Marina Nacamuli e Walter Thoms apresentam sua segunda colaboração para a coluna “Inventário” – que, neste mês, traz a palavra “origem”
Publicado em 02/10/2022
Atualizado às 17:29 de 10/10/2022
Marina Nacamuli
O primeiro motel do mundo surgiu em San Luis Obispo, na Califórnia (Estados Unidos). O nome veio da junção de duas palavras: motor e hotel. Sempre foi comum as pessoas viajarem longos trajetos de carro até lá. O motel oferecia aos motoristas opções mais baratas, seguras e confortáveis para descansarem à beira da estrada, uma maneira mais express. Esse conceito de hotelaria começou em 1925, na mesma época em que o transporte passou a ser individual. Ou seja, há uma ideia completa: um hotel econômico destinado a viajantes motorizados.
A maioria dos motéis era construída às margens de rodovias e fora da cidade. Esse fato trouxe a possibilidade de frequentadores começarem a ver isso como uma forma de curtir momentos mais íntimos com outra pessoa de modo discreto. Lembrando que, na época, sexo fora do casamento era um enorme tabu, quase proibido, e a Igreja tinha muita influência no comportamento das pessoas e da sociedade. As normas eram conservadoras – mas isso nunca impediu ninguém de buscar o prazer.
Tudo que existe ou acontece vem de algum lugar. Ao pensar na palavra origem, associei-a ao nascimento de uma criança, ao sexo e a como ela é feita. Consequentemente, pensei em motéis. Comecei, então, minha pesquisa. Porém, como fazer uma foto que simbolizasse tudo isso e que, talvez, não fosse tão óbvia?
Lembrei das banheiras de coração que existem em poucos motéis, aquelas que são bem difíceis de encontrar. Descobri dois motéis na Zona Norte de São Paulo com essa banheira. Motéis não fazem reserva quando o quarto é temático. Por essa razão, tive que ir em um horário estratégico para garantir que conseguiria me hospedar lá por algumas horas. E sozinha.
Consegui meu quarto, consegui minha banheira e lá imaginei que muitas vidas se originaram naqueles metros quadrados onde eu estava. A vida se inicia com o prazer – pelo menos, para um dos envolvidos.
Walter Thoms
Ontem, perguntaram-me se eu já tinha escrito um texto novo. Disse que não, pois o tempo dedicado à escrita estava se diluindo entre o peso das preocupações, as contas a pagar e algumas noites maldormidas. Escrever, para mim, é algo muito precioso e consiste em um estado quase meditativo de estar presente na construção da narrativa. Para mim, tem a ver com traduzir em palavras o silêncio das imagens do cotidiano. No entanto, quando esse silêncio não existe, minha atenção é facilmente desviada pela urgência em querer resolver as equações das dúvidas e dos problemas que pipocam na minha cabeça. Quando paro para pensar na origem do que me impede de escrever, penso em uma questão: como meu avô lidava com sua mente atribulada?
E, ao pensar nele, a narrativa se constrói.
Carrego comigo o mesmo nome que meu pai, meu avô e meu bisavô. Na minha carteira, próximo à identidade, carregava esta foto 3x4 do meu avô. Um retrato desses feitos em cabines de foto para documento, em algum ano em que ainda existiam essas cabines nas praças do Centro de Curitiba. Em certo momento, o tempo veio de encontro ao seu retrato e alterou sua imagem.
Provavelmente, ele comprou várias cópias, e uma delas veio parar na minha carteira anos após o último brilho do seu olhar. Nesta imagem, vejo que seus olhos são enfatizados pela mistura do seu rosto com bolor e sinto como se sua imagem estivesse desaparecendo aos poucos e eu pudesse esquecer completamente vários momentos da sua existência.
Mas, na contramão do apagamento da memória, ficam marcadas essas texturas que me fazem lembrar das camadas que constituem as nossas vidas. Muitas palavras que foram ditas anos atrás pelo Walter sem barba, com olhos azul-claros e cabelo grisalho até hoje ressoam no Walter de olhos castanhos que escreve este texto enquanto reconhece os pelos brancos que se espalham pela barba e pelos cabelos.
As ondulações do tempo me trazem até aqui para pensar sobre imagem, origem, família e memória. Por breves momentos, esqueço o que me impedia de escrever. Ao topar dançar com as palavras em torno do que me afligia, entendo que nem sempre é preciso uma resposta concreta às dúvidas que guiam os dias.
Em Inventário, dois fotógrafos recebem, todo mês, uma palavra diferente e são convidados a transformá-la em imagem e texto.