Professor do curso da Escola Itaú Cultural fala da relação entre as práticas alimentares brasileiras e a arte e a cultura
Publicado em 14/06/2021
Atualizado às 14:15 de 05/04/2022
O curso livre História do Brasil em 12 ingredientes e uma dose, disponível na Escola Itaú Cultural, passeia por 13 itens que marcam a gastronomia brasileira: mandioca, milho, dendê, arroz, boi, feijão, porco, peixe, açúcar, farinha, pimenta, galinha e cachaça. Mas qual é a relação da comida – seus ingredientes e suas práticas alimentares – com a arte e a cultura? Afinal, um país é o que um país come?
O programa, ministrado pelos professores João Luiz Máximo da Silva e Sandro Marques, aborda referências históricas e artísticas implicadas nesses saberes do alimento.
A convite do Itaú Cultural (IC), o professor João Luiz responde à seguinte questão:
Qual é a relação das práticas alimentares brasileiras com a arte e a cultura?
por João Luiz Máximo da Silva
Já se tornou corriqueira a expressão “somos o que comemos”, atribuída ao médico grego Hipócrates. Vista dessa forma, a comida vai muito além de nossas necessidades biológicas, definindo-nos a partir do que comemos. Mas essa expressão poderia ser mais detalhada. Somos não apenas isso, mas também como escolhemos nossos alimentos, como preparamos, como comemos, com quem, e assim por diante. Essa é a ideia principal do conceito cultural de práticas alimentares.
Historicamente, podemos dizer que as escolhas que fazemos de nossos alimentos estariam diretamente relacionadas à disponibilidade em situações históricas e geográficas distintas. Trata-se de entender de que maneira dispomos da natureza de forma comestível como solução para a sobrevivência da espécie humana nas mais diversas situações. Por que alguns povos se alimentam de insetos, enquanto outros abominam essa ideia? Vegetais ou carne? Como somos onívoros, as possibilidades de escolha são diversas.
No entanto, aquilo que poderia indicar a necessidade de comer o que estava disponível pode, ao longo da história, tornar-se hábito, preferência, tabu etc. Nossas escolhas de alimentos passam, dessa forma, não apenas pela disponibilidade, mas também por interdições, tabus, prazeres e preceitos religiosos. Por identidade.
As maneiras de comer de um povo podem ser consideradas as formas mais poderosas de expressão de identidades. Contudo, identidades não são fixas. A comida pode mediar as diferentes culturas e abre outras diversas cozinhas a todo tipo de invenção, cruzamento e contaminação.
Pensar a alimentação como arte também é um grande desafio. Se considerarmos os aspectos culturais, trata-se de discutir não a arte da cozinha (chamada muitas vezes de gastronomia), mas a cozinha na arte. Pensamos as relações entre arte e práticas alimentares no universo da representação.
A arte nos ajuda a entender de que maneira os alimentos e suas práticas participam da vida de um povo.
Seguindo esse caminho, o curso livre da Escola Itaú Cultural História do Brasil em 12 ingredientes e uma dose compreende a cozinha brasileira a partir de ingredientes considerados importantes para a constituição de várias culturas alimentares ao longo do tempo e do espaço no território brasileiro. Partimos dos ingredientes para compreender as práticas culturais que envolvem o ato de alimentação. O sociólogo Carlos Dória observa que não podemos pensar o ingrediente como algo desprovido de história, como um pedaço da natureza em estado puro. Estamos falando de trabalho humano (cultura) que transforma a natureza – neste caso, de maneira comestível.
Podemos dizer que os vários povos que formam o Brasil não apenas trouxeram ingredientes, como também se relacionaram com aqueles que estavam presentes aqui. Povos indígenas, colonizadores portugueses, africanos escravizados, todos eles participaram da construção (conflituosa) das práticas alimentares brasileiras. Falar de ingredientes só faz sentido se falarmos das pessoas. Se, como disse o historiador Massimo Montanari, quanto mais “contaminada” for uma cultura alimentar, mais rica ela é, a cozinha brasileira é extremamente rica e diversa.
Consideramos que as técnicas e as práticas alimentares são tão importantes quanto os ingredientes e, por isso, escolhemos alimentos que, se não são todos originários do Brasil, representam as diversas formas de alimentação que se desenvolveram historicamente ao longo de todo o território. Assim, reafirmamos a importância das práticas alimentares para entender nossa história.
A comida – e suas representações artísticas e culturais – é essencial para a construção e a reconstrução das identidades e dos povos. Como afirmou o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, comida também é boa para pensar.
João Luiz Máximo da Silva é formado em história pela Universidade de São Paulo (USP), onde também desenvolveu mestrado e doutorado nas áreas de cultura material e história da alimentação. Atualmente é pesquisador na área de história, tendo desenvolvido pesquisas para exposições, projetos e instituições. É, ainda, professor de história da alimentação no Centro Universitário Senac e coordenador do curso de pós-graduação Gastronomia: história e cultura na mesma instituição.