Acessibilidade
Agenda

Fonte

A+A-
Alto ContrasteInverter CoresRedefinir
Agenda

Dez livros recomendados pelos dez finalistas do Oceanos

Os autores, naturais do Brasil, de Portugal e de Moçambique, indicam obras contemporâneas

Publicado em 23/11/2022

Atualizado às 17:51 de 08/12/2022

por Duanne Ribeiro

Romances, contos, filosofia e crítica literária, tratando, entre outros temas, de relacionamentos, de vivências de classe, de disputas de política nacional, de questões de gênero. Convidados pelo Itaú Cultural (IC), os dez finalistas do Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa indicam dez livros contemporâneos, cuja autoria remete a múltiplos países: Brasil, Moçambique, França, Estados Unidos, Espanha, Vietnã e Marrocos. Cada sugestão é seguida de uma justificativa.

Os escritores que concorrem à premiação são quatro brasileiras – Ana Martins Marques (com Risque esta palavra, de poesia), Maria Fernanda Elias Maglio (com Quem tá vivo levanta a mão, de contos), Micheliny Verunschk (com O som do rugido da onça, romance) e Tatiana Salem Levy (com Vista chinesa, romance) –, três moçambicanos – João Paulo Borges Coelho (com Museu da revolução, romance), Pedro Pereira Lopes (com O livro do homem líquido, de contos) e Teresa Noronha (com Tornado, romance) – e três portugueses – Alexandra Lucas Coelho (com Líbano, labirinto, de crônicas), Djaimilia Pereira de Almeida (com Maremoto, romance) e José Gardeazabal (com Quarentena – uma história de amor, romance).

Os três vencedores do Oceanos serão divulgados no dia 9 de dezembro, em uma cerimônia com transmissão on-line pelo canal do prêmio no YouTube. Leia abaixo as recomendações.

Alexandra Lucas Coelho

Dysphoria Mundi, de Paul B. Preciado (Anagrama, 2022)

Um livro novo, acabado de publicar no original, que tenho na mão pronto a começar, e de que espero muito. Paul B. Preciado é um dos pensadores mais desafiantes para as nossas vidas agora.

Ana Martins Marques

Labor de sondar [1977-2022], de Lu Menezes (Círculo de Poemas, 2022)

Minha indicação vai para o Círculo de Poemas, clube de assinatura de poesia que nasceu da parceria entre as editoras Fósforo e Luna Parque. A cada mês, os assinantes recebem uma caixinha com um livro de poemas de um autor brasileiro ou estrangeiro e uma plaquete assinada por um poeta (ao longo de 2022, as plaquetes foram todas escritas a partir de uma imagem anterior ao século XX).

Dos livros lançados pelo Círculo, destaco Labor de sondar [1977-2022], que reúne a poesia de Lu Menezes, abarcando os 45 anos de sua trajetória. Reflexiva e especulativa, muitas vezes complexa, lidando com uma ampla gama de referências, a poesia de Lu Menezes é também extremamente imagética. Marcados por inúmeros jogos sonoros, os poemas da autora ainda exploram a visualidade, a relação com as artes plásticas, a fotografia e o cinema, dando mostras de uma poderosa imaginação poética, que abarca o fundo do mar e o espaço sideral, um ovo frito e um avião sobrevoando os Andes, a atenção à cidade e às línguas.

Djaimilia Pereira de Almeida

O livro da Patrícia, de David-Alexandre Guéniot (Ghost Editions, 2022)

Neste livro, David-Alexandre Guéniot procura o rasto da fotógrafa Patrícia Almeida, sua companheira (1970-2017). Perseguindo o projecto de uma “História pessoal da fotografia” deixada inacabada por Patrícia, Guéniot recompõe fragmentos de uma história da imagem, que é a história de uma imagem, a da sua mulher e do olhar dela (como ele a viu). Como será que somos vistos por quem nos ama? Quem são aqueles que amamos aos nossos olhos? O que é uma fotografia? Conto de amor gótico, é, para mim, o mais belo livro publicado em português em 2022 – e um dos mais belos livros que já li.

João Paulo Borges Coelho

A maquinação do mundo: Drummond e a mineração, de José Miguel Wisnik (Companhia das Letras, 2018)

Refiro este texto admirável por mais do que uma razão. Em primeiro lugar, por tratar a ligação do poeta Drummond ao seu lugar (Itabira, cidade em Minas Gerais) com grande sensibilidade e uma minúcia de ourives, que emparelham bem com a poética desse notável autor brasileiro. Em segundo lugar, porque a empresa criada para “mastigar” o Pico do Caué, que tanto assombrou o poeta, também passou por Moçambique (pela cidade de Moatize), onde “mastigou” bastante carvão, ficando deste modo também ligada ao destrato incessante e permanente que as gentes daquele lugar sofrem desde os tempos coloniais. Além da ponte da língua, que de alguma maneira une todos os falantes do português, e de que tanto se fala, é interessante ir descobrindo outras pontes que nos ligam, positivas e menos positivas. Este caso concreto pode ajudar-nos a reflectir sobre essas ligações e até sobre nós próprios, revisitando criticamente uma perspectiva de desenvolvimento e de futuro baseada unicamente na extracção primária dos recursos de uma natureza exausta e permitindo uma fruição desigualmente distribuída do ponto de vista social, e também destemperada, pouco ética e falha de imaginação. Ah, para a escolha há ainda a razão suplementar de ter conhecido o autor num encontro em 2019.

José Gardeazabal

Sobre a Terra somos belos por um instante, de Ocean Vuong (Rocco, 2021, no Brasil; Relógio D’Água, 2020, em Portugal, com o título Na Terra somos brevemente magníficos)

“Usa estas palavras como uma pequena parcela de terreno.” Assim canta uma das epígrafes escolhidas por Ocean Vuong para este belo e magnífico romance. Vuong é um poeta e romancista norte-americano, de origem vietnamita. Na sua prosa e na sua poesia, uma explosão silenciosa da vida como vida, mais que autobiografia. A relação com a mãe, a geografia das origens, a identidade sexual e os detalhes da aventura americana da sua família de imigrantes entretecem uma escrita de épica pessoal, com tanto de próxima como de significativa. Começa assim este Na Terra somos...

“Deixa-me começar de novo. 
Querida mãe,
Escrevo para chegar a ti [...]”

O que se segue é um ajuste de contas e vários perdões, ora sussurrados, ora gritados, o agradecer de uma dívida de vida e uma exploração cirúrgica da intimidade familiar e pessoal, sem complacência. A vida e a morte e a sexualidade num caldo original e verdadeiro, inteligente e inovador. Ocean Vuong fabrica uma literatura nova, uma escrita para chegar a nós.

Maria Fernanda Elias Maglio

O corpo útil, de Luiz Gustavo Medeiros (Patuá, 2021)

Este livro de contos traz histórias de relações cotidianas, maridos e mulheres, mães e filhos, casamentos recentes, casais que estão juntos há muito tempo. E a fagulha dos contos é, na maioria das vezes, inusitada e banal: a haste quebrada de uns óculos, a menstruação da esposa que desce no meio de um jogo de futebol visto pelo marido, um avô esperando pelos netos que não chegam, um bombom de presente de Dia das Mães que nunca foi entregue. E o insólito manifesta-se justamente no prosaico. Os personagens são tomados pela epifania dessa verdade singular e coletiva de repente, como num susto clariceano.

Micheliny Verunschk

Suíte Tóquio, de Giovana Madalosso (Todavia, 2020)

Um dos livros mais instigantes e bem escritos que li ultimamente, tanto pela honestidade com que aborda a relação espinhosa e desigual entre patrões e empregadas domésticas como pela maestria com que múltiplas vozes e temporalidades são movimentadas no tabuleiro da narrativa. O eterno tema da jornada do herói é atualizado nas figuras de Maju e Fernanda, colocando a problemática da existência da mulher contemporânea, suas conquistas e fracassos, sob os holofotes. Considero a cena em que os patrões veem em perspectiva o quarto da empregada e o quarto da filha – num jogo muito bem-sucedido de abertura de uma grande angular e de imediata miniaturização – um dos grandes momentos da literatura brasileira.

Pedro Pereira Lopes

Os oito maridos de Dona Luíza Michaela da Cruz, de Adelino Timóteo (Alcance Editores, 2017)

Adelino é um escritor constante e experimentalista, tanto na poesia como na prosa. O romance em causa pode ser classificado como histórico, mas é, entretanto, uma história dentro da História. Nele, o missionário e explorador britânico David Livingstone escreve sobre a Dona Luíza Michaela da Cruz, uma famosa mulher da Alta Zambézia, governante do Prazo Guengue. Livingstone, não o Adelino, apresenta o livro como se de uma peça de teatro fosse, onde a beleza da mulher e o poder convivem em absurda harmonia. Dona Luíza é Cleópatra, é Ariadne, é Vénus.

O Adelino traz, no livro, uma útil e premente referência àquilo que podemos chamar dos primórdios do feminismo ou, se quiserem, do feminismo africano (Dona Luíza morreu numa prisão em 1889). A guerra entre as raças e classes é, por inerência do período histórico, tema recorrente.

A história imperialista e pré-colonial da Dona Luíza é contada em tom e passo grave, quase cerimonial, proverbial [como em Ualalapi (1987), de Ungulani Ba Ka Khosa], a poética é aguçada (“a agonia é a fase em que se veem as coisas com maior lucidez”) e a intenção é de celebrar. Os oito maridos de Dona Luíza é um clássico moderno moçambicano.

Tatiana Salem Levy

Pré-história, de Paloma Vidal (7Letras, 2020)

Eu adoro este livro, porque nele a Paloma Vidal consegue costurar de forma muito sutil e profunda a relação entre vida pessoal e política. Numa camada, o romance é sobre o luto de uma separação, do fim de um casamento de muitos anos; em outra, é sobre a polarização que vem tomando conta do Brasil desde 2016. A estrelinha do PT é o que une e o que separa esse casal, e isso fala de amor e de um país. O tempo passou, e o romance de Paloma só ficou mais necessário.

Teresa Noronha

O país dos outros, de Leila Slimani (Alfaguara, 2021)

A narrativa, estruturada de forma clássica, é uma saga familiar que gira em torno de Mathilde, uma alsaciana casada com Amine, marroquino que lutou na Segunda Guerra Mundial do lado dos franceses. Depois do armistício, Mathilde e Amine instalam-se em Marrocos, onde Amine tenta recuperar a quinta herdada da família, onde nunca cresceu nada devido à aridez do solo. A história irá desenrolar-se até as vésperas da independência de Marrocos, e a família passará por vários momentos em que o choque cultural e as escolhas de cada um nunca serão pacíficas. O livro fala da situação colonial em Marrocos, das tensões entre franceses e marroquinos, da situação da mulher sob a cultura islâmica, da mestiçagem e dos preconceitos que estão na base das relações sociais num país em que tanto Mathilde, como francesa, quanto Amine, considerado pelos seus como um traidor à medida que a guerra pela independência de Marrocos vai avançando, bem como Aicha, a filha de ambos, estarão sempre n’O país dos outros

Compartilhe