A série convida fotógrafos de diferentes campos artísticos para comentar imagens marcantes de sua carreira
Publicado em 16/12/2021
Atualizado às 18:27 de 16/08/2022
A história recente da cena cultural brasileira muito se confunde com a trajetória do fotógrafo carioca Daryan Dornelles.
"Quando produzi Retratos sonoros, em 2014, Dominguinhos foi um dos poucos personagens que fotografei exclusivamente para o livro. Devo dizer que tenho uma relação de profundo carinho com essa imagem. Já havia tentado fotografá-lo diversas vezes, mas sempre acontecia algo e a nossa agenda nunca batia. Quando finalmente consegui marcar a sessão tudo foi bem rápido, pois eu já tinha a locação na minha cabeça e sabia até mesmo a posição ideal para fazer a imagem que queria. Em fotografia isso nem sempre funciona, mas dessa vez funcionou. Terminamos o trabalho e Dominguinhos gentilmente me pediu para deixá-lo em um endereço em Copacabana. Quando cheguei ao local, para a minha surpresa, descobri que ele estava hospedado na casa da minha tia, a atriz Ilva Nino. Percebi, nesse momento, que todo o esforço que eu tive para agendar aquelas tão desejadas fotos teria sido muito menor se eu tivesse dado um simples telefonema para essa minha tia, que com certeza agilizaria esse nosso difícil encontro."
"Um dos personagens mais queridos da música brasileira. A foto seria às 16h no meu antigo estúdio, na Glória, um bairro do Rio de Janeiro. Eu já imaginava que o Catra iria atrasar, mas nesse dia ele resolveu caprichar. Depois da nossa produção tentar ligar para a assessoria do cantor por horas e mesmo assim não conseguir saber o que tinha acontecido, resolvi ir embora. Já estava relaxado em casa quando, às 21h, recebo um telefonema do próprio Catra dizendo que estava no estúdio pronto para fazer as imagens. Foi só o tempo de me vestir, entrar num táxi e chegar lá. Naquela noite começamos com uma sessão de 30 minutos e terminamos bebendo por quatro horas seguidas, contando histórias que não caberiam aqui."
"A famosa foto do terno vermelho. Fui convidado pela revista Rolling stone para fazer a capa da edição comemorativa de cinco anos da publicação com o cantor e compositor Chico Buarque. Eu já havia fotografado o Chico para a capa do seu disco homônimo e, por conta disso, já existia uma certa cumplicidade e confiança entre nós. Ele é um cara minimalista, então a ideia era colocá-lo de terno e não inventar muito, inclusive um terno preto já havia sido aprovado por ele via assessoria de imprensa. Só que, como era uma edição especial, tivemos a ideia de colocar um terno vermelho junto com o preto. Afinal, ele poderia topar vestir algo mais marcante, digamos assim, não custava tentar... E não é que ele aprovou o terno vermelho na hora? Naquele momento, tivemos a certeza de que teríamos uma capa emblemática na história da revista."
"Independentemente de ser um dos artistas mais importantes da nossa música, Martinho sempre foi um cara que me trouxe sorte, é aquariano e vascaíno, claro! A revista Serafina, da Folha de S.Paulo, me chamou para fazer um retrato do cantor e compositor, convite que aceitei de imediato. Minha preocupação era como fazer essa imagem na Rua 28 de Setembro, em Vila Isabel, Rio de Janeiro, uma das ruas mais movimentadas da cidade. Para piorar, era véspera de Carnaval. O Martinho, a repórter Alice Granato, uma assessora de imprensa e eu estávamos todos sentados num bar da redondeza fazendo a entrevista. Depois de alguns chopes, tomei coragem para pedir algo inusitado. “Martinho, você poderia ficar sem camisa para fazermos a foto?”, perguntei. Ele olhou, pensou um pouco e me disse, bem desconfiado: “Acha que isso vai dar certo?”. Mostrei para ele a referência que eu tinha, falei que seria bem rápido e que eu gostaria muito de tentar. O resultado dessa ousadia foi a capa da edição e a confiança dele sempre que nos encontramos para outros trabalhos."
"Fotografar a Fernanda Montenegro é sempre uma alegria e um desafio pessoal para mim. Ela tem uma importância muito grande na minha carreira, foi uma imagem dela que fiz para capa da revista Bravo, em 2007, que fez com que os editores das grandes revistas brasileiras prestassem mais atenção no meu trabalho. Essa é a foto mais recente que produzi com a atriz. Como eu já sabia que a Fernanda havia adotado um tom grisalho em seus cabelos, imaginei uma imagem monocromática, com ela toda de branco em um fundo branco. Mas a atriz apareceu para as fotos com uma roupa toda estampada e achei que seria difícil ou até mesmo impossível convencê-la a trocar de figurino. Só que a Fernanda, ao contrário do que pensei, entendeu a minha ideia e topou a mudança. Fizemos as fotos em poucos minutos e eu saí de lá sabendo que tinha comigo o melhor registro dela feito por mim até então."
"A revista Cult me convidou para fazer a capa com os Racionais e um misto de ansiedade e preocupação tomou conta de mim. Afinal, eu nunca tinha fotografado a banda e, geralmente, nessas situações todos se sentem pouco à vontade. A foto seria às 2h30 da tarde, no estúdio deles no Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo. Cheguei lá com um assistente, o Juan, e já tinha muita gente no estúdio. Só que a banda ainda não estava lá. Às 6 da tarde, quando eles finalmente apareceram, houve uma breve apresentação e o clima estava meio tenso porque eles estavam atrasados demais. O estúdio era pequeno para fotografar e isso me obrigou a mexer em tudo para conseguir espaço suficiente, o que não deve ter agradado muito. Então partimos para as fotos e estava claro que faltava sintonia. Mas ela apareceu assim que o Mano Brown pediu para ver as imagens. Na hora tudo mudou, pois ele adorou o resultado e o resto da banda entrou no mesmo espírito. Foi uma sessão que começou tensa e terminou da melhor maneira possível. A fotografia tem esse dom."
"Já havia fotografado o Bituca inúmeras vezes antes de o editor da Ilustrada me convocar para fazer esse retrato dele. No dia marcado, chegamos cedo à casa do artista: eu e o Marcus Preto, que na época era repórter da Folha. Aproveitamos, então, para bater um papo com ele sobre música e sobre os novos nomes surgidos na cena musical brasileira. Preto, que hoje em dia é um grande produtor, não tinha nenhuma intimidade com o Milton e congelou – achando que a entrevista seria cancelada – quando eu perguntei se ele topava colocar um paletó e uma sunga para fazermos a imagem dentro da piscina. Bituca sorriu e falou, com aquele seu jeito peculiar: “Esse menino...”. As imagens ficaram lindas, a matéria saiu e, hoje, para a minha felicidade, Milton tem essa foto ampliada na parede da sua casa."
Bastidores é uma série que convida fotógrafos que registram diferentes campos artísticos para selecionar sete imagens de sua carreira e comentar essas produções.