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Francis Hime é sempre uma surpresa

Aos 85 anos, completados neste sábado, 31 de agosto, e 60 de carreira, compositor de clássicos da música brasileira merece ser celebrado pelas novas gerações

Publicado em 31/08/2024

Atualizado às 10:16 de 30/08/2024

por André Felipe de Medeiros

Cada faixa de um disco de Francis Hime é única, mas não é difícil antecipar um pouco do que se ouvirá na próxima. Trata-se de um piano tão eloquente em sua linguagem, de orquestrações que elevam a composição a ares ainda mais sublimes e de um sotaque popular, herdeiro das tradições mais coloquiais da nossa arte, que sempre se faz presente. O altíssimo nível de qualidade com que Francis estabelece um diálogo entre a canção e o erudito é o que o consagra como um dos personagens mais importantes na história da música brasileira.

Ao completar 85 anos de vida e 60 de carreira, o compositor, pianista, arranjador e maestro carioca vê sua obra constituir uma parte preciosa do nosso cancioneiro, com uma trajetória entrelaçada com a de nomes como Elis Regina, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Edu Lobo, Zélia Duncan, Adriana Calcanhotto e Lenine. Ainda em plena atividade e com um novo álbum em produção, Francis observa em tempo real o legado de sua contribuição à arte do país, mesmo quando seu protagonismo não é amplamente conhecido.

Zona de fronteira

“Francis Hime é mais admirado por músicos do que por um público massivo”, comenta o jornalista e escritor André Simões, autor da biografia Francis Hime: ensaio e entrevista (Editora 34, 2023). Ele conta que considerava uma “grande lacuna bibliográfica” não existirem livros sobre o artista, daí a motivação por trás de seu trabalho. “Eu achava, e ainda acho, uma grande injustiça Francis ser conhecido quase exclusivamente como ‘braço direito’ de Chico Buarque nos anos 1970 e 1980”, explica. “[A escolha do tema] foi um caso de militância, de fazer questão de contribuir para que seu nome tivesse uma divulgação merecida.”

Homem idoso usando camiseta e blazer pretos aparece no canto direito da imagem, esboçando um leve sorriso. Ele tem cabelos curtos, lisos e grisalhos. Usa óculos de grau.
Francis Hime completa 85 anos neste sábado, 31 de agosto de 2024 (imagem: Nana Moraes)

 

“Francis trabalhou com outros dos melhores letristas da língua portuguesa”, continua o jornalista, “e seu trabalho é uma grande riqueza da nossa canção popular que deveria ser mais conhecida.” O livro compila também o trabalho do compositor em concertos e trilhas de teatro e cinema, paralelamente ao cancioneiro popular. “Ele lida com uma zona de fronteira fascinante”, comenta o autor. “Não só suas canções têm elementos de desenvolvimento de uma célula melódica da música de concerto, como a música de concerto traz elementos rítmicos da canção popular. É tudo muito bonito e muito fluido. Sendo assim, é ainda mais espantoso Francis não ser apreciado por uma camada maior da população.”

Para André, isso vem do fato de muitas de suas composições estarem associadas a seus intérpretes. Por exemplo, quando Francis gravou “Atrás da porta”, em 1973, a canção já era sucesso um ano antes na voz de Elis Regina. “Ele demorou para estar na linha de frente, por causa da timidez. Seus amigos começaram a cantar em festivais anos antes”, comenta o autor. “Ele teve a sorte de estar associado a pessoas como Chico, que tinha grande projeção, mas isso também comprometeu sua condição como artista intérprete.”

Cuidadoso, na dele

“No palco, Francis se transforma”, conta sua esposa e parceira de criação, Olivia Hime, que relembra: “Uma vez, Fernanda Montenegro foi ver um de seus shows e perguntou: ‘Quem é esse? Parece um duende, que entra pulando no palco’ [risos]. Ele conta que foi a forma que encontrou de vencer a timidez: inventou um personagem para os shows”. “Francis é contido”, explica. “Ele diz ser tímido, mas acho que não é. Ele é cuidadoso, na dele.”

A cantora, compositora e cofundadora da gravadora Biscoito Fino conta que se apaixonou “primeiro pelo compositor, depois por quem virou meu amigo, namorado e companheiro para o resto da vida”. Ao lado de Francis há tantas décadas, com uma parceria que já rendeu três filhas, muitos shows e alguns discos, Olivia comenta que outros músicos gostam de trabalhar com o artista pela liberdade que ele lhes dá.

“Ele é um grande arranjador, com conhecimento musical inesgotável e uma criatividade fantástica”, conta ela. “No entanto, se eu falo ‘Quero o arranjo assim, é possível?’, ele me ouve. Teria intimidade para me podar e prefere dizer ‘Não é possível, mas vou pensar’.”

Orgulhosa do parceiro, Olivia comenta ser “constantemente surpreendida musicalmente” por seu trabalho. “Quando vou ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro ou à Osesp [Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo] e vejo a beleza daquele concerto, pergunto: ‘De onde saiu isso? Daquele camarada lá de casa que deixou a pasta de dente aberta e eu dei bronca?’ [risos]. Ou quando ele escreve um samba majestoso, com arranjos tão interessantes e, mesmo assim, de uma simplicidade. ‘Como você fez isso?’, quero perguntar, e fico com vergonha de ter dado a bronca.”

 

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