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Relatos de criação | Um processo transdisciplinar de construção literária

Jessica Stori compartilha o processo de desenvolvimento do projeto "Foi um jeito de derreter" contemplado pelo “Rumos Itaú Cultural 2023-2024”

Publicado em 14/11/2025

Atualizado às 15:28 de 13/11/2025

Projeto: Foi um jeito de derreter
Proponentes: Jessica Stori

Foi um jeito de derreter será a minha estreia na prosa literária. Apesar de já ter trabalhado com a escrita de não ficção e com a poesia, não tinha me concentrado na narrativa ficcional, apesar do meu interesse. Desde 2019, quero escrever um livro sobre uma relação de vigília, uma pessoa concentrada em outra durante um certo período e o que pode vir à tona a partir disso. Um corpo parado, acometido pela sua própria vida e por uma doença, enquanto o outro está em movimento e atento ao corpo doente – ao mesmo tempo que em contato com o seu próprio corpo e as consequências desta vigília. Nesta história, o cuidado é responsabilização, mas é também obrigação e medo do que pode acontecer quando não se cuida, quando não se segue o padrão social do cuidado dos nossos velhos ou dos nossos pais. Como o cuidado se coloca na vida não enquanto amor, mas como obrigação, independente de vontades. Aspectos de autovigília também são levantados, hierarquização entre sujeitos sociais, o que faz de uma pessoa funcional no mundo de hoje ou não, tudo isso perpassado por relações familiares, traumas e memória num cenário brasileiro.

A escrita de Foi um jeito de derreter está em processo e me utilizo da transdisciplinaridade na pesquisa do projeto, entre escrita e imagem. A imagem do vídeo, da fotografia e da colagem. O contexto das diferentes linguagens me possibilita encontrar as imagens que não quero perder de vista neste livro, assim como criar novas imagens a partir do exercício. Gravo e registro as imagens que vejo e as modifico no processo de recorte, colagem e montagem. Entre memória e ficcionalização a narrativa vai se construindo, não através de uma inspiração possuidora, mas de algo construído em fragmentos, notas, diários e seleção. Neste momento me encontro nas vigas da casa, muito do trabalho já está posicionado, mas não sei ainda onde vai dar, qual será a cara final do trabalho, apesar de já ter alguns vislumbres. Por isso, gravar, fotografar e escrever sobre o processo é contraditório, une desconforto e prazer, chegando à sensação instigante da pergunta: o que vai acontecer ali na frente? 

Uma foto em preto e branco de uma colagem de recortes sobre uma superfície branca. Os elementos estão dispostos de forma organizada. Incluem três recortes de mulheres em poses de dança ou ginástica, um recorte de uma colher, uma mão, um girassol, uma ampulheta e vários padrões abstratos.
Imagem de processo do projeto Foi um jeito de derreter (imagem: Jessica Stori)

Tenho conciliado pesquisa em arquivos pessoais, familiares e circulado em diferentes espaços da cidade onde visualizo a narrativa acontecendo – espaços não centrais de Curitiba e do Paraná, em especial o bairro onde cresci, Uberaba e a cidade de Pinhais. Há interesse em destacar relações familiares diante de situações extremas de doenças, partindo de coisas que vi e vivi para um contato mais coletivo, trocando com outras experiências para filtrar o que vai estar nos lugares desta história.

Até o momento, disponibilizei três vídeo-ensaios do projeto, que estão disponíveis em meu site, no Youtube e no Instagram, assim como algumas imagens de processo de criação com os cadernos de pesquisa e imagens de trânsito. O objetivo é compartilhar as diferentes ferramentas, instrumentos e caminhos criativos de um livro e as diferentes possibilidades de cada uma delas, assim como o caráter de processo, não de obra acabada e encerrada em um ideal, mas o contrário disso, o que tem de não linear, de lacuna, de borra e de revisitação durante o processo de criação.

As imagens de processo de seleção para as colagens apresentam várias linhas temáticas. Quando em contato com revistas, tenho buscado imagens contrastantes, não necessariamente relacionadas aos temas do livro. Flores, grama, árvores, relva e musgo têm sido um foco, assim como imagens de formas geométricas e de artes abstratas. Algumas imagens humanas também estão na seleção, não necessariamente para se tornarem colagens, mas como visualização das personagens. O objetivo é também destacar os afetos impulsionados por essas imagens, assim como a busca por novas maneiras de ver e sentir ao aproximar diferentes cenários.

O caderno é um dos principais instrumentos para a elaboração do processo criativo do livro, nele não estão somente anotações de leitura temática, mas o próprio pensamento do livro, como ele pode seguir (a pensar quantidade de capítulos, como cada um será escrito, quais são as maneiras de executar esta escrita), assim como a inscrição de desenhos; letras, formas, mapas e visuais que se relacionam com a pesquisa. O caderno consegue juntar os pedaços que se tornarão um livro, que tem como objetivo ser reflexão desse processo, não se distanciar à medida que se torna uma obra acabada e impressa, mas pensar a própria impressão como parte deste processo. Por isso, a prosa de Foi um jeito de derreter não necessariamente será linear, mas o desejo é de que o processo continue na escrita até o fim, assim como todas as formas deste fazer, conciliando as linguagens que tem auxiliado nesta pesquisa.

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