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Resgate das gravações do linguista Lorenzo Turner é apoiado pelo Rumos Itaú Cultural

Os etnomusicólogos Xavier Vatin e Cassio Nobre aplicam-se em tornar conhecidos os acervos de Turner, os quais ressaltam a diversidade linguística no candomblé da Bahia

Publicado em 16/07/2019

Atualizado às 11:44 de 17/08/2022

por Heloísa Iaconis

Entre 1940 e 1941, Salvador (BA) e algumas cidades da região receberam o linguista Lorenzo Dow Turner (1890-1972). No decorrer de sete meses de pesquisas, ele fez registros acerca de sacerdotes e sacerdotisas de candomblés da época. Em áudio, vídeo e fotografia, captou, por exemplo, o babalaô Martiniano Eliseu do Bonfim, o babalorixá Manoel Falefá, o sacerdote Joãozinho da Gomeia e a ialorixá Mãe Menininha do Gantois. Negro e norte-americano, Turner procurava comprovar, com esse estudo, a preservação de um fundo linguístico em locais peculiares da diáspora africana nas Américas.

Lorenzo Turner jovem | foto: Anacostia Community Museum

O resultado, porém, extrapolou a busca do acadêmico: ele acabou por formar legados sobre a resistência das culturas de matrizes africanas no Brasil. E são essas heranças que encantam os etnomusicólogos Xavier Vatin e Cassio Nobre, empenhados em divulgar o trabalho de Turner. A dupla é uma das escolhidas da edição 2017-2018 do Rumos Itaú Cultural e, com o suporte do programa, dá um passo importante no que tange à repatriação dos materiais guardados, hoje, nos Estados Unidos. Um passo não, três: um livro-catálogo, quatro discos e um documentário são as obras que Xavier e Cassio desenvolvem, agora, na esfera do projeto denominado Memórias Afro-Atlânticas: as Gravações de Lorenzo Turner na Bahia.

Com disponibilização gratuita dos álbuns na página soundcloud.com/memoriasafroatlanticas e no canal no YouTube, prevê-se ainda a distribuição, também sem custos para o público, do livro-catálogo, tanto impresso quanto digital, além da exibição do filme, cuja narrativa aborda a persistência do recordar.


As relembranças de dois países

Certo dia, em 2012, Xavier Vatin, professor de antropologia na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), fazia um curso na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, e, durante a sua estada na terra do Tio Sam, interessou-se pelos arquivos de música tradicional. Foi assim que, orientado pelo diretor dos acervos, chegou às coleções de Lorenzo Turner, até então inéditas, e ficou fascinado por cada elemento dali. Em 2013, firmou parceria com Cassio Nobre, diretor da produtora audiovisual Couraça Criações Culturais, e ambos passaram a buscar jeitos de carregar, para o Brasil, os documentos que são testemunhos históricos – desnudam uma pátria na qual confluem questões raciais, religiosas e do terreno do cantar. “Foram anos de aflição para conseguir trazer esses documentos. As instituições norte-americanas, devo dizer, facilitaram assinaturas e demais burocracias. Mas, sem o auxílio do Rumos, não teríamos como fazer isso”, afirma Xavier.

Antes de se inscrever na seleção do Itaú Cultural, no entanto, eles contaram com o fomento vindo do IV Prêmio Afro 2017: desse modo, surgiu a publicação do primeiro volume de produções de Turner elaboradas no Nordeste brasileiro. Contudo, dada à vastidão do conteúdo do linguista, muito se manteve de fora e, por esse motivo, a iniciativa chegou ao Rumos.

Quando se menciona uma atividade extensa, os números são mesmo grandes: em mais de cem discos de alumínio (um total de 17 horas de áudio), apresentam-se tesouros como a reprodução da voz de Mário de Andrade, escritor que investigou o campo musical. Ao lado do quinhão sonoro, parte medular do patrimônio analisado, existem as imagens, fotos alocadas em Washington D.C. Trata-se, portanto, de um juntar de peças, movimento representativo do processo de Turner – e que Xavier, de alguma maneira, acaba por repetir.

A repetição quebra-se, todavia, quando o assunto é a linha familiar do acadêmico em foco: o homem, cujos avós foram escravizados, que alcança Harvard e, uma vez ocupando um lugar de destaque, se debruça em compreender as intersecções entre a língua falada no sul dos Estados Unidos e as palavras baianas proferidas nos candomblés. “Acho que não tem como não enxergar um racismo enorme daqueles que inviabilizaram as pesquisas de Lorenzo Turner”, pontua Xavier, que vai além: “Creio que é fundamental que tomemos mais consciência acerca da contribuição dos povos africanos para as Américas. Com especificidades, as raízes dessas experiências, a norte-americana e a daqui, aproximam-se. O Brasil tem em sua africanidade uma de suas riquezas”. Tesouro que constrói as relembranças de dois países.

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