por Sérgio Branco
Resumo
A internet faz parte de nossas vidas há pelo menos 20 anos. Contudo, nem sempre da mesma forma. Teóricos do assunto apontam ao menos três ondas de desenvolvimento da internet comercial, popularmente chamadas de web 1.0, web 2.0 e web 3.0. Neste texto, vamos apresentar os principais elementos de cada uma delas, olhando ainda brevemente para o futuro e os dilemas que precisamos enfrentar.
Introdução
Quando pensamos na internet, o que nos vem à mente em primeiro lugar são muito provavelmente redes sociais e aplicativos para todo tipo de atividade. E, mesmo para pessoas que, como eu, chegaram à vida adulta antes do advento da internet comercial, é estranho pensar em um mundo no qual essa tecnologia não estava à nossa disposição. A verdade é que nos acostumamos rapidamente a novas dinâmicas sociais e o mundo pretérito acaba por se embaçar numa névoa de esquecimento. Como era sua vida antes do Google?
Nosso objetivo com este texto é, portanto, apresentar um breve panorama da internet diante dos marcos conceituais de sua evolução. Assim, trataremos das chamadas web 1.0, 2.0 e 3.0, apresentando suas principais características e como foram capazes de impactar o mundo à sua volta. Sabemos, contudo, que historicamente a internet é uma tecnologia recente e que ainda vai passar por inúmeras transformações que, por sua vez, trarão novas ondas de avanço e de incertezas. Por isso, encerramos o texto com algumas das questões que teremos de enfrentar no futuro breve.
A web 1.0
A web 1.0 é a internet comercial em seus primeiros anos, na década de 1990 – quem viveu lembra. O conteúdo era estático, institucional e unidirecional. Ou seja, naquele momento histórico, as páginas da internet eram oferecidas no mesmo modelo de acesso para qualquer tipo de informação ou conteúdo – de poucos para muitos. É possível fazer um paralelo com a indústria da arte. Até então, as editoras de livros, as gravadoras e as produtoras de filme escolhiam as obras que estariam à disposição do público, limitado a consumi-las. Tratava-se de um caminho de mão única.
O conteúdo era estático, institucional e unidirecional. Ou seja, naquele momento histórico, as páginas da internet eram oferecidas no mesmo modelo de acesso para qualquer tipo de informação ou conteúdo – de poucos para muitos
Pedro Bento compara a web 1.0 a uma grande biblioteca. Segundo o autor, até cerca de 2004, a rede funcionava essencialmente de forma unidirecional e para leitura, sendo, grosso modo, estática e fundamentalmente assentada “numa dinâmica de páginas que permitiam aceder a outras páginas”.[1] Ele comenta ainda:
Assim, este universo funcionava muito à base de hiperligações que levavam o utilizador de uma página estática para outra, não sendo possível fazer mais nada que não fosse ler ou olhar para as imagens (CORMODE e KRISHNAMURTHY, 2008). Daí a grande popularidade de portais como o MSN ou o Sapo, onde era possível consultar o tempo, as principais notícias ou os resultados desportivos. Vivia-se a prática de uma sociedade de informação, onde a rede servia para retirar conteúdos e o utilizador era um mero espectador (GIL, 2014). A web funcionava no mesmo sistema da televisão, ou seja, a informação fluía apenas num sentido. Se, como iremos ver, os social media podem ser comparados ao convívio em cafés, bancos de jardim ou bares, a web 1.0 assemelha-se a uma ida à biblioteca: podemos ler tudo o que quisermos, mas é preciso manter o silêncio.
Como se percebe, tratava-se de uma era caracterizada pela não interação entre os usuários da rede. Dentre os principais serviços que podemos identificar com a web 1.0 estão Altavista, Geocities, Cadê, Hotmail, Dmoz, Yahoo! e Google.[2]
A web 2.0
O termo web 2.0 foi concebido por Dale Dougherty e Tim O’Reilly[3] quando, em 2004, eles perceberam que muitas novas funcionalidades da internet estavam modificando substancialmente a experiência do usuário na rede mundial de computadores.[4] A principal característica da web 2.0 é a produção de conteúdo por parte do usuário.
Para Pedro Bento, na web 2.0 “não existe uma delimitação entre o produtor e o consumidor de conteúdo, assistindo-se a uma aglutinação dos dois papéis por parte do utilizador comum”. Trata-se, portanto, de “uma rede de leitura e de escrita, ligada às plataformas que permitem a partilha de informação, design centrado no utilizador e colaboração entre todos os que frequentam a rede (HIREMATH e KENCHAKKANAVAR, 2016)”.[5]
Datam dessa época o surgimento das redes sociais (como o Orkut, que começa a operar em 2004 e que nesse mesmo ano alcança a marca de 700 mil usuários no Brasil)[6] e a prática de publicar em blogs,[7] que eram diários virtuais, com a paradoxal diferença de que eram públicos, disponíveis, na maioria das vezes, para qualquer pessoa que os acessasse na internet. Também podemos associar à web 2.0 a criação de projetos de conteúdo colaborativo, como a Wikipédia.
Datam dessa época o surgimento das redes sociais e a prática de publicar em blogs, que eram diários virtuais, com a paradoxal diferença de que eram públicos, disponíveis, na maioria das vezes, para qualquer pessoa que os acessasse na internet
A web 3.0
A web 3.0 “não é uma reinvenção, mas antes uma progressão, melhoramento ou otimização das ferramentas e canais que já existem”,[8] afirma Pedro Bento. E segue:[9]
Esta nova geração da internet vai assentar em tecnologias já implementadas, alterações em tecnologias existentes e outras que irão ser ainda criadas. A chave que abre esta nova porta tecnológica prende-se com colocar as máquinas a “perceber” os conteúdos, em vez de apenas os mostrar, isto é, que as máquinas aprendam o que os utilizadores querem e sugiram a informação adequada para o que estes procuram (MIRANDA, ISAÍAS e COSTA, 2014). Com efeito, a denominada “web inteligente” vai resolver a falta de estrutura e organização da web 2.0, ligando a informação de fontes e sistemas díspares para assegurar um cenário mais eficiente, valioso e amigo do utilizador (YEN, ZHANG e PARK, 2015).
É muito comum que a web 3.0 seja referida como "web semântica”, justamente porque o que se busca com ela é dar sentido aos dados e às informações dispostos de modo aleatório na web 2.0. Para Eduardo Magrani, a web 3.0 usará a internet para cruzar dados. Assim, “informações poderão ser lidas pelos dispositivos e estes conseguirão fornecer informações mais precisas”.[10] Para o autor, embora o conceito de web 3.0 seja fluido e incerto, “já apresenta algumas características que o distinguem das ondas anteriores. A principal delas são os novos polos de conexão, em que objetos interagem com pessoas e também com outros objetos; por isso a relação com a ideia de internet das coisas”.[11] E afirma:[12]
Com a internet semântica, os dispositivos serão capazes de obter e interpretar as informações fornecidas pelos usuários. Agregando essas informações pessoais, as plataformas poderão individualizar os resultados. Exemplificando: mesmo que duas pessoas façam uma pesquisa usando os mesmos termos, os resultados serão diferentes, pois a busca levará em conta também o histórico e o contexto de cada indivíduo. A web 3.0 e a internet semântica se sustentarão nas enormes bases de dados que serão criadas conforme os clientes utilizem as plataformas dotadas com as tecnologias dessa era.
São características da web 3.0, ainda, a conectividade onipresente, as redes integradas e descentralizadas, as tecnologias de código aberto e os cadastros integrados, nos quais é possível usar apenas uma conta para acessar variados serviços.[13] Podemos adicionar à lista também os wearables (tecnologias vestíveis)[14] e os assistentes pessoais, por exemplo.
E além?
É muito difícil (e talvez pouco recomendável) analisar o momento histórico enquanto ele ainda é vivido. Não obstante, nem bem sentimos os efeitos da web 3.0, ainda em pleno desenvolvimento, e há quem fale em web 4.0 e mesmo em web 5.0,[15],[16] que estariam fortemente associadas ao uso da inteligência artificial e à conexão constante entre máquinas e humanos.
Não obstante, nem bem sentimos os efeitos da web 3.0, ainda em pleno desenvolvimento, e há quem fale em web 4.0 e mesmo em web 5.0
Independentemente do grau de desenvolvimento da internet em que queiramos classificar nossos problemas, a verdade é que os desafios para os próximos anos não são simples. A ascensão das redes sociais (típica da web 2.0), associada à personalização de conteúdo e ao uso massivo de algoritmos (um prenúncio do poder da web 3.0), contribuiu, como sabemos, para a disseminação de desinformação e de discurso de ódio, com sua inevitável consequência política.
O Brasil vem debatendo importantes projetos de lei para regular temas que serão o cerne das disputas relacionadas à internet nos próximos anos. Um deles é o Projeto de Lei nº 2.630, de 2020, popularmente conhecido como PL das Fake News.[17] O tema envolve não apenas o compartilhamento de desinformação, mas também a moderação de conteúdo nas redes sociais e nas demais plataformas na internet. A liberdade de expressão se tornou um assunto incontornável, especialmente com tantas pessoas que fazem uso da internet para ganhar seu sustento. Contudo, não é trivial encontrar a linha demarcatória do que pode e do que não pode ser feito e dito na internet. E o assunto se torna ainda mais candente quando a tomada de decisão se dá por algoritmos e sistemas informatizados.
O Brasil vem debatendo importantes projetos de lei para regular temas que serão o cerne das disputas relacionadas à internet nos próximos anos. Um deles é o Projeto de Lei nº 2.630, de 2020, popularmente conhecido como PL das Fake News
Outro assunto objeto de um projeto de lei (PL nº 21/20) é a inteligência artificial.[18] O país já tem uma Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial, e esse debate regulatório precisa estar alinhado com as práticas internacionais, a dignidade humana e, claro, o desenvolvimento da internet que esperamos para os próximos anos.
Conclusão
Na primeira década deste século XXI, os direitos autorais foram o grande tema de debate sobre a internet. É só lembrar as discussões acerca de plataformas como o Napster e a busca por novos modelos de negócio que pudessem remunerar autores dentro de um cenário de acesso cada vez mais facilitado às obras.
Na década seguinte, o tema a ascender ao centro do debate foi a privacidade e a proteção de dados. Com a entrada em vigor da Lei nº 13.709, de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD), o Brasil passou a integrar o grupo de países que contam com regulação própria sobre o tema.
Como regular moderação de conteúdo, fake news, deep fake, decisões por algoritmos, inteligência artificial, blockchain e todas as novas funcionalidades que, nem bem nos acostumamos às que conhecemos, vêm se juntar a estas?
Agora, olhamos para outros problemas. Como regular moderação de conteúdo, fake news, deep fake, decisões por algoritmos, inteligência artificial, blockchain e todas as novas funcionalidades que, nem bem nos acostumamos às que conhecemos, vêm se juntar a estas? O avanço veloz da tecnologia impõe ao direito a inglória tarefa de encontrar soluções para problemas que ainda não compreendemos ou que nem sequer sabemos ser um problema. Talvez, um dia, uma web para além da semântica ou da transcendente nos ajude com soluções criativas para os dilemas que suas vantagens, ainda que indiretamente, trazem.
Como citar este artigo
BRANCO, S. Da web 1.0 à web 3.0 e além. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 35, 2023.
Sérgio Branco
Possui graduação em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pós-graduação em cinema documentário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV Rio) e mestrado e doutorado em direito civil pela Uerj, com especialização em propriedade intelectual pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). É cofundador e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio) e sócio da Rennó Penteado Sampaio Advogados.
Referências
BENTO, Pedro. Uma realidade desconhecida que conhecemos muito bem. Os desafios do marketing futuro à luz da web 3.0. 2017. Dissertação (Mestrado em Publicidade e Marketing) –Escola Superior de Comunicação Social, Instituto Politécnico de Lisboa, Lisboa, 2017. Disponível em: https://repositorio.ipl.pt/bitstream/10400.21/8474/1/Disserta%C3%A7%C3%A3oPedroBENTO.pdf. Acesso em: 4 maio 2023.
CORMODE, G.; KRISHNAMURTHY, B. Key differences between web 1.0 and web 2.0. First Monday, [s. l.], v. 13, n. 6., 2008.
GIL, H. A passagem da web 1.0 para a web 2.0 e… web 3.0: potenciais consequências para uma “humanização” em contexto educativo. Repositório Científico do Instituto Politécnico de Castelo Branco, Castelo Branco, n. 5, p. 1-2, 2014.
MAGRANI, Eduardo. Internet das coisas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2018. p. 68.
MIRANDA, P.; ISAIAS, P.; COSTA, C. J. E-learning and web generations: towards web 3.0 and e-learning 3.0. International Association of Computer Science and Information Technology, [s. l.], v. 81, p. 92-103, 2014.
SCHITTINE, Denise. Blog: comunicação e escrita íntima na internet. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 60.
SCHROEDER BALD KLEIN, Júlia; ADOLFO, Luiz Gonzaga. A web 4.0 e os riscos à democracia. Em Tempo, [s. l.], v. 20, n. 1, nov. 2020. Disponível em: https://revista.univem.edu.br/emtempo/article/view/3132/941. Acesso em: 28 ago. 2022.
YEN, N.; ZHANG, C.; WALUYO, A.; PARK, J. Social media services and technologies towards web 3.0. Multimedia Tools and Applications, [s. l.], v. 74, n. 14, p. 5.007-5.013, 2015
[3] Fundadores da O’Reilly Media, empresa de educação e conteúdo.
[5] BENTO, op. cit., p. 41-42.
[7] O termo é de origem americana, proveniente da contração das palavras web (página na internet) e log (diário de navegação). O termo original seria weblog, mas, com o tempo, acabou sendo abreviado para blog. Ver: SCHITTINE, Denise. Blog: comunicação e escrita íntima na internet. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 60.
[8] BENTO, op. cit., p. 44.
[10] MAGRANI, Eduardo. Internet das coisas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2018. p. 68.