A série apresenta os novos nomes e caminhos da produção fotográfica brasileira, de Norte a Sul do país
Publicado em 12/03/2021
Atualizado às 18:59 de 16/08/2022
por Cassiano Viana
Ianca Moreira tem 25 anos. Nasceu em Macapá, capital do Amapá. Começou a fotografar profissionalmente aos 19, depois que entrou na universidade, onde cursou sociologia. “Mas minha relação com a fotografia vem de longa data, desde a pré-adolescência, quando minha irmã mais velha comprou a primeira câmera da nossa família, uma Fujifilm modelo FinePix Z, rosa e pequena, quase cabia na palma das mãos”, lembra.
“Minha irmã gostava de se arrumar e ir para as praças da cidade aos domingos e algumas vezes eu ia junto e fazia algumas fotos dela posando entre árvores. Eu levava essa câmera para a casa das minhas amiguinhas do ensino fundamental, onde eu promovia verdadeiros books, incentivando-as a fazerem caras e bocas para a câmera”, recorda.
Mais tarde, já na adolescência, a irmã comprou uma segunda câmera, também Fujifilm, mas dessa vez se tratava de um modelo semiprofissional. Com essa câmera Ianca começou a fotografar outros assuntos, como paisagens, o Rio Amazonas e sua imensidão e lugares da cidade por onde passava.
“Quando ingressei na universidade, ganhei uma bolsa de pesquisa de R$ 400 por mês, com a qual comprei minha primeira câmera profissional, uma Nikon D3100, e comecei a andar com ela para todo lugar que eu ia”, conta.
Foi quando foi convidada para fazer a cobertura de uma marcha feminista que estava sendo organizada na cidade. “Foi a primeira vez que fui reconhecida como fotógrafa”, diz. “Nesse momento, eu percebi que podia dar vazão às minhas inquietações, eu me sentia parte de um movimento político e ajudava na visibilização das nossas pautas”, define.
“Esse conjunto de elementos me encantou e desde então nunca mais parei de fotografar, e o tema das manifestações políticas se tornou muito presente na fotografia que eu passei a construir”.
Com a palavra, Ianca Moreira:
Hoje, além das manifestações políticas, fotografo manifestações culturais e artísticas, fotoperformances e meu próprio corpo, quando aponto a câmera para mim e a uso como lupa para as minuciosidades que me compõem.
Quando fotografei a marcha feminista, eu não tinha o menor domínio de qualquer técnica, mas fotografava intuitivamente e assim fiquei por muito tempo até fazer um curso de princípios fotográficos através da bolsa que ganhei de Alexandre Brito – fotógrafo local e amigo meu, responsável pela criação da única escola de fotografia da cidade. Essa é a única formação que eu tenho em fotografia. Sempre aprendi sozinha ou com as oportunidades que me eram dadas.
A Nikon que comprei e me oficializou na fotografia quebrou há uns dois anos e nunca tive condições de comprar outra. Eu saí de casa aos 20 anos e comecei a trabalhar e desde então todo dinheiro que ganho serve para meu sustento. Eu uso material emprestado. Minha grande amiga, Jamaile Gurjão, com quem trabalho em projetos envolvendo o audiovisual, me empresta uma câmera e o computador no qual eu trato minhas imagens. Nesse sentido existe certa precariedade que acompanha o meu fazer fotográfico e que está muito ligada à minha classe social. Acho importante assinalar como a fotografia é um espaço de poder em que você ocupa através do acesso a certos recursos, e esses recursos, como uma câmera fotográfica e um bom computador, são caros; não é todo mundo que tem a oportunidade de ter.
Então eu insisto em fotografar, insisto em construir imagens porque é uma necessidade, é uma pulsão dentro de mim, é um fazer que me deixa satisfeita, que me deixa feliz e que faz parte da minha maneira de viver e de pensar o mundo, e, bom, o mundo é difícil. É difícil ter dinheiro para exercer a fotografia, então tem uma frustração que também está presente na minha relação com a fotografia. Mas eu resisto, eu não vou desistir, eu não vou desistir de tentar comprar uma câmera, porque eu preciso fotografar.
Sinto que é fotografando que eu me realizo, que é filmando que eu me sinto bem. O fato é que existe um preço para viver daquilo que a gente quer. É muito difícil viver do que a gente ama. Por isso eu não vivo de fotografia, mas vivo para a fotografia. A fotografia me dá a oportunidade de conhecer pessoas, de conhecer lugares, de ocupar espaços que são muito significativos para mim, como esta entrevista, como estar no site do Itaú Cultural escrevendo um depoimento extremamente pessoal. Este é um espaço simbólico de reconhecimento, além de ser um espaço de poder que eu acho muito necessário ser ocupado. Eu me sinto honrada por estar ao lado de tantas outras pessoas com suas histórias, trajetórias e trabalhos na construção de imagens, de narrativas de si.
Fotografar para mim é um modo de existir, é um modo de me fazer presente, de ser feliz, de me sentir realizada.
Ser uma mulher que tenta constantemente ser feliz, que tenta incessantemente viver daquilo que ama, dentro do sistema capitalista, patriarcal, opressor, violento, misógino e racista, é uma resistência política da qual jamais abrirei mão.
Que todas nós, mulheres dissidentes, corpas não desejáveis, tenhamos a força de permanecer, de persistir naquilo que nos faz ser quem somos. Nossas práticas artísticas são fundamentais, nossas narrativas de vida são potentes. Minha fotografia está só no início e eu quero conquistar todos os espaços que eu puder.
Cassiano Viana é editor do site About Light.