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Revista Observatório 34 | Produto Interno Bruto da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas: uma abordagem pela ótica da renda

Revista Observatório 34 | Produto Interno Bruto da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas: uma abordagem pela ótica da renda

Nesse artigo os autores propõe uma discussão de cálculo do PIB para o setor da cultura e das indústrias criativas brasileiro pela ótica na renda e não pela ótica tradicional que é do produto

Publicado em 10/04/2023

Atualizado às 11:15 de 20/06/2023

por Leandro Valiati, Filipe da Silva Lang, Gustavo Möller e Eduardo Saron

 

Resumo

O Produto Interno Bruto (PIB) é um dos principais indicadores utilizados internacionalmente para comparação entre economias. Nesse sentido, a contribuição de um determinado setor para o PIB nacional ajuda a conhecer a sua importância na economia nacional. Este artigo introduz uma nova via de cálculo do PIB para o setor da cultura e das indústrias criativas brasileiro. No lugar da tradicional ótica do produto, foi escolhida a da renda. Para a realização do exercício, foram utilizadas as bases de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Programa de Avaliação Seriada (PAS) e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), além das prestações de contas da Lei Rouanet e de outras fontes externas para estimar a esfera digital.

 

<< Acesse aqui o sumário da Revista Observatório 34

 

Introdução

O tema das indústrias criativas ganhou atenção no final das décadas de 1980 e 1990 (UNESCO, 2009), após sua ampla adoção nas políticas públicas do Reino Unido como parte de uma busca por uma nova dinâmica de desenvolvimento econômico para responder ao processo de globalização emergente. Diferentemente dos tradicionais recursos utilizados nas eras industriais (capital, terra e trabalho), a criatividade é considerada um recurso ilimitado e que pode ser constantemente melhorado por meio da educação, da experiência laboral e da interação humana (DE JESUS, 2021). Em anos mais recentes, a Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (Ecic) vem ganhando ainda mais destaque na literatura e aos olhos dos formuladores de políticas públicas, conforme as rendas per capita aumentam e os padrões de consumo migram de produtos para serviços (RODRIK, 2016; BUCKLEY; MAJUMDAR, 2018). Essa mudança estrutural vem revelando o potencial gigantesco de um setor que outrora era marginalizado ou subestimado pelos economistas. Tendo em vista o aumento da relevância do setor, alguns países vêm desenvolvendo pesquisas e estatísticas para melhor entender as capacidades de geração de renda, empregos e encadeamentos da Ecic. Atualmente, a Unesco (2022) estima que a cultura e a criatividade contribuem com 3,1% do PIB mundial e empregam 6,2% da massa de trabalhadores.

A lógica é que existe um potencial especial de geração de crescimento econômico em setores que geram valor através da criatividade, especialmente com a crescente importância das atividades baseadas no conhecimento. Saber a importância das atividades culturais e criativas para a economia brasileira é fundamental para proporcionar visibilidade a esse setor e promover o seu desenvolvimento, bem como o de toda a economia brasileira. Segundo Valiati e Morrone (2014), os setores culturais e criativos desempenham uma função crucial nas economias, devendo ser parte integrante de qualquer plano econômico que vise à sustentabilidade do processo de desenvolvimento.

Entre as inúmeras maneiras encontradas na literatura sobre como medir a importância de um setor, podemos agrupar os esforços entre medições de impacto e de contabilização. No mundo, países como Portugal, França, Espanha, Canadá e – especificamente na América Latina – Colômbia, Costa Rica, Argentina, Chile e Uruguai desenvolveram as chamadas Contas-Satélites da Cultura (CSC), em um esforço de produzir estatísticas confiáveis. A CSC contempla um conjunto de informações econômicas (valor adicionado, consumo intermediário, exportações, importações etc.) cuja finalidade é mensurar as transações econômicas de determinados setores não diferenciados nas contas nacionais. No caso do Brasil, os esforços para o desenvolvimento de uma CSC foram realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Ministério da Cultura. Infelizmente, esse esforço metodológico não produziu resultados consistentes e contínuos. Paralelamente, foram desenvolvidos outros esforços (VALIATI; FIALHO, 2017; FGV, 2018; FIRJAN, 2008; FIRJAN, 2022), que contribuíram para a estimação da contribuição da Ecic para a economia brasileira.

Saber a importância das atividades culturais e criativas para a economia brasileira é fundamental para proporcionar visibilidade a esse setor e promover o seu desenvolvimento, bem como o de toda a economia brasileira.

Os estudos acima mencionados podem ser traduzidos como estudos de impacto; o presente trabalho, por outro lado, busca apresentar um esforço mais profundo de contabilização das atividades da cultura e das indústrias criativas, por meio do cálculo do seu PIB. O PIB de um país ou região representa a produção de todas as unidades produtoras da economia (empresas públicas e privadas produtoras de bens e prestadores de serviços, trabalhadores autônomos, governo etc.), num dado período (ano, trimestre), a preços de mercado. Tradicionalmente, o PIB é medido através da identidade macroeconômica da contabilidade nacional em que as óticas da renda, do produto e da despesa, por definição, produzem o mesmo resultado em termos de cálculo. Em outras palavras, o Sistema de Contas Nacionais (SCN) estabelece que o PIB pode ser medido olhando as rendas, os produtos ou as despesas (ou gastos) de um país. No entanto, o cálculo do PIB de uma economia ou setor depende da disponibilidade dos dados financeiros sobre transações, impostos, rendas etc. e do nível de desagregação[1] de ditos dados, o que faz com que a informalidade seja um grande limitante à medição de certos setores.

Por esses motivos, nos países em desenvolvimento as tentativas de calcular a contribuição para o PIB das atividades culturais[2] e das indústrias criativas diferem de maneira significativa. Isso ocorre em grande parte devido à ausência de dados e às especificidades dos setores, tais como o segundo emprego, a informalidade e o trabalho não remunerado. Desse modo, é importante atentar para as especificidades do setor cultural a fim de minimizar os problemas de estimação. Por outro lado, a criação de novas ferramentas para coleta de dados, e a otimização de outras, torna-se parte relevante do processo de mensuração do setor.

Tradicionalmente, o PIB é medido através da identidade macroeconômica da contabilidade nacional em que as óticas da renda, do produto e da despesa, por definição, produzem o mesmo resultado em termos de cálculo.

Este artigo busca, além de criar uma frente de pesquisa ao utilizar uma nova ótica de mensuração do PIB, produzir recomendações direcionadas aos coletores de dados para construir uma melhor estrutura de medição. Assim, o PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas brasileiro aqui proposto busca sinalizar necessidades de avanços na disponibilização e aperfeiçoamento da base de dados, simultaneamente cobrindo falhas metodológicas e nuances específicas do setor ainda não endereçadas pela literatura.

De acordo com esse objetivo, este artigo, para além desta breve introdução, está dividido da seguinte forma: a próxima seção busca apresentar os desafios metodológicos originados das especificidades da Ecic e os caminhos metodológicos escolhidos. Na seção seguinte, são apresentados os resultados do exercício de estimação, e, por fim, a última seção traz as conclusões e recomendações direcionadas aos compiladores de dados. Importante ressaltar que detalhes metodológicos do cálculo, assim como tabelas técnicas, encontram-se nos anexos deste artigo e serão referenciados conforme pertinente.

Metodologia

O cálculo do PIB de uma economia ou setor depende da disponibilidade dos dados financeiros sobre transações, impostos, rendas etc. e do nível de desagregação dessas informações. Quando falamos da Ecic, nem sempre as pesquisas aplicadas pelos institutos de estatísticas conseguem capturar as nuances do setor. Muitas dessas nuances acarretam a falta de dados confiáveis que sejam capazes de prover uma estimativa mais precisa do setor.

Devido a essa precariedade, o desafio principal com que os pesquisadores se deparam é o de não cometer subestimação ou superestimação. No caso da primeira hipótese, alguns fatores que contribuem são a não uniformidade da atividade cultural; a falta de registro das atividades nas normas de classificação internacionais ou nacionais (por exemplo, os games); as dificuldades para medir as atividades secundárias e as remunerações oriundas da digitalização do setor; a geração de valor econômico através de intangíveis; a informalidade do trabalho, entre outros[3].

De outra forma, pode haver superestimação devido a um nível de desagregação baixo, o que faz com que se incluam atividades não relacionadas à Ecic nos cálculos. Sobre esse último fator, acreditamos que a contribuição da cultura e das indústrias criativas, quando medida pelo valor agregado, incorre em tais riscos. O baixo nível de desagregação contido nas bases de dados utilizadas pelos pesquisadores, por exemplo em termos de atividades econômicas, gera uma tendência a uma maior captura de ruídos durante os exercícios de estimação.

De maneira geral, o PIB vem sendo medido com base nas óticas do produto e da despesa (BURMAN, 1998; MONTOYA; FINAMORE, 2001; CRUZ; TEIXEIRA; GOMES, 2009; GUILHOTO et al., 2011; IBGE, 2004; IBGE, 2016), segundo as quais a soma da contribuição de setores, a um determinado nível de desagregação, permite o cálculo do PIB a partir das contas nacionais disponibilizadas pelo IBGE. Este artigo argumenta, primordialmente, que esses métodos de cálculo – embora utilizem dados robustos – acabam captando ruídos que podem levar a uma superestimação dos valores, já que o nível de desagregação presente nas contas nacionais por setor não permite separar o que é atividade cultural e das indústrias criativas das demais atividades.

Como solução, o trabalho em mãos busca utilizar uma ótica de cálculo inovadora para contornar tais dificuldades metodológicas. Ao avaliar as distintas abordagens utilizadas pela literatura especializada, argumentamos que a abordagem de cálculo do PIB pela ótica da renda pode gerar uma estimação da contribuição para o PIB da Ecic mais acurada ao tomar em conta dimensões e características específicas desse setor. Por dimensões entende-se o estudo separado e de característica mais micro da contribuição das empresas e dos trabalhadores para o PIB. Por características específicas da Ecic entendem-se as outras remunerações encontradas primordialmente nesses setores e as atividades econômicas que os compõem.

Delimitação da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas

Além das dificuldades estruturais mencionadas, outro desafio metodológico que pesquisadores da Ecic enfrentam é a delimitação do setor. Entre as diversas metodologias encontradas na literatura, é possível dividir essas abordagens entre dinâmicas e estáticas. As últimas têm como característica a adoção de uma estrutura fixa para os setores criativos; em outras palavras, acreditam que os setores criativos são os mesmos independentemente da economia ou da composição do emprego no setor. Por sua vez, no modelo dinâmico de determinação, adotado neste artigo, reconhecemos que as atividades econômicas, bem como a composição do setor, podem variar de economia para economia e de um período para outro. Conforme economias, estruturas de mercado e requerimentos de habilidades mudam com o passar do tempo, a definição de quais seriam os setores criativos para um país também deve mudar. Ao escolher esse modelo, expressado aqui por meio do modelo de intensidade criativa, este trabalho busca contornar as dificuldades de delimitação e determinar, de acordo com a realidade da economia brasileira e suas características estruturais, onde se localizam as fronteiras da Ecic.

Como mencionado na introdução, o tema das indústrias criativas ganhou atenção no final da década de 1990 no Reino Unido. A lógica é que existe um potencial especial de crescimento econômico em setores que geram valor através da criatividade, especialmente com a crescente importância das atividades baseadas no conhecimento. Por seu papel pioneiro nessa discussão, o governo britânico também foi o primeiro a criar um debate sobre quais seriam as principais atividades econômicas dentro das indústrias criativas, por meio de seu Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS). Ao longo dos anos, essa classificação foi se tornando mais sofisticada, refletindo um fluxo crescente de inovação criativa que se estende por toda a economia, além de atividades tradicionalmente reconhecidas como indústrias criativas. O trabalho de Bakhshi, Freeman e Higgs (2013) trouxe uma forma mais sistemática de avaliar quais setores poderiam ser agrupados como intensos no trabalho criativo.

Seguindo essa metodologia, este trabalho adota a abordagem de determinação na qual os setores mais criativos são aqueles com maior percentual de trabalhadores criativos sobre o total de trabalhadores empregados. Trabalhadores criativos são definidos como aqueles empregados em ocupações que envolvem criação, inovação e diferenciação e que são realizadas com base nas capacidades intelectuais específicas do trabalhador individual. Para identificar os trabalhadores criativos de forma concreta, o modelo de intensidade criativa traduz esse conceito amplo em cinco critérios de avaliação.

O primeiro critério é a capacidade de engendrar novos processos: ou seja, resolver problemas ou atingir metas de forma inovadora, com o uso claro e frequente da criatividade. O segundo é ser resistente à mecanização, no sentido de que a atividade não pode ser realizada por uma máquina. O terceiro é a não repetição e não uniformidade de função. Mais diretamente, isso significa que, cada vez que a atividade é realizada, o processo de produção é diferente, dependendo das necessidades e dos contextos específicos da tarefa. O quarto critério é a contribuição criativa para a cadeia de valor: ou seja, a atuação do trabalhador em qualquer setor será inovadora e/ou criativa. Por fim, o trabalho produz interpretação, não mera transformação. O trabalhador realmente cria e inova, não apenas copiando, adaptando ou mudando a forma das coisas existentes.

O Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural aplicou os critérios supramencionados à realidade brasileira, mais especificamente nas observações da PNAD Contínua[4], e definiu os seguintes setores como criativos, os quais serão adotados neste trabalho: moda; atividades artesanais; editorial; cinema, rádio e TV; música; desenvolvimento de software e jogos digitais; demais serviços de tecnologia da informação; arquitetura[5]; publicidade e serviços empresariais; design; artes cênicas; artes visuais; e museus e patrimônio. As atividades e ocupações que compõem cada uma dessas categorias setoriais podem ser conferidas nos anexos deste artigo.

Metodologia de cálculo

Uma vez selecionadas as atividades econômicas e as ocupações setoriais, foram escolhidas as seguintes bases de dados para o cálculo: Relação Anual de Informações Sociais (Rais), Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), Pesquisa Anual de Comércio (PAC), Pesquisa Anual de Serviços (PAS), Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), Tabelas de Recursos e Uso (TRU) do IBGE para contabilização dos impostos e o histórico de prestação de contas da Lei Rouanet. Ao utilizar a Rais, nossa proposta é capturar a composição do tecido empresarial do setor cultural, já que ela cobre 97% das empresas formais brasileiras. A PNADc, por outro lado, cobre tanto o setor formal como o informal e será utilizada para medir a dimensão do emprego, possibilitando a mensuração da massa de salários, segundas remunerações e captura da informalidade do setor. Ao mesmo tempo, a base também será utilizada para calibrar o tecido empresarial do setor para a informalidade. As estatísticas sobre prestação de contas da Lei Rouanet nos ajudarão a entender melhor as dimensões não cobertas pelas duas outras bases de dados, a saber, a flexibilidade do emprego do tipo intermitente ou freelancer. A tabela 1 apresenta um resumo estatístico da amostra utilizada por cada base de dados.

Tabela 1 representa o resumo estatístico da amostra utilizada por cada base de dados

 

De acordo com as identidades básicas da contabilidade nacional, o PIB de um país pode ser calculado pela soma do valor monetário dos produtos, das rendas dos agentes econômicos ou das suas despesas. Desta forma:

PIB=DIB=RIB

Onde PIB é o Produto Interno Bruto da economia calculado pela ótica do produto, DIB é a atividade de uma economia mensurada pela ótica da despesa e RIB é a atividade de uma economia medida pela ótica da renda. Como mencionado anteriormente, devido ao baixo nível de desagregação, entre outros motivos, argumenta-se que a ótica da renda é uma via de cálculo pouco explorada e que pode, para a Ecic, ser uma solução para lidar com as nuances e características do setor.

De maneira simplificada, com a finalidade de calcular o PIB pela ótica da renda, é necessário contabilizar a remuneração do trabalho, o excedente operacional bruto (EOB) e os impostos sobre a produção. Nesse sentido, consideram-se as seguintes variáveis: salários – renda do trabalho[6]; aluguéis – renda das instalações físicas; lucro – renda sobre o processo de produção; impostos – renda do governo.

O PIB da Ecic pode ser representado da seguinte forma:

PIBscc=MS+ML+IMP+OR

Onde MS, ou massa salarial, é a soma dos salários dos empregados do setor; ML representa a massa de lucros, isto é, a soma dos lucros das empresas do setor; IMP corresponde aos impostos arrecadados pelo governo no setor; e, finalmente, OR agrupa as outras remunerações do setor, como é o caso daquelas oriundas da digitalização e da Lei Rouanet. A seguir, iremos explorar como cada um desses componentes foi calculado. Os detalhes de ponderações estatísticas mais específicas são apresentados nos anexos deste trabalho.

Massa salarial (remuneração do trabalho)

Conforme indicado pela literatura, devido à informalidade característica da economia brasileira, o uso da PNADc no lugar da Rais para inferir sobre a Ecic é crucial (DA SILVA; ZIVIANI, 2021). A Rais, por cobrir 97% das empresas formais brasileiras, vem sendo utilizada como um dos principais instrumentos para aferir sobre o mercado de trabalho das indústrias criativas no Brasil. Não obstante, seu uso como ferramenta principal de medição do setor gera uma série de problemas, sendo o maior deles sua falta de cobertura do setor informal. Dessa forma, a massa salarial (MS) da Ecic, ou a contribuição dos salários da Ecic para o PIB, foi calculada com base nas ocupações da Ecic presentes na PNADc[7]. Assim, devido à sua maior abrangência territorial e melhor cobertura das nuances do mercado de trabalho, a PNADc se destaca como uma base de dados sólida para capturar as dinâmicas do primeiro e segundo emprego.

Dessa forma, como      estratégia para calcular a MS, foram utilizados os fatores de expansão disponibilizados pela PNADc. Com isso, cada observação contida na base de dados da PNADc passa a representar um determinado número de pessoas, podendo o mesmo exercício ser aplicado para domicílios[8]. No caso particular deste trabalho, cada observação de uma determinada ocupação e seu respectivo salário representa um número xis de ocupações e seus respectivos salários[9]. A PNADc contém muitas opções de fatores de expansão; no entanto, em termos de descrição das variáveis que representam os fatores de expansão, elas não mudam de maneira significativa, o que dificulta o trabalho do investigador[10].

O gráfico 1 apresenta o comportamento da MS por trimestre entre os anos de 2012 e 2021. Observa-se claramente o grande impacto da pandemia de covid-19 nos salários do setor após o primeiro trimestre de 2020 e uma potencial recuperação a partir do último trimestre de 2021.

 

Gráfico da massa salarial trimestral da Ecic

 

Embora o valor absoluto da MS da Ecic mostre uma tendência de aumento em termos absolutos nos anos mais recentes, é importante observar que, em termos relativos, a tendência muda de maneira significativa, revelando certa volatilidade. Para o período de dez anos coberto pela PNADc, a MS da Ecic representou em média 0,19% do PIB nacional.

Segundas remunerações

Neste trabalho, as segundas remunerações também são calculadas através da PNADc. A variável V405012, descrita como “valor em dinheiro do rendimento mensal que recebia normalmente nesse trabalho secundário”, é a escolhida para cálculo das remunerações oriundas de um segundo emprego em atividades culturais e das indústrias criativas.

Devido às dificuldades de captura de certas características da Ecic nas pesquisas, argumentamos que é necessário o desenvolvimento de fatores de correção para ajustar as estatísticas obtidas pelas pesquisas à realidade do setor. Apesar da importância do trabalho intermitente ou freelancer e das segundas remunerações, essas remunerações representam, na média, segundo cálculos preliminares, tão somente 1,82% da MS da Ecic. Argumentamos que muitos trabalhadores exercem funções criativas como segundo emprego, isto é, ganham uma renda extra atuando na Ecic enquanto têm como trabalho principal um emprego num setor não relacionado. Além disso, muitos empregos dos setores criativos têm trabalhos intermitentes ou freelancer, que se caracterizam por uma alta informalidade e não são facilmente capturados pelas pesquisas.

O gráfico 2 demonstra o comportamento das segundas remunerações em cada trimestre no período de 2012 até 2021. Na média, as segundas remunerações representam 1,82% da massa salarial da Ecic.

Gráfico representa as segundas remunerações de acordo com a PNADc.

Nesse sentido, uma vez que entendemos que o valor das segundas remunerações não é propriamente coberto pela PNADc, um cenário ideal seria o de adicionar um fator de correção à fórmula de cálculo do PIB. Dito fator de ajuste poderia ser calculado com base nos dados da Lei Rouanet. Apesar disso, a base não foi pensada para tal função e, portanto, não tem variáveis necessárias para a realização de dito exercício, já que não foi incorporado, por exemplo, o ano em que foi coletada cada informação. Como consequência, a base de dados apenas não permite comparações de remunerações.

Massa de lucros [excedente operacional bruto (EOB)]

Para calcular a massa de lucros, utilizamos a Pesquisa Anual de Serviços (PAS) e a Pesquisa Industrial Anual – Empresa (PIA-Empresa), ambas do IBGE[11]. Tais pesquisas apresentam as estimações de receita bruta total das empresas segundo agrupamentos de setores específicos, em razão da ausência de amostra suficiente para estimar cada setor separadamente. A forma encontrada para estimar um valor de receita bruta apenas para os setores de interesse desta pesquisa é por meio da aplicação de dupla ponderação sobre o valor médio das receitas e despesas dos agrupamentos nos quais os setores culturais e das indústrias criativas estavam inseridos. As grandezas utilizadas para tal ponderação foram a massa salarial (soma dos salários) e a composição do tecido empresarial (tamanho das empresas) de cada setor presente nos agrupamentos no estado e ano correspondente. Para calcular a massa salarial e ponderação por tamanho das empresas, foram utilizadas as bases de dados da PNADc e da Rais para MS e tamanho das empresas, respectivamente.

Para calcular a ML[12], foi extraído o total de empresas da Ecic da Rais. Nesse sentido, podemos argumentar que o exercício em mãos é capaz de cobrir pelo menos 97% das empresas formais da Ecic. É importante notar que, além das características já mencionadas, a Ecic apresenta uma predominância de micro e pequenas empresas, conforme demonstrado no gráfico 3. Dito fato estilizado é de imprescindível importância para controlar a ML para outliers[13], já que valores para lucros muito altos no contexto de um setor com predominância de pequenas empresas podem distorcer consideravelmente os resultados do exercício. Como pode ser visto no gráfico 3, a participação de micro e pequenas empresas no setor supera de maneira considerável a participação das empresas de maior porte.

Gráfico 3 representa as Empresas da Ecic por porte

Por último, a não cobertura da informalidade gera dois efeitos sobre a ML. Primeiro, o número de empresas que constituem a Ecic diminui de forma significativa, o que coopera para que ocorra uma subestimação dos valores. Segundo, o lucro médio do setor acaba sendo superestimado, já que empresas formais têm maior probabilidade de obter lucros maiores. Conforme mencionado anteriormente, essas dificuldades foram contornadas com o uso de uma dupla ponderação.

Assim como no caso da MS, o cálculo da ML da Ecic é um dos pilares para compreender a contribuição do PIB da Ecic para o PIB nacional. Para o ano de 2020, a ML da Ecic representou cerca de 2% do PIB nacional. O gráfico 4 mostra a evolução da ML desde 2012.
 

Gráfico 4 representa a Massa de lucros da Ecic

Remunerações extraídas do digital

Apesar de sua crescente importância para a Ecic, o levantamento e a inserção nas contas nacionais dos dados de consumo de bens e serviços culturais e criativos digitais ainda são muito incipientes, especialmente nas estatísticas do PIB (MOREAU, 2022). Rey (2022) argumenta que existe também um campo inexplorado em termos de estatísticas no e-commerce para a economia digital, campo esse que ganhou força devido a uma tendência de “plataformização” dos bens e serviços oferecidos pela economia criativa e que vem gerando uma demanda aquecida pela monetização e disponibilização de bens e serviços culturais on-line. Todos esses fatores não são atualmente propriamente computados no cálculo do PIB dos setores criativos.

Uma das grandes dificuldades de mensurar o âmbito digital da Ecic está na característica de que muito do consumo desses bens não é pago pelo consumidor; em outras palavras, os serviços são oferecidos de graça, são trocados por dados dos consumidores (como no caso das plataformas digitais não transacionais) ou os consumidores são subsidiados pela compra de propaganda. Dessa forma, a menos que a ótica da renda seja aplicada, dificilmente o âmbito digital da Ecic será capturado no cálculo do PIB (MOREAU, 2022)[14].

O gráfico 5 mostra a participação das remunerações oriundas do digital. O baixo valor observado não está necessariamente relacionado à pouca relevância da digitalização na Ecic. Apontamos que as dificuldades de medição dessas remunerações são a principal causa do baixo valor observado. A Unesco (2022) destaca que, em 2020, 62,1% do total das receitas globais de música gravada veio de streaming, e as assinaturas de vídeo sob demanda ainda estão aumentando. Dessa forma, é seguro dizer que existe uma defasagem entre o que se produz e aquilo que pode ser contabilizado quando se trata das remunerações oriundas da digitalização, principalmente da parte cultural.

Gráfico 5 representa as rendas da digitalização

Além das remunerações já mencionadas, o gig economy, um tipo de trabalho intermitente que tem como característica a contratação e realização pela internet, é outra consequência da digitalização que o trabalho não foi capaz de medir por falta de dados. Nesse sentido, é necessário aumentar a cobertura e inovar em termos de coleta de dados estatísticos para conseguir enfrentar os desafios de medição impostos pela economia digital. Acordos entre plataformas digitais e governos poderiam gerar uma fonte de informação estatística adicional para os institutos de estatística.

Uma das grandes dificuldades de mensurar o âmbito digital da Ecic está na característica de que muito do consumo desses bens não é pago pelo consumidor; em outras palavras, os serviços são oferecidos de graça, são trocados por dados dos consumidores (como no caso das plataformas digitais não transacionais) ou os consumidores são subsidiados pela compra de propaganda.

Indicadores extraídos da Lei Rouanet

Os dados da Lei Rouanet[15] revelam um grande potencial, uma vez que a base de dados extraída permite a visualização de inúmeras atividades econômicas e modelos de contratação, sendo, assim, uma ótima via para cálculo do trabalho intermitente ou freelancer e para o desenvolvimento de uma proxy para os aluguéis (aluguel de equipamento de som, roupas, espaços de exposição etc.), tão importantes para a Ecic. A base de dados extraída conta com quase 600 mil observações e cobre o período que vai de 2009 até o primeiro semestre de 2022. O gráfico 6, abaixo, apresenta a distribuição dos valores de todas as categorias consideradas aluguéis na base de dados da Lei Rouanet[16].

Gráfico 6 representa os dados da Lei Rouanet, com dados extraídos do SalicNet.

 

Apesar da riqueza encontrada nos dados extraídos e da possibilidade de serem feitas análises ocupacionais e de desigualdade de acesso à cultura por região e município, a base de dados não proporciona ao pesquisador um ferramental adequado para certas comparações, como é o caso da comparação entre remunerações. Como mencionado anteriormente, os dados da Lei Rouanet foram introduzidos com o objetivo de demonstrar o seu potencial dessas informações, apesar das restrições metodológicas que apresentam, principalmente a falta de informações sobre a data.

Gráfico 7 representa os custos com aluguéis conforme dados da Lei Rouanet

A tendência de queda observada no gráfico 7 pode ser explicada pela falta de uma unidade temporal na base de dados das prestações de contas da Lei Rouanet. Como consequência, a simples média da soma dos aluguéis entre os anos de 2009 e 2022 não permite que identifiquemos qual valor corresponde aos respectivos anos. Desta forma, o valor dos aluguéis extraídos da base de dados se mantém fixo, enquanto o valor do PIB varia, devido a fatores como a inflação e o crescimento da economia brasileira. O valor fixo dos aluguéis representa menos com o passar dos anos.

Com a combinação de bases de dados, argumenta-se que seja possível o desenvolvimento de uma proxy para mensurar a massa de aluguéis da Ecic. Devido às limitações encontradas na base de dados da Lei Rouanet, o desenvolvimento da proxy fica como uma agenda de pesquisa. A análise dos dados da prestação de contas da Lei Rouanet mostra que as contratações do tipo intermitente ou freelancer[17] representam 32,8% de todas as contratações da base de dados e, em termos de valor, representam 32,65% da soma das prestações de contas.

Impostos sobre a Ecic (remuneração do governo)

Assim como no caso dos lucros, salários e aluguéis, que são remunerações, ao adotar a ótica da renda, é importante calcular a remuneração do governo extraída da Ecic. Essas remunerações são os impostos pagos pelos agentes econômicos do setor e os impostos incidentes no exercício de produção criativa e cultural. Desta forma, seriam os impostos pagos pelos trabalhadores e empresas e os impostos sobre produtos, serviços e a produção.

Os impostos sobre produtos são aqueles pagos por unidade do bem ou serviço, que incidem sobre a produção, venda, importação, ou quando o bem ou serviço é exportado, transferido, entregue ou mesmo destinado ao consumo próprio e à formação de capital próprio. Já os outros impostos sobre a produção abrangem os impostos sobre a mão de obra utilizada ou remunerações pagas e taxas incidentes sobre o exercício de atividades econômicas específicas[18].

Desta forma, são contabilizados os impostos[19] sobre: a remuneração dos empregados, formada pelos salários, pelas contribuições sociais efetivas e contribuições sociais imputadas; rendimento misto bruto; excedente operacional bruto; impostos sobre a produção e importação; e subsídios à produção e à importação (com sinal negativo)[20].

Para calcular a remuneração do governo, foram utilizadas como base de dados as Tabelas de Recursos e Usos (TRU), mais especificamente as tabelas nível 20 – 2010-2020 – nível de divisão da CNAE 2.0, disponibilizadas pelo IBGE[21]. A tabela mencionada possui informações desagregadas por CNAE e possibilita a obtenção de informações das relações setoriais entre os agentes da economia brasileira (governo, famílias e empresas). O gráfico 8, abaixo, demonstra a remuneração do governo desde 2012 oriunda da Ecic.

Gráfico 8 representa a remuneração do governo sobre a Ecic

 

Para o cálculo da remuneração do governo, foi extraído das TRU o total de impostos líquidos de subsídios para os setores de “artes, cultura, esporte e recreação[23]” e “informação e comunicação”. Como pode ser visto no gráfico 8, a arrecadação com a Ecic vem caindo nos últimos anos. Parte dessa queda pode ser explicada pelas políticas de austeridade colocadas em prática durante o governo Dilma, uma vez que a redução nos gastos públicos está associada a uma redução das receitas do governo (MELLO; ROSSI, 2017).

Resultados

O gráfico 9 apresenta o resultado do exercício de mensuração do PIB da Ecic desagregado pela massa salarial, massa de lucros, remuneração do governo, aluguéis (Lei Rouanet) e remunerações extraídas do setor digital. Os valores apresentados são relativos ao PIB nacional a preços de mercado[24]. Como pode ser observado, o PIB da Ecic seguiu de perto a dinâmica da economia brasileira. Assim como no caso da economia brasileira, após 2015 o setor sofreu uma queda relativamente forte – derivada das políticas de austeridade e do consequente período de recessão –, seguida de um período de recuperação.

Gráfico 9 representa o PIB da Ecic

 

A massa de lucros e os impostos representam uma parte significativa do PIB da Ecic. Argumentamos que essa dinâmica é uma consequência das características do setor, como é o caso da presença de pequenas empresas sem empregados e MEIs[25], e das dificuldades de mensuração já apontadas por este estudo. Em outras palavras, a baixa representação das segundas remunerações, aluguéis e remunerações extraídas do digital de certa forma distorce a composição e valor[26].

Além do PIB nacional, é muito comum o cálculo do PIB para segmentos menores de uma economia, como é o caso do cálculo do PIB dos estados e municípios, que no Brasil é feito pelo IBGE. Nesse sentido, os estados já conhecidos pela literatura se destacaram como os principais em termos de participação. O estado de São Paulo aparece como um outlier nesse contexto, já que sua participação no PIB da Ecic supera de maneira considerável a participação dos outros estados. Os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul se destacam como o segundo grupo, já que sua participação é percentualmente muito próxima.

Gráfico 10 representa a estimação do PIB da Ecic por estado

 

Conclusões e recomendações

Como visto anteriormente, a contribuição da Ecic para o PIB nacional representa aproximadamente 3,1% para o ano de 2020. Para 2022, argumenta-se que a recuperação pós-pandemia do setor fará com que a representação deste aumente, o que pode ser interpretado como uma contribuição sólida para o crescimento da economia brasileira. No entanto, e apesar dos avanços em matéria de reconhecimento da importância da Ecic nos últimos anos, o presente estudo mostra que esses avanços não necessariamente se traduziram em melhores estatísticas para o setor.

a baixa representação das segundas remunerações, aluguéis e remunerações extraídas do digital de certa forma distorce a composição e valor.

Não obstante seus melhores esforços, os pesquisadores da economia criativa acabam trabalhando com dados não tão precisos ou inexistentes, o que pode dar lugar a uma má formulação de políticas de fomento para o setor ou contribuir para maiores taxas de desemprego e informalidade. Como solução aos desafios estatísticos e metodológicos revelados por este estudo está a colaboração entre Estado e setor privado na produção de dados para melhor entender a Ecic.

Ao utilizar uma abordagem que inclui vários aspectos novos para o cálculo do PIB da Ecic, buscamos abrir uma nova frente de pesquisa na literatura do setor e, assim, fugir ou aprimorar o que vem sendo feito nos últimos anos pelos pesquisadores dessa área. As recomendações originadas a partir desse exercício são fruto das limitações encontradas durante sua realização, que neste caso se concentram nas limitações de dados, seja por não disponibilidade ou por disponibilização não adequada à pesquisa econômica.

  • É muito importante para a Ecic a disponibilização de microdados sobre receitas e lucros, isto é, tornar público o acesso a dados muitas vezes já coletados pelas pesquisas existentes sobre esses itens.
  • Disponibilizar e organizar uma base de dados sobre a prestação de contas da Lei Rouanet poderia agregar muito valor ao setor, criando uma ótima ferramenta para pesquisas sobre a Ecic. Entre as muitas aplicações possíveis está a do uso desses dados como ferramenta para identificar desigualdades de acesso à produção cultural.
  • A informalidade na Ecic requer especial atenção, pois se trata de uma característica intrínseca que muitas vezes é o padrão de relacionamento entre os atores, e não uma condição, como visto em outros setores.
  • A digitalização da Ecic avançou a passos largos nos últimos anos; ao mesmo tempo, também vem avançando a participação das rendas oriundas do digital no PIB da Ecic. No entanto, a capacidade de gerar estatísticas sobre as transações realizadas no âmbito digital não acompanhou esse desenvolvimento. Dessa forma, um esforço de mapeamento dessas transações poderia contribuir de maneira significativa para uma melhor mensuração do PIB do setor e compreensão das transformações derivadas da digitalização.
  • O esforço mencionado anteriormente também é relevante para compreender e mensurar as exportações do setor, principalmente aquelas feitas através de plataformas digitais (streaming, freelancer etc.).
  • É clara a predominância das MPMEs na Ecic. Formuladores de políticas devem ter uma especial atenção nessas empresas durante o processo de formulação de políticas.
  • No que tange aos dados de Imposto de Renda (IR) desagregados por CNAE, foi encontrada uma grande diferença entre a descrição das informações disponíveis e a base de dados disponibilizada pelas agências oficiais e tão importantes para esse exercício. Desta forma, uma melhor disponibilização desses dados poderia melhorar a capacidade de mensuração do PIB Ecic.
  • Acordos entre governos e plataformas digitais podem ajudar a mapear o gig economy[27] e remunerações oriundas de streaming, plataformas de e-learning etc. que vêm revolucionando as relações no setor.
Imagem com papéis coloridos que forma uma grande construção.
Museu - Obra de Adriano Catenzaro (imagem: Adriano Catenzaro)

 

Como citar este artigo

VALIATI, Leandro et al. Produto Interno Bruto da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas: uma abordagem pela ótica da renda. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 34, 2023.

 

Leandro Valiati é economista e ph.D. em desenvolvimento econômico, com pós-doutorado em indústrias criativas pela Universidade Sorbonne Paris 13 (França). Atualmente é professor de indústrias culturais e criativas na Universidade de Manchester, no Reino Unido. Mantém posições como professor licenciado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, Brasil), professor visitante na Universidade Queen Mary de Londres (Reino Unido) e na Universidade Sorbonne Paris 13 (França). 

Filipe da Silva Lang, pesquisador da Catavento Pesquisas, é formado em economia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e mestre em economia da indústria e da inovação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Gustavo Möller, sócio-fundador da Catavento Pesquisas, é bacharel em relações internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre e doutorando em estudos estratégicos internacionais na mesma instituição. Atua como consultor na área de economia criativa e da cultura desde 2014. 

Eduardo Saron é presidente da Fundação Itaú para Educação e Cultura.

 

ANEXOS

Anexo A – Bases de dados utilizadas

 

Relação Anual de Informações Administrativas (Rais)

A pesquisa fornece informações sobre a atividade trabalhista formal no país, com dados relacionados a empresas e trabalhadores. Os dados coletados são fornecidos pelos empregadores e pessoas jurídicas, em regime anual. As bases de dados são apresentadas de duas formas diferentes: a partir da ótica dos empreendimentos e dos trabalhadores assalariados. A Rais, por cobrir 97% do emprego formal brasileiro, vem sendo utilizada como um dos principais instrumentos para aferir sobre o mercado de trabalho da cultura no Brasil. Não obstante, seu uso como ferramenta principal de medição do setor gera uma série de problemas, sendo o maior deles sua falta de cobertura do setor informal. Por esse motivo, Da Silva e Ziviani (2021) argumentam que a PNAD seria o instrumento mais adequado para medir o mercado de trabalho do setor da cultura.

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc)

A PNADc substituiu a aplicação da PNAD Anual, encerrada em 2015, e busca acompanhar indicadores populacionais e sobre o mercado de trabalho formal e informal no país. Essa pesquisa possui periodicidade trimestral para a divulgação padrão e com maior conjunto de indicadores, todavia existem publicações mensais, anuais e variáveis que complementam as informações trazidas pela pesquisa.

Devido a sua maior abrangência territorial e melhor cobertura das nuances do mercado de trabalho, a PNADc se destaca como uma base de dados sólida para capturar as dinâmicas do primeiro e segundo emprego, assim como as respectivas horas trabalhadas, tão necessárias para o mapeamento e cálculo dos salários obtidos no setor cultural. Ao combinar duas bases de dados com cobertura nacional dos empregados formais, espera-se obter uma medida mais acurada dos salários recebidos no setor. Ao mesmo tempo, o uso da PNADc gera a possibilidade de captura das remunerações suplementares, isto é, trabalhadores com ocupação principal em outro setor, mas com segunda ocupação no setor cultural.

Pesquisa Anual de Comércio (PAC)

A Pesquisa Anual de Comércio (PAC)[28] existe desde 1988 e tem como unidade de investigação a empresa comercial formalmente constituída cuja principal fonte de receita é a atividade comercial. Seu objetivo principal é levantar informações sobre as características estruturais básicas das empresas que sobrevivem da atividade comercial. São levantadas as seguintes informações econômico-financeiras: receitas bruta e líquida; margem de comercialização; número de empresas e de unidades locais; pessoal ocupado; gastos com pessoal; despesas financeiras, operacionais e não operacionais; compra e estoques de mercadorias para revenda; aquisições e baixas do ativo imobilizado, entre outros aspectos. A periodicidade da pesquisa é anual. Sua abrangência geográfica é nacional, com resultados divulgados para Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação.

 

Pesquisa Anual de Serviços (PAS)

A Pesquisa Anual de Serviços (PAS)[29] é divulgada anualmente e tem como objetivo o levantamento de informações do segmento empresarial da prestação de serviços não financeiros no país. Assim como no caso da PAC, a PAS investiga única e exclusivamente a empresa formalmente constituída cuja principal fonte de receita seja a prestação de serviços não financeiros.

A PAS foi lançada em 1998 com o objetivo de suprir os dados necessários à caracterização da estrutura da prestação de serviços não financeiros no país, excetuando-se saúde e educação. Atualmente, a pesquisa investiga empresas que atuam nos seguintes setores, formados a partir do agrupamento de classes da CNAE 2.0: serviços prestados principalmente às famílias; serviços de informação e comunicação; serviços profissionais, administrativos e complementares; transportes, serviços auxiliares dos transportes e correio; atividades imobiliárias; serviços de manutenção e reparação; e outras atividades de serviços.

As informações econômico-financeiras levantadas pela pesquisa são: receitas bruta e líquida; número de empresas; pessoal ocupado; gastos com pessoal; despesas financeiras, operacionais e não operacionais; aquisições e baixas do ativo imobilizado, entre outros aspectos. Sua abrangência geográfica é nacional, com resultados divulgados para Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação.

 

Lei Rouanet – Lei Brasileira de Incentivo à Cultura

A Lei Rouanet (Lei no 8.313/91) é conhecida como o principal mecanismo de fomento à cultura do Brasil e instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). Para cumprir esse objetivo, a lei estabelece as normativas de como o governo federal deve disponibilizar recursos para a realização de projetos artístico-culturais.

 

Digital – Ecad, streaming e direitos de propriedade

Os dados utilizados para o cálculo das remunerações oriundas do digital foram extraídos do Ecad, da base de dados da World Intellectual Property Organization (Wipo), das Contas Nacionais e das remessas do Bacen.

O Ecad exerce a função de elo que conecta compositores, intérpretes, músicos, editores e produtores fonográficos aos canais e espaços que consumidores utilizam para escutar música. O Ecad possui um dos maiores bancos de dados de obras musicais da América Latina, reunindo 16 milhões de obras musicais, 13 milhões de fonogramas e 305 mil obras audiovisuais[30].

 

Anexo B – Setores e categorias da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas por fonte de dados

Quadro 1 representa os setores criativos e categorias setoriais derivadas
Quadro 2 representa as ocupações criativas e categorias setoriais derivadas
Quadro 3 representa os códigos CNAE 2.0 e categorias setoriais derivadas.
Quadro 4 representa os agrupamentos da PAS e da PIA que incluem um ou mais setores criativos
Quadro 5 representa a equivalência entre setores PAS/PIA e categorias setoriais derivadas

 


[1] O nível de desagregação dos dados refere-se a quanto do dado bruto original é disponibilizado para consulta. Dados com nível de desagregação alto são aqueles em que é possível acessar unidades menores de dados, enquanto os de desagregação baixa são aqueles em que somente é possível acessar unidades maiores.

[2] Valiati e Morrone (2014) definem a atividade cultural como um conjunto de produtos e atividades humanas cuja principal finalidade seja criar, expressar, interpretar, conservar e transmitir conteúdos simbólicos.

[3] Adicionalmente, parte da produção cultural não é precificada, mas se caracteriza pela geração de encadeamentos, como é o caso de exposições de arte em museus, movimentos culturais independentes etc. Navarrete (2022) destaca também a contribuição econômica, porém não precificada ou contabilizada, da produção cultural presente nos repositórios on-line, museus on-line etc., enquanto Sacco (2022) discute sobre a incapacidade do Sistema de Contas Nacionais tradicional em capturar as novas produções culturais produzidas através das mais distintas plataformas digitais existentes.

[4] Cauzzi (2019) demonstra que utilizar a Rais como principal instrumento para medir a intensidade criativa da economia brasileira, por não retratar em seus dados o trabalho informal ou autônomo, configurações de trabalho comuns nas ocupações culturais e criativas, acaba enviesando os resultados do exercício de determinação da intensidade criativa. Nesse sentido, a PNAD Contínua, pesquisa realizada pelo IBGE, apresenta a vantagem de captar o trabalho informal juntamente com o formal.

[5] Relembra-se que a arquitetura, no nível de desagregação disponível, está contabilizada juntamente com os serviços de engenharia, de atividades técnicas relacionadas à arquitetura e à engenharia e de testes e análises técnicas (quadro 2). Como os arquitetos fazem parte do grupo de trabalhadores criativos e os engenheiros não fazem parte, espera-se que o setor de arquitetura, separadamente, possua uma intensidade mais alta do que o setor de engenharia.

[6] Além das variáveis mencionadas, os juros, renda do capital, deveriam ser inseridos no cálculo. No entanto, as bases de dados atuais não permitiram a inclusão dessa variável.

[7] A PNADc substituiu a aplicação da PNAD Anual, encerrada em 2015, e busca acompanhar indicadores populacionais e sobre o mercado de trabalho formal e informal no país. Essa pesquisa possui periodicidade trimestral para a divulgação padrão e com maior conjunto de indicadores, todavia existem publicações mensais, anuais e variáveis que complementam as informações trazidas pela pesquisa. A PNAD e a PNADc vêm sendo utilizadas amplamente para estudos sobre o mercado de trabalho da indústria criativa e cultura (FERREIRA NETO; FREGUGLIA; FAJARDO, 2012; DA SILVA; ZIVIANI, 2021; OLIVEIRA; ARAÚJO; SILVA, 2013; MACHADO et al., 2021).

[8] Informação detalhada sobre as variáveis pode ser encontrada no dicionário da PNADc: dicionario_das_variaveis_microdados_PNADC_maio_2015.xls (live.com).

[9] Os fatores de expansão disponibilizados pela PNADc são calculados em nível dos municípios, isto é, a distribuição nacional é a soma das distribuições em nível de municípios.

[10] A expansão da amostra foi feita através da variável V1028, que tem como descrição e referência técnica os seguintes textos: peso do domicílio e das pessoas 6 dígitos e 8 casas decimais; e peso trimestral com correção de não entrevista com calibração pela projeção de população.

[11] Na PAS, foi utilizada a soma da receita bruta de prestação de serviços, de revenda de mercadorias e de outras atividades. No caso da PIA-Empresa, foi utilizada a receita total para empresas industriais.

[12] Infelizmente os dados atualmente em domínio público não permitem uma análise mais elaborada da relação entre lucros e tamanho das empresas da Ecic, já que não é possível discriminar lucros pelo tamanho das empresas com as bases de dados utilizadas neste estudo.

[13] Um valor que foge da média ou é atípico para a série apresentada, podendo representar prejuízo à interpretação dos resultados. O controle de outliers foi feito através do método winsorization, e mais detalhes podem ser encontrados no anexo deste documento. Winsorization refere-se à alteração do valor de um outlier pelo valor da observação mais próxima que não é um outlier. No caso de valores muito altos, embora seja possível que a remuneração de um indivíduo seja tão elevada, como é o caso de um artista de renome, essa única observação não é representativa no que diz respeito ao universo.

[14] Ao mesmo tempo, bens culturais ou tecnológicos, como músicas e repositórios na internet, geram mais valor do que o que se pode estimar à primeira vista. Em outras palavras, o benefício social desses bens não é contabilizado nos cálculos do PIB. E é de suma importância o desenvolvimento de ferramentas e iniciativas para melhor mensurar a contribuição desses bens e serviços para a atividade econômica (BRYNJOLFSSON; COLLIS, 2019).

[15] Para extrair os dados da Lei Rouanet, foi utilizada uma ferramenta chamada web scraping (raspagem de dados), em que é feita uma extração de dados da web. O uso dessa ferramenta foi necessário devido à inexistência de uma base de dados estruturada.

[16] Para chegar ao formato de distribuição apresentado no gráfico 6, os valores foram “winsorizados” para controle de outliers através de cortes nos centis 1 e 99.

[17] Foram consideradas como contratação intermitente ou freelancer as contratações classificadas na base de dados como cachê, projeto ou serviço.

[18]Disponível em: https://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Sistema_de_Contas_Nacionais/Notas_Metodologicas_2010/19_margens_e_impostos_20200928.pdf. Acesso em: 11 dez. 2022.

[19] Fontes de informação e tipos de impostos recopilados: Imposto de Importação e Exportação; IPI; Imposto de Renda; IOF; Cofins; PIS/Pasep CSLL; CPMF; Outras Receitas Administradas pela RFB. Fontes de informação: STN; SiafiI; FGTS; Sesc; Sesi; Senai; Senac; DIPJ; Cempre (IBGE); Finbra.

[20] Além dos impostos supracitados, é importante medir a arrecadação do Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF) das atividades econômicas da Ecic. Infelizmente, apesar de estar presente no site do governo brasileiro), existe (https://dados.gov.br/dados/conjuntos-dados/resultado-da-arrecadacao ) em poucos dados sobre esse tipo de arrecadação.

[21] Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/servicos/9052-sistema-de-contas-nacionais-brasil.html?=&t=resultados. Acesso em: 13 dez. 2022.

[22] Disponível em: https://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Sistema_de_Contas_Nacionais/2017/indice_de_tabelas.pdf. Acesso em: 13 dez. 2022.

[23] O nível 20 de desagregação das TRU não permite a separação entre artes, cultura, esportes e recreação. Para tanto, seria necessário utilizar tabelas mais desagregadas, o que demandaria um esforço empírico e de tempo que foge ao escopo de tempo deste trabalho.

[24] Sistema de Contas Nacionais Trimestrais | IBGE.

[25] A presença de Microempreendedores Individuais (MEI) no setor infelizmente não pode ser medida com as bases de dados utilizadas neste estudo.

[26] Em 2020, o PIB da Ecic foi composto da seguinte forma, em ordem decrescente: massa de lucros (2,04%); impostos (0,86%); massa salarial (0,20%), digital (0,01%) e Lei Rouanet (0,0001%).

[27] O gig economy, ou trabalho intermitente, é uma das novas modalidades de emprego que estão ganhando força e impactando os mercados de trabalho ao redor do mundo, mas há anos está totalmente integrado na Ecic. Para alguns profissionais da Ecic, o trabalho intermitente é um complemento a uma remuneração principal que não necessariamente é oriunda de uma ocupação cultural ou criativa. No caso de atores, músicos, técnicos de TI e desenvolvedores, entre outros profissionais, a remuneração intermitente, na média, se caracteriza como sua principal fonte de renda. Desta forma, o gig economy pode ser utilizado por profissionais que buscam uma renda suplementar, empregos temporários durante períodos de transição laboral e flexibilidade. Em muitos casos, esse trabalho é desempenhado por meio de plataformas digitais que fazem a conexão entre empregadores, trabalhadores e clientes. Apesar da flexibilidade laboral e das oportunidades de empreendedorismo, a instabilidade nas remunerações e a ausência de direitos fazem com que esse tipo de trabalho seja caracterizado pela informalidade e receba status de precarização.

[28] Disponível em: Pesquisa Anual de Comércio | IBGE. Acesso em: 12 dez. 2022.

[29] Disponível em: Pesquisa Anual de Serviços | IBGE. Acesso em: 12 dez. 2022.

[30] Informação retirada do site do Ecad. Disponível em: https://www4.ecad.org.br/. Acesso em: 13 dez. 2022.

 

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