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“Ponta da língua”, de Sofia Freire

A língua como ponto de partida de sabores e saberes

Publicado em 19/03/2024

Atualizado às 14:17 de 18/03/2024

Por Jorge LZ

Cantora, compositora, instrumentista e produtora, a pernambucana Sofia Freire está lançando Ponta da língua, seu terceiro álbum e o primeiro em que assinou sozinha a produção. Os trabalhos anteriores são Garimpo (2015), produzido por ela ao lado de Homero Basílio, Chiquinho e China, e Romã (2017), desta vez produzido por ela, Homero e Chiquinho.           

Ativa, para além de sua carreira autoral, Sofia participou dos álbuns Atiça, da banda Eddie, Virada na Jiraya, de Flaira Ferro, e Sóis, da dupla Babi Jacques e Lasserre (este comentado aqui na coluna). Além disso, integrou a banda de Gilberto Gil em parte da turnê Refavela 40 e, ao lado de Regis Damasceno, participa do projeto Dracena, que é capitaneado por Alessandra Leão, Isaar e Karina Buhr (trio que formou, nos anos 1990, o grupo Comadre Florzinha). Em todos esses trabalhos, Sofia demonstrou extrema desenvoltura, porém em seu trabalho solo é que temos a real dimensão do seu talento.

Desde o início da carreira, a pernambucana destacou-se com sua abordagem da música pop de forma criativa e nunca caindo na mesmice. Suas construções harmônicas prendem a atenção da audiência ao apresentar caminhos não óbvios, levando a canção para ambientes surpreendentes, onde estranheza não significa desconforto.

É possível perceber no universo musical de Sofia, além do mergulho na música popular brasileira, a influência de artistas que buscam o alargamento de fronteiras, como a islandesa Björk e o grupo escocês Cocteau Twins. Isso é nítido em Ponta da língua, no qual ela sobrepõe camadas de vozes e de teclados e cria uma atmosfera onírica, que permeia todo o álbum.

Mulher branca está séria, de pé, encostada em um muro colorido de amarelo e vermelho, com efeito especial de edição em cima da imagem. Ela está usando blusa azul, com manga comprida de um lado e alça do outro. Ela tem cabelos cacheados na altura dos ombros.
Capa do disco "Ponta da língua", de Sofia Freire (imagem: divulgação)

 

Ponta da língua é o resultado da superação de um bloqueio criativo, que se abateu sobre a cantora durante a pandemia de covid-19. Com dificuldade de lidar com seus sentimentos, ela se viu com muito a dizer, mas sem saber como, daí a ideia de “está na ponta da língua, mas não sai...”. Aos poucos, as letras foram brotando e o conceito do álbum se materializou na língua, por esta ser o órgão que identifica os sabores – o que será deglutido ou não – e, também, o veículo da palavra, da comunicação, da propagação dos saberes.

Considerada excelente musicista, Sofia estende sua competência para o texto, elaborando frases que tiram o melhor das palavras e de seus sons, desnudando suas fantasias, seus anseios e desejos, ao mesmo tempo que demonstra uma maturidade artística impressionante.

Gravado e produzido pela cantora em sua casa, mixado por Homero Basílio e masterizado por Buguinha Dub, Ponta da língua traz nove faixas compostas apenas por Sofia (a exceção é “Dentro de mim”, que foi feita em parceria com Igor de Carvalho). Duas delas anteciparam a chegada do álbum: “Minha imaginação”, lançada em 2023, veio acompanhada de um vídeo gravado, editado e dirigido pela pernambucana; e, no início de 2024, foi a vez de “Mormaço”, com direito a um visualizer (vídeo que acompanha a música, com menos recursos que um videoclipe e geralmente sem enredo) gravado, fotografado e editado por Luara Olívia.

Mulher branca e jovem está encostada em um muro branco. Ela tem os cabelos cacheados e escuros, na altura dos ombros. Usa blusa azul que deixa a barriga à mostra, com uma manga comprida e a outra de alça.
Sofia Freire é cantora, compositora, instrumentista e produtora (imagem: Luara Olívia/divulgação)

 

Em cada um de seus álbuns é possível reconhecer uma Sofia diferente, que, no fundo, é uma só. Compreendendo isso e dando importância equivalente às suas capacidades e incapacidades, Sofia Freire pavimenta seu caminho e segue, inquieta, experimentando e promovendo suas transformações, olhando para dentro de si e para o cosmos, forjando, assim, sua assinatura. Ponta da língua mostra que o que era um bloqueio criativo explodiu conceitualmente, resultando em um trabalho que, soando etéreo, aponta para algo concreto, que é o amadurecimento de uma das artistas mais interessantes surgidas na música pop brasileira nos últimos tempos.

 

 

Coluna escrita por:

 Jorge LZ

Jorge LZ

Carioca, radialista, curador, pesquisador musical, produtor cultural e DJ. Produz e apresenta o programa semanal Na ponta da agulha, na Rádio Graviola, é curador do Festival levada e integra o Radialivres, coletivo de radialistas do Brasil. Foi idealizador e curador do Festival BRio e do projeto Verão musical no Castelinho, e produziu e apresentou os programas Geleia moderna, Radar e Compacto, na Rádio Roquette-Pinto.

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