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Léa Garcia morre aos 90 anos, em Gramado

Atriz estava na cidade gaúcha porque receberia o Troféu Oscarito no "Festival de cinema de Gramado" nesta terça-feira, dia 15 de agosto

Publicado em 15/08/2023

Atualizado às 19:10 de 15/08/2023

Em atividade até o fim da vida. Morreu na cidade de Gramado, Serra Gaúcha, nesta terça-feira, 15 de agosto, a atriz Léa Garcia, aos 90 anos. Ela teve um infarto no mesmo dia em que seria homenageada no Festival de cinema de Gramado com o Troféu Oscarito. A notícia foi divulgada em seu perfil oficial do Instagram nesta manhã.

Veja também:
>>A vida e a obra de Léa Garcia na Enciclopédia Itaú Cultural


Mulher negra vestida com camisa e calça brancas (a calça com estampa apenas na barra) está de braços abertos encostada em um muro de pedra. O céu está azul e há árvores atrás dela. Ela olha para cima.
Léa Garcia queria ser escritora e tornou-se atriz a convite de Abdias Nascimento, com quem teve dois filhos (imagem: Murilo Alvesso)

 

No final de julho, Léa teve uma biografia lançada no Itaú Cultural (IC). A atriz esteve presente no lançamento de Entre Mira, Serafina, Rosa e Tia Neguita: a trajetória e o protagonismo de Léa Garcia, do historiador Julio Claudio da Silva, publicado pela Editora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). A obra parte dos trabalhos da atriz no Teatro Experimental do Negro (TEN), em 1952, e de sua atuação no longa-metragem Orfeu Negro ou Orfeu do Carnaval, de 1959, para abordar as memórias da vida de Léa, através de entrevistas concedidas ao autor e de outras publicadas em livro e matérias de periódicos.

Mulher negra e idosa está sentada segurando um microfone. Ela usa roupa marrom em tons variados, com um cachecol também marrom. Seus cabelos estão trançados e presos para trás.
Léa Garcia no lançamento de Entre Mira, Serafina, Rosa e Tia Neguita: a trajetória e o protagonismo de Léa Garcia, do historiador Julio Claudio da Silva (imagem: Olga Lysloff)

 

Também no IC, em 2022, a atriz foi uma das homenageadas do Prêmio Milú Villela, que celebrou os 35 anos da organização. Dez pessoas, referências no cenário artístico brasileiro, receberam o prêmio em reconhecimento às suas trajetórias longevas, e cada uma simbolizava um verbo relacionado à importância da arte e da cultura. Léa Garcia foi a representante do verbo criar.

Fundo preto mostra as palavras Criar Léa Garcia, em branco. Uma mulher negra segura um microfone, usando roupa preta com detalhes em branco. Um homem negro, de pele mais clara que a dela, está de mão dadas com ela e ele segura uma placa cor de rosa.
Léa Garcia e Joel Zito Araújo durante o Prêmio Milú Villela, em 2022 (imagem: Francio De Holanda)

 

Uma publicação foi lançada na ocasião, contando sobre a vida e a obra dos homenageados no Prêmio Milú Villela.

Mulher negra e idosa segura uma placa cor de rosa nas mãos. Ela usa roupa preta com detalhes em branco, e um colar preto comprido. Seus cabelos são cacheados, na altura do queixo.
Léa Garcia morreu aos 90 anos, em Gramado, onde estava para ser homenageada no Festival de cinema de Gramado (imagem: Silvana Garzaro)

 

A série Cada voz, projeto da Enciclopédia Itaú Cultural, também teve Léa Garcia como uma das entrevistadas. No depoimento, ela lembra sua juventude, fala do racismo no Brasil (“Não é declarado, é camuflado”) e narra como o teatro se impôs em sua vida, tornando-se uma paixão que a salva até hoje. Entre as falas, Léa afirma que não queria ser atriz, mas se apaixonou e fez disso seu ofício. "Abdias me tornou atriz", contou.

Abdias Nascimento, seu marido e com quem teve dois filhos, foi homenageado pelo programa Ocupação Itaú Cultural em 2016 e, na ocasião, Léa foi uma das entrevistadas. “Meu sonho era ser escritora. Morava em Copacabana, ia levar minha avó ao cinema e alguém me perguntou se eu queria fazer teatro”, lembrou durante a entrevista. A pessoa que a havia abordado era Abdias, e isso mudou a vida de Léa. 

Mulher negra idosa, mas de cabelos escuros e curtos, está com um papel na mão, lendo. Ela está séria, com o dedo indicador da mão direita em riste. Usa vestido estampado.
A atriz Léa Garcia recita "Padê de Exu libertador", texto de Abdias Nascimento (imagem: André Seiti)

 

Durante a abertura da Ocupação Abdias Nascimento, artistas e intelectuais fizeram leituras e performances. Léa Garcia estava entre eles. 

Na plataforma Itaú Cultural Play, a atriz pode ser vista nos filmes Cruz e Souza (Sylvio Back, 1999) e Feminino plural (Vera de Figueiredo, 1976), além do documentário A negação do Brasil (Joel Zito Araújo, 2000).

Homem branco, de bigode, costeleta e cabelos curtos, está de terno, de pé, olhando para o lado. Olha para a mesma direção uma mulher negra, jovem, com turbante branco na cabeça.
Rubens de Falco e Léa Garcia em cena de "A negação do Brasil" (Joel Zito Araújo, 2000) (imagem: divulgação)

"Léa Garcia é uma presença marcante nas artes cênicas brasileiras e nos deixa um enorme aprendizado e legado de paixão pela criação artística, em especial no teatro, desde o início de sua jornada até hoje", observa Jader Rosa, superintendente do Itaú Cultural. "Léa é sinônimo de vanguarda e protagonismo na valorização das mulheres negras brasileiras", completa.

Conceição Evaristo, também homenageada no programa Ocupação, em 2017, tem um poema dedicado a Lea Garcia.

Fêmea-Fênix

. . . . Para Léa Garcia

 

Navego-me eu–mulher e não temo,

sei da falsa maciez das águas

e quando o receio 

me busca, não temo o medo,

sei que posso me deslizar 

nas pedras e me sair ilesa,

com o corpo marcado pelo olor

da lama.

 

Abraso-me eu-mulher e não temo,

sei do inebriante calor da queima

e quando o temor 

me visita, não temo o receio,

sei que posso me lançar ao fogo

e da fogueira me sair inunda,

com o corpo ameigado pelo odor

da chama.

 

Deserto-me eu-mulher e não temo, 

sei do cativante vazio da miragem,

e quando o pavor 

em mim aloja, não temo o medo,

sei que posso me fundir ao só, 

e em solo ressurgir inteira

com o corpo banhado pelo suor 

da faina.

 

Vivifico-me eu-mulher e teimo,

na vital carícia de meu cio, 

na  cálida coragem de meu corpo, 

no infindo laço da vida,

que jaz em mim 

e renasce flor fecunda.

Vivifico-me  eu-mulher.

Fêmea. Fênix. Eu fecundo.

 

Mulher negra e idosa, mas de cabelos escuros, está sentada em uma cadeira em cima do palco de um teatro. Ela está de costas para a plateia vazia. Está sorrindo, com uma mão fechada apoiada no queixo. A outra mão segura seu cotovelo. Ela usa vestido de malha cinza.
Léa Garcia sofreu um infarto no dia em que seria homenageada no Festival de Gramado (imagem: Murilo Alvesso)

 

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