Revista Observatório 32 | O papel da juventude na comunicação e na luta indígena por direitos ambientais e culturais
Alice Pataxó discute o papel da juventude na comunicação e na luta indígena por direitos ambientais e culturais
Publicado em 14/06/2022
Atualizado às 10:15 de 15/08/2022
por Alice Pataxó
A luta nunca cessou e a juventude sempre esteve nela. Ainda crianças, vivemos a dura realidade da busca pelo direito à resistência, a cuidar da terra; um novo momento nos chama, e a juventude indígena se levanta.
A presença indígena nas lutas ambientais e por direitos humanos no Brasil sempre foi uma realidade. Nossas lideranças sempre estiveram à frente na garantia da resistência dos povos, e, com o passar dos anos, é cada vez mais comum enxergarmos também a juventude nesse papel. Parafraseando o saber pataxó: se não forem os jovens a lutar e a aprender, quem no futuro ocupará o lugar dos grandes líderes de hoje?. Nessa união e nesse ativismo, há muito mais da sabedoria dos povos do que se imagina. A coletividade é força e esperança, ferramentas importantes na luta de um ativista.
Parafraseando o saber pataxó: se não forem os jovens a lutar e a aprender, quem no futuro ocupará o lugar dos grandes líderes de hoje?
A juventude indígena que tem descolonizado a rede e se conectado com o mundo conta uma história diferente da que o Brasil contou, dando força às suas comunidades e educando novos grupos indigenistas, uma comunicação necessária em um país que oculta a realidade da vida de quem mora na mata. Nos últimos anos, vieram à tona escândalos ligados aos povos esquecidos e violentados por um sistema que consome suas terras indevidamente. A pandemia intensificou ainda mais as brigas territoriais. Enquanto os povos tentavam se isolar e evitar o vírus da covid-19, o Estado se reunia para derrubar direitos já garantidos, reinventando e implementando leis inconstitucionais – muitas delas derrubadas pela mobilização desses povos, fazendo uso da comunicação em tempo recorde. As dores foram muitas, mais de 68 mil indígenas foram infectados e 1.287 foram a óbito, segundo dados de março de 2022 da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Diante desse cenário e da necessidade do distanciamento, a tecnologia se tornou porta-voz dessa luta.
Os jovens conectados que falavam da luta de seus povos ganharam notoriedade em todo o país, e com eles surgiram novas iniciativas: conselhos de juventude, congressos e associações em vários territórios, que recebiam doações para garantir a alimentação das famílias cujas atividades de sustento haviam sido suspensas pela pandemia. A tecnologia, que já era grande aliada, se tornou ainda mais importante nesse processo, e as redes sociais começaram a ser pintadas de jenipapo e urucum e a reunir cada vez mais cocares nas telinhas.
Nesses espaços, ecoam agora os pensamentos, os debates e as ideias desses povos de um mundo melhor, mais justo e mais limpo
Nesses espaços, ecoam agora os pensamentos, os debates e as ideias desses povos de um mundo melhor, mais justo e mais limpo. Grande parte dessa comunicação se dirige ao futuro, como um registro do que se tem feito para mudar o cenário de destruição atual e para reduzir o processo de aquecimento global de que tanto nos alertam os cientistas. Uma luta que, como já se deixou claro, é de toda a sociedade, de todos os cantos do mundo, mas que conta com o apoio e as ideias indígenas para "adiar o fim do mundo".[1] A luta política pelos direitos ambientais também é do interesse de quem vive na cidade. A floresta e os seus guardiões agem contra o desmatamento e o garimpo, mas as cidades estão lidando com as enchentes e com o avanço do nível do mar, uma tragédia anunciada há muito tempo.
O ativismo indígena abraçou a comunicação com força e vontade tremendas de mudar o mundo, e assim passamos a ver, cada vez mais, os nossos jovens fazendo denúncias e participando de debates importantes sobre o clima. Em 2021, o mundo assistiu à maior presença indígena brasileira da história na 26ª conferência das Nações Unidas sobre mudança do clima (COP26). Realizado em Glasgow, na Escócia, o evento trouxe discussões e propostas para mudar a realidade do planeta. Os povos indígenas, em sua maioria representados ali pelos jovens, foram em busca do comprometimento com as florestas do nosso país e com a defesa dos biomas.
O ativismo indígena abraçou a comunicação com força e vontade tremendas de mudar o mundo, e assim passamos a ver, cada vez mais, os nossos jovens fazendo denúncias e participando de debates importantes sobre o clima
Txai Suruí, a primeira indígena a participar da abertura de uma COP, foi uma dessas vozes. Trazendo questões importantes em seu discurso, ela deixou claros os objetivos de quem viajou de tão longe em busca de respostas e soluções para frear o aquecimento da Terra e garantir a existência e a resistência desses povos, com suas línguas e culturas vivas.
Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui. Nós temos ideias para adiar o fim do mundo. Vamos frear as emissões de promessas mentirosas e irresponsáveis; vamos acabar com a poluição das palavras vazias e vamos lutar por um futuro e um presente habitáveis.
É necessário sempre acreditar que o sonho é possível. Que a nossa utopia seja um futuro na Terra.[2]
São vozes agora gravadas, registradas em versos e textos com traduções disponíveis, na intenção de que qualquer pessoa possa acessar o conhecimento e a luta desses povos, encontrando nos jornais e nas redes ou ouvindo de terceiros.
Hoje, aquela história escrita que sufoca a verdade e silencia a dor dos que sofreram no passado encontra, nas artes, nas telas e nas letras, uma realidade por séculos escondida, queimada e esquecida. A comunicação tem um papel fundamental ao levar informação, resolver conflitos e compartilhar sabedorias, e não é diferente dentro dos movimentos sociais. No movimento indígena, as muitas línguas maternas deste país não nos distanciam, mas nos aproximam, uma vez que pequenas barreiras de idioma não são o que desestrutura uma luta. O Brasil tem atualmente mais de 150 línguas indígenas, de diferentes povos e troncos linguísticos, e, ainda assim, existe uma luta forte e unificada. A comunicação não é exclusividade de quem veio de fora e pisou nesta terra; a imposição de uma língua estranha, sim. Seja na sua língua materna ou no português, agora, a comunicação desses povos também conta com a tecnologia das redes sociais e dos aplicativos diversos.
A comunicação não é exclusividade de quem veio de fora e pisou nesta terra; a imposição de uma língua estranha, sim. Seja na sua língua materna ou no português, agora, a comunicação desses povos também conta com a tecnologia das redes sociais e dos aplicativos diversos.
Mas vale lembrar: isso não os torna menos indígenas. A juventude que se reinventou na militância aderiu à tecnologia usando-a a seu favor, em uma luta mais antiga que seus próprios pais: aquela pela vida, pelo direito de viver e de ser quem são; uma busca incessante para que, no futuro do mundo, as novas gerações contemplem a beleza da floresta e possam se sentir parte do todo sem mudar de jeito, de corpo, de pintura ou de cocar.
como citar este artigo
PATAXÓ, Alice. O papel da juventude na comunicação e na luta indígena por direitos ambientais e culturais. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 32, 2022. Disponível em: [url]. Acesso em: [data_atual]. DOI: https://www.doi.org/10.53343/100521.32/7
Alice Pataxó é ativista e comunicadora indígena do povo Pataxó no extremo sul da Bahia. Atualmente, cursa o bacharelado interdisciplinar em humanidades da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). É embaixadora da WWF-Brasil e uma das jovens indígenas no papel de levar informação às redes sociais.