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Cem anos de Jandyra Waters

A pesquisadora Talita Trizoli comenta a trajetória da artista visual e poeta brasileira, que completa um século de vida em março de 2021

Publicado em 10/03/2021

Atualizado às 18:59 de 16/08/2022

Neste 10 de março de 2021, a artista visual e poeta brasileira Jandyra Waters completa cem anos de vida. Neste texto, a pesquisadora Talita Trizoli apresenta a trajetória de Jandyra e comenta sua relevância – ainda a ser devidamente reconhecida – no cenário das artes no país

 

Jandyra Waters (Sertãozinho, 1921) iniciou suas atividades como artista na Inglaterra, em meados de 1947. Nessa época, Waters era ainda uma jovem brasileira vinculada ao programa das Nações Unidas de recuperação das vítimas no pós-guerra, e recém-casada com um médico militar britânico, Eric. Nos cinco anos em que residiu com o marido em Lewes, Sussex, passou a frequentar o ateliê de pintura do County Council Art School, até o momento em que, grávida, passou a ter reações alérgicas com as tintas, e abandonou temporariamente o ateliê.

A mudança para o Brasil em 1951, a alergia pontual das tintas e a maternidade não necessariamente interromperam seu projeto profissional, pois, assim que a família se instalou em São Paulo, Waters passou a frequentar como aluna alguns ateliês, como os de Yoshiya Takaoka (1909-1978) e Clóvis Graciano (1907-1988), o que lhe permitiu a continuidade de suas investigações pictóricas, ainda atreladas a temas figurativos, paisagísticos, com algumas soluções formais expressionistas.

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A década de 1960 apresentou uma mudança paradigmática em seu trabalho, já que a artista abandonou a figuração, as paisagens, cenas de interior e naturezas-mortas, obtidas a partir de observações atentas do espaço doméstico e seus ângulos arquitetônicos, e passou a trabalhar com abstrações ditas líricas, informalistas, onde formas orgânicas, ora longilíneas, ora angulosas, criam um jogo de movimento pulsante sobre as telas, quase uma dança ritual entre as formas, e onde o contraste das cores, muitas saturadas, outras terrosas, potencializam essa vibração compositiva – e é esse vocabulário informalista, mesclado com referências pop e surrealistas, que lhe renderá a participação em alguns Salões e na 9ª Bienal de São Paulo.

O jogo de contraste cromático será justamente um elemento de permanência estratégica na produção de Waters, quando mais uma vez a artista migra de vocabulário na década de 1970, deixando de lado as abstrações líricas, e passando a trabalhar com os arranjos geométricos da linhagem concretista, já consolidados no cânone da história da arte brasileira – protocolo esse mantido até os dias de hoje pela artista.

À diferença de seus colegas concretos do sexo masculino, muitos já inseridos no circuito artístico, Waters optou por elaborar não apenas experimentações compositivas dos construtos geométricos, em chave abstrata, mas também efetuou uma convergência entre a lógica concreta e as premissas místicas rejeitadas por nossa versão local de modernidade. Seguindo o mesmo fascínio de Mondrian por sociedades secretas e narrativas esotéricas sobre o mundo, Waters alinhou sua produção de caráter concretista com alusões às estruturas arquitetônicas sagradas e com as mandalas meditativas budistas, inclusive nomeando telas com tais referenciais místicos e cotejando esses elementos em seus livros de poesia – sim, além de pintora, Waters é poeta.

Prestes a completar um século de vida, tendo participado de exposições importantes e efetuado trocas analíticas com críticos do circuito (Theon Spanudis principalmente), chama a atenção o fato de que, por muito tempo, a produção da artista tenha sido eclipsada sob o adjetivo do anacronismo concretista, tanto por suas escolhas formais, distantes do cânone concreto, quanto por seu gênero. Sua recente valorização via ensaios críticos e inclusão em exposições coletivas e algumas individuais em galerias paulistas nos últimos anos apenas reafirmam um índice melancólico na trajetória de mulheres artistas: se não são valorizadas quando falecidas, serão em idade bem avançada. De um modo ou de outro, fica o desejo de um estudo mais aprofundado e sério sobre a obra da artista e sua trajetória, e o reconhecimento de sua contribuição para a cena artística brasileira, a fim de expandirmos os matizes sobre a arte concreta.

Talita Trizoli é pesquisadora, professora e curadora na área de arte e feminismo. Pós-doutoranda no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) com investigação sobre mulheres e crítica de arte no Brasil, é coordenadora do Coletivo Feminista Vozes Agudas.

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