Gilmara Cunha é diretora geral do Grupo Conexão G, membra do Fórum LGBT do Rio de Janeiro e membra do Conselho Nacional de Juventude....
Publicado em 06/05/2016
Atualizado às 10:35 de 05/06/2019
por Andréia Briene
Gilmara Cunha é diretora geral do Grupo Conexão G, membra do Fórum LGBT do Rio de Janeiro e membra do Conselho Nacional de Juventude. Recentemente foi condecorada com a medalha Tiradentes, concedida pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) por seus trabalhos desenvolvidos nas comunidades do Rio de Janeiro.
Na entrevista, Gilmara comenta as ações de empoderamento e de conscientização que realiza junto à comunidade LGBT nas favelas e os principais desafios para gerir a ONG, além de compartilhar suas percepções sobre as práticas culturais e da produção artística dos moradores da Maré.
Você poderia nos contar como foi criado o Grupo Conexão G de Cidadania LGBT, quais foram as atividades desenvolvidas e as mudanças geradas nestes últimos anos na comunidade da Maré?
O Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas, fundado em 22 de março de 2006, nasce com a missão de pensar para o espaço da Maré e outras favelas do Rio de Janeiro um projeto de longo prazo, que interfira na vivência dos seus moradores. A criação do grupo se deu a partir de uma insatisfação pessoal de alguns jovens moradores de favelas, que identificaram que sofriam preconceito dentro dos seus lares e nos espaços de lazer na comunidade. Hoje, podemos perceber que essa reação foi necessária, pois muitos(as) LGBTs podem usufruir desse espaço.
Alguns de nossos temas são: direitos humanos, promoção da saúde, cultura, educação, segurança pública, mobilidade, ambiente e outros assuntos transversais que perpassam a vida dessa população nos espaços comunitários. Consciente da necessidade de mobilizar um número significativo de pessoas e de competências para essa imensa tarefa, o Conexão G – como expressa em seu próprio nome – busca viabilizar ações coletivas e articuladas no desejo de transformar a realidade local e outros espaços de favelas.
Para cada eixo, foram realizadas diferentes ações, como seminários; o Prêmio Direitos Humanos, Cultura e Cidadania LGBT Atila Ramalho; o lançamento da Cartilha LGBT de Favelas; a Feira de Saúde Maré Saudável; a Carreata da Parada (Parada Gay); o Festival de Cultura, Direitos Humanos e Cidadania LGBT de Favelas e o Cine Clube LGBT, além de shows lúdicos com artistas locais e outros projetos voltados para a promoção da saúde e da cultura.
Essas ações têm por objetivo integrar a comunidade para enfrentar a homofobia, discutir políticas públicas e ampliar o acesso da população LGBT a seus direitos.
Temos ainda, por exemplo, a ação chamada Maré Saudável, cujo objetivo é prestar serviços junto às unidades de saúde, convidando a comunidade para discutir questões de gênero e outros temas que perpassam nosso cotidiano.
Enfim, acredito que uma mudança perceptível é termos essas iniciativas dentro do calendário de atividades da comunidade, pois através delas podemos orientar e combater a disseminação da homofobia, da transfobia e da lesbofobia.
Qual é o principal desafio de gestão do Conexão G?
Um dos principais desafios relacionados à gestão do Conexão G é a escassez de recursos financeiros para apoiar as atividades que realizamos. Esse é um cenário vivido por boa parte das ONGs atualmente.
Quais foram ou são os desafios para a criação e a organização das paradas LGBT nas favelas Maré, Alemão e Rocinha, no Rio de Janeiro?
O primeiro problema a ser enfrentado foi a falta de recursos. Depois, a mobilização da comunidade para que cada pessoa se visse como parte dessa construção, levando em conta que essa comunidade não está acostumada com eventos do tipo. Existe também uma percepção hoje de que as paradas LGBTs são como um Carnaval fora de época e não como ato político. Isso dificultou muito no primeiro momento, pois as pessoas partiam de um pressuposto de que esses eventos eram uma promiscuidade total.
Por exemplo, na nossa primeira parada LGBT da Maré, as igrejas realizaram vigílias. Considero isso uma falta de respeito à diversidade de pessoas e de modos de vida que existem nos espaços das favelas, além de ser um ato de violência e discriminação nesses espaços.
Você poderia comentar um pouco sobre seus trabalhos desenvolvidos nas comunidades carentes do Rio de Janeiro e sobre sua condecoração com a medalha Tiradentes, concedida pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj)?
Bom, primeiramente, não são comunidades carentes – pois carentes todos somos, já que nos faltam diversas coisas.
As comunidades têm muitas potencialidades, criatividade e boas iniciativas para oferecer ao restante da cidade. É claro que faltam políticas públicas, que os serviços são precários etc. Mas existem iniciativas, como o Maréfunk, realizado pelo Observatório de Favelas, e o Comida de Favela, fomentado pela Redes de Desenvolvimento da Maré. Essas são algumas das atividades que me tocam.
Quanto à homenagem, são dez anos de trabalho do Grupo Conexão G, me sinto lisonjeada e dedico a medalha a todos que passaram pelo grupo e à comunidade LGBT moradora de favelas. Sinceramente, ainda nem caiu a ficha. Foi a maior honraria que recebi e fico feliz que essa temática seja pautada hoje nas construções de políticas públicas. Levando em consideração que o Conexão G foi pioneiro ao trabalhar essas questões em território de favelas, ainda que dominadas pelo tráfico de drogas, fomos vencedores e vencedoras.
Porém, seguimos na luta, porque infelizmente essa população ainda não usufrui de uma série de direitos.
Quais os hábitos culturais dos moradores da Maré? Qual é a relação desses moradores com os equipamentos culturais disponíveis?
Modestamente, a Maré traz uma diferença no que tange à questão da cultura, pois existem equipamentos culturais e, por conta do trabalho das ONGs, o território pode conhecer um pouco dessa diversidade cultural. A comunidade está presente neles, porém, acredito que criar esses espaços em favelas também deve gerar algumas perguntas: Por que criar esses equipamentos nas favelas? Será que é uma forma de os gestores garantirem um espaço cultural para que os(as) favelados(as) não precisem circular pela cidade para ter acesso à cultura e ao lazer? Será que essa cidade é inclusiva ou excludente?
Veja, acredito que esses equipamentos tenham que existir, mas também espero que eles não sejam a única escolha dessa comunidade para acessar a cultura. Por exemplo, na Maré existe uma Lona Cultural, que a comunidade não ocupa porque é um espaço opressor, no qual o preconceito rola solto; acredito que ela não se sente parte desse equipamento. Os(as) favelados(as) têm que ter um leque de oportunidades para acessar a cultura em outras partes da cidade.
Como é a produção artística da ou na favela? Como se dá a relação com o mercado das artes e de trabalho?
Ela existe e não é valorizada. E essa desvalorização começa quando o indivíduo nasce nesse território. Todas as portas já são fechadas.
Mesmo assim, temos algumas exceções, muita criação cultural e algum reconhecimento. Por exemplo, o Conexão G conseguiu por meio do edital de ações locais realizar o Festival de Cultura, Direitos Humanos e Cidadania LGBT de Favelas. A realização desse evento foi importante para o território e, com ações do Conexão, outras instituições de outras favelas gostaram da proposta, de modo que neste ano será criada uma rede de cultura LGBT de favelas. Temos acessado editais culturais, o que está viabilizando essas ações.
Como é a formação dos gestores e produtores culturais – atuantes na Maré e em outras regiões – em assuntos ligados a gênero, identidade e diversidade?
A galera sabe o que é, mas considero que o movimento da cultura ainda é muito machista e isso impede o avanço na construção de uma cultura inclusiva. Temáticas como gênero, identidade e diversidade deveriam ser algo a ser abordado nas formações que os gestores promovem para os produtores e seus funcionários. Não acredito que inclusão tenha que se dar apenas na destinação de recursos para realizar eventos LGBT. É preciso vestir a camisa e contribuir para a formação de promotores culturais com viés na temática dos direitos humanos, respeitando os espaços e compreendendo a diversidade.
No caso das favelas, respeitando o território como um espaço onde a população LGBT também se faz presente, reconhecendo-a, pensando com e sobre ela, refletindo nas produções culturais as suas vivências. Temos a tendência de reprimir o que não conhecemos, e, se dermos formações com essas temáticas, podemos criar um espaço mais garantidor de direitos.
Você percebe se existem, no caso na comunidade da Maré, ações de inclusão e participação dos moradores nas políticas culturais? Quais são?
Ações de inclusão e participação existem, sim. Essas ações se dão muito mais por conta das ONGs do que por conta dos gestores. O Estado se faz pouco presente em território de favelas.