade: reatar a história nos fios que nos levam a uma América do Sul de cinco mil anos, à cidade de Caral, à rocha mural em Serranópolis, à montanha-cidade de Tayrona, em paredes circulares. Ler o Panchatantra, de Vishnu Sarma, o livro de contos mais antigo, do qual escaparam as vozes da Terra. E o primeiro poema assinado, da primeira poeta, Enreduana, expulsa de Ur e Uruk pelo próprio irmão. Ler os peixes desenhados em cerâmicas nas margens de Banpo, as histórias da matriarca milenar da China, quando ainda não se chamava China. Ouvir o passo de um filósofo africano decifrando aforismos no casco de uma tartaruga. Os outros mestres, as outras origens de um mundo em que a tradição forja ainda a maior novidade.
Como você se imagina no amanhã?
Surpreso em ver que nossa luta e insistência em favor do acesso à arte e ao livro foram maiores que a ganância, o egoísmo e a irreflexão de nossos governantes.
Quem é Roger Mello?
Um artista, participante do Instituto de Leitura Quindim, que sabe que as profissões mais importantes do mundo são as de professora e professor, bibliotecário e bibliotecária, sendo que uma envolve a outra, com arte. Um artista que acredita na força criativa de professoras e professores em nosso país, contra todas as dificuldades que lhes são impostas diariamente. E que sabe que não há nada mais potente no mundo que uma criança lendo um livro de ficção.
Um Certo Alguém
Em Um Certo Alguém, coluna mantida pela redação do Itaú Cultural (IC), artistas e agentes de diferentes áreas de expressão são convidados a compartilhar pensamentos e desejos sobre tempos passados, presentes e futuros.
Os textos dos entrevistados são autorais e não refletem as opiniões institucionais.