“Oneide Bastos” conta com dez músicas e teve produção e direção artística de Dante Ozzetti. Veja depoimentos da cantora e do produtor, que também fez arranjos para o disco
Publicado em 20/05/2022
Atualizado às 17:44 de 26/05/2022
por Duanne Ribeiro
Mururé (1994), Quando bate o tambor (2013) e, agora, Oneide Bastos – hoje, dia 20 de maio, a cantora Oneide Bastos lança o terceiro álbum solo da sua carreira. Produzido por Dante Ozzetti – músico também responsável pelos arranjos e pela direção artística do disco –, a obra foi apoiada pelo Rumos Itaú Cultural e tem 10 músicas, compostas por diversos autores, entre eles a própria Oneide. Abaixo, você lê um comentário dela sobre essa sua composição e um depoimento de Dante, que trata do processo criativo de Oneide Bastos, muito marcado pela sua relação com a artista, e do papel central da cultura do Amapá nele.
Além da voz de Oneide e do violão e guitarra elétrica de Dante, o lançamento conta com um grupo de violinistas – Alex Braga, Amanda Martins, Andreas Uhlemann, Caio Santos, César Miranda, Guilherme Peres, Luiz Amato e Soraya Landim – e com Adriana Holtz e Jin Joo Doh nos violoncelos, Fi Maróstica e Marco Delestre nos contrabaixos, Guilherme Held também na guitarra elétrica, Guilherme Kastrup e Nena Silva na percussão, Hian Moreira na bateria e Emerson De Biaggi, Elisa Monteiro e Fábio Tagliaferri nas violas.
Oneide Bastos está disponível em plataformas digitais, por exemplo, no Spotify. Confira também no que segue a tracklist e um vídeo de Dante e Oneide sobre o lançamento.
Pedra de rio (Luhli e Lucina)
Jurupari (Oneide Bastos)
Taemã (Enrico Di Miceli e Antônio Messias)
Voou (Paulinho Bastos e Osmar Junior)
Alto mar (Dante Ozzetti e Luiz Tatit)
Congá (Paulinho Bastos)
Batuqueiros (Paulinho Bastos)
Suprema (Joãozinho Gomes e Lula Barbosa)
Puçangueira (Joãozinho Gomes e Eudes Fraga)
Sereia do rio-mar (Joãozinho Gomes, Eudes Fraga e Paulo Oliveira)
Oneide Bastos sobre “Jurupari”
"Jurupari" é o resultado de uma pesquisa bibliográfica feita por mim na década de 2003, mais ou menos em 2002, quando fui à Guiana Francesa para conhecer o carnaval de lá. Me convidaram para fazer o samba enredo da associação Brasileira daquela cidade e eu aceitei. O tema era "As lendas daqui e de fora”. Para fazer esse trabalho, eu tinha que buscar informações sobre tais lendas. Procurei antigos moradores que me ajudaram, falando das mais populares, dentre elas a do Mapinguari [monstro coberto de pelugem vermelha com boca na barriga], cujas características eram idênticas as do Jurupari [um demônio que frequenta os indígenas quando dormem], de que falavam para mim desde criancinha... Eu questionei dizendo que esse ser era o Jurupari, mas me convenceram de que eu estava errada. Terminado o período carnavalesco, retornei à Macapá e resolvi fazer uma pesquisa, que me levou a conhecer o Jurupari...
Dante Ozzetti: “O ouvinte vai mergulhar no universo amazônico através do canto de Oneide”
Conheci a Oneide Bastos em Macapá, durante as inúmeras viagens que fiz àquela cidade, por conta da produção dos álbuns Zulusa (2013) e Batom bacaba (2016), da cantora Patrícia Bastos. Oneide é mãe de Patrícia. Nesse período tive o privilégio de conhecer de perto a família musical, o Paulo Bastos, irmão de Patrícia é um excelente compositor. A Oneide me encantou desde o início por que é dotada de uma voz perfeita, muito jovem pela idade que tem e também pela autenticidade de seu repertório amazônico. Desde então aguardei a oportunidade de produzir um álbum com ela e com esse repertório.
O processo veio de forma natural, uma vez formalizada a vontade comum, ela começou a me enviar músicas cantando a capella, que eu fui selecionando e guardando numa pasta. O repertório, de comum acordo, de músicas de compositores do universo amazônico e também de composições próprias da Oneide. Na primeira oportunidade que tivemos, numa de suas vindas a São Paulo, a levei a um estúdio e gravamos mais uma série de músicas, todas a capella, no entanto já buscando a tonalidade apropriada e também o andamento adequado. A ideia era estabelecer um direcionamento onde pudéssemos aguardar um patrocínio para a eventual continuidade, e a intenção de gravar só a voz veio nesse contexto, o de não definir instrumentação, porque o patrocínio posterior que iria determinar os caminhos possíveis.
O projeto foi de fato uma surpresa minha para ela, porém ocasionado mais pela tentativa de não criar expectativa. Assim toquei em frente o projeto e o inscrevi no Rumos e só depois de aprovado que a avisei, apesar dela ter assinado anteriormente a carta de anuência.
Os arranjos partiram da voz. Oneide tem uma voz límpida e singular. Carrega consigo também o sotaque dos elementos amazônicos, que joga o ouvinte para o centro da floresta. Dentro desse contexto eu só poderia acrescentar elementos que valorizassem esse canto e não competissem com ele. Assim a instrumentação foi escolhida com esse intuito e os arranjos teriam que trabalhar nas regiões e frequências que não competissem com a voz, daí a solução pela orquestra de cordas, por exemplo, entre outros elementos.
Esse é um canto que, pelas características de repertório, ligado aos ritmos do Amapá – principalmente o batuque do curiau e o marabaixo –, ainda é desconhecido no país. Eu, paulista da gema, tive a oportunidade de trabalhar esses ritmos desde 2009, quando conheci a Patrícia Bastos. A partir daí (em 2010 estive 14 vezes na região amazônica), produzi vários projetos relacionados. Além dos já citados, o Timbres e temperos (2020), dos compositores amapaenses Enrico Di Miceli e Joãozinho Gomes e Patrícia Bastos, e o Amazônia órbita, com composições instrumentais de minha autoria, todas elas compostas a partir de inflexões de ritmos amazônicos, como o lundu do marajá, cacicó, samba de cacete, lundu indígena marabaixo, batuque, dança do marambiré, vaqueiro do marajó e carimbó.
Por meio desse projeto de Oneide, além de conhecer uma cantora ímpar, o ouvinte vai mergulhar no universo amazônico por meio do seu canto. Nas letras, nas melodias, nos arranjos, no seu sotaque ribeirinho.