No dia 20 de outubro é comemorado o Dia do Poeta, em homenagem ao artista que se dedica a uma das formas mais expressivas da literatura....
Publicado em 20/10/2016
Atualizado às 01:18 de 06/09/2018
Por Jullyanna Salles
No dia 20 de outubro é comemorado o Dia do Poeta, em homenagem ao artista que se dedica a uma das formas mais expressivas da literatura. Ao longo da história, grandes nomes desenvolveram essa arte de diferentes formas. Ainda no século VIII a.C., Homero criou Ilíada, narrativa épica grega que influenciaria muitas gerações futuras. Em 1572, Luís de Camões escreveu Os Lusíadas, com mais de 8 mil versos cuidadosamente elaborados em ritmo e métrica silábica.
Muito mudou desde então: a poesia se tornou parnasiana, modernista e até concreta, explorando a forma, a construção e o espaço das palavras a seu favor. Nas últimas décadas, um dos gêneros que tem se popularizado nessa arte é o slam poetry – em que, além de escrever e declamar os seus versos, o poeta compete com outros participantes numa apresentação que envolve performance e interpretação.
Processo criativo
O Fala com Arte buscou algumas poetas que se dedicam ao slam para conhecer mais sobre o gênero. Luiza Romão estudava teatro quando teve o primeiro contato com as disputas de poesia. Hoje se apresenta em diversos saraus, como o da Cooperifa, e conta que no seu processo criativo a escrita fica em segundo plano. “Geralmente eu não sento para escrever. Como venho do teatro, costumo criar minha poesia falada. Fico declamando no metrô, na rua, em voz alta até decorar. Pareço uma doida, é engraçado”, diz. “A minha poesia nasce decorada. Ela surge da oralidade e depois escrevo. Às vezes até escrevo e publico, mas, se leio depois de três ou quatro meses, percebo que o que eu tenho recitado não tem nada a ver com o que escrevi. É algo muito mutável. Ao declamar, vou vendo uma palavra que se encaixa mais na boca, um artigo que não está cabendo na frase, e altero tudo.”
Mel Duarte, autora dos livros Fragmentos Dispersos e Negra Nua Crua, não tem uma metodologia rígida para escrever. “Não tenho um processo específico. Não preciso fazer um ritual para começar a escrever. Somos bombardeados de informação o tempo todo, misturo isso à minha sensibilidade e escrevo quando o corpo pede”, explica. “Às vezes quero escrever sobre temas específicos, às vezes vem uma frase à minha cabeça e, a partir dali, vou me permitindo sentir e me deixando levar. ”
Amanda Lioli é intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e também se dedica à competição de poemas, mas suas apresentações são realizadas em dupla. Ela e a poeta surda Catharine Moreira formam uma dupla de slam do corpo. Enquanto a primeira recita os versos com a fala, a segunda os interpreta em sinais.
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A parceria não se restringe ao momento da apresentação. Amanda conta que o diálogo entre as duas é fundamental para a criação da poesia: “Eu converso com a Catharine, sei da vida e das angústias dela e das coisas que ela quer falar. Lemos juntas e ela sugere alterações. Vamos conversando sobre os sinais e buscando equilíbrio”. Catharine completa: “Eu e Amanda aperfeiçoamos a escrita da poesia, trocando as ideias mais sentimentais em conjunto com política, amor, sociedade e outros tipos de assunto da atualidade, desenvolvendo a performance.”
Temas
O caráter performático das apresentações de slam contribui para que o gênero seja uma via para manifestar insatisfações. “Sempre escrevo com urgência, é difícil escrever quando está tudo bem. Sinto que de fato me coloco quando estou incomodada, indignada e preciso fazer alguma coisa”, explica Luiza. “A gente está vivendo um período histórico muito conturbado, em questões de direitos humanos, violência policial, genocídio da juventude periférica, questões de gênero e políticas. A poesia tem a capacidade e a potência de levantar debates, de fazer oposição a uma imprensa que divulga só uma ideologia. A gente tem de disputar esse campo ideológico, e acho que a poesia é uma boa forma de levantar essas problemáticas.”
Amanda também destaca o potencial dessa arte como forma de manifestação. “Se não existisse poesia, não haveria nada. Ela é muito forte. Além de trazer à tona assuntos que são muito velados, como preconceito, machismo e questões sobre surdez, tem um aspecto importante: a representação da língua”, diz. “Criar ícones e figuras que outras pessoas vão compreender é muito gratificante. Existe essa questão de ‘olha a minha língua acontecendo, sendo criada, sendo reconhecida como manifestação poética’.”
Mel ressalta que, como mulher negra, não pode deixar temas relacionados à sua realidade de fora da sua produção. Ela acrescenta: “Ser jovem e fazer poesia hoje em dia, falar sobre amor, racismo e machismo – entre outras opressões – é um ato político. Qualquer manifestação artística que chega para expandir o conhecimento, provocar e tirar as pessoas do senso comum, ao meu ver, é totalmente política.”
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Repercussão
O impacto da poesia sobre o poeta também pode ser bastante intenso. Para Catharine, trata-se de uma forma de manejar suas emoções: “É um momento de inspiração e revelação da minha trajetória, quando lido com as minhas emoções sem barreiras. É um desafio sentir e demonstrar o que vem à mente e ao coração improvisando de maneira natural”.
Sua parceira explica como as apresentações favoreceram mais de um aspecto da sua vida: “O slam me ajudou muito, contribuiu para a minha formação artística e para a reflexão sobre a profissão de intérprete, criando estratégias de tradução, por exemplo”, diz Amanda. “O mercado é muito cruel, a formação é precária e a demanda é grande. Você aprende quebrando a cara, por isso o slam ampliou muito o meu pensamento.”
Mel conta: “Gosto do slam porque percebi nesse movimento uma gana das pessoas de querer melhorar o seu desempenho tanto na parte escrita como na performance, coisa que no sarau não acontece com a mesma agilidade. Além disso, é uma escola; frequentei alguns slams antes de começar a competir e levou mais de um ano até que ganhasse minha primeira disputa. Tudo foi um processo muito grande de aprendizagem. Continua sendo, sempre me renovo quando vejo as batalhas.”
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Luiza destaca aspectos particulares do slam, muitas vezes não abordados pela poesia escrita. “O slam tem a característica de, em geral, ser apresentado em espaço público, então ele interfere nesse fluxo de passagem. Os versos falam muito de coisas cotidianas, principalmente esse dito movimento de literatura periférica. O slam fala de questões de gênero, sociais, raciais, e isso já levanta interesse”, explica ela. “Além de afetar a vida de quem está passando e assiste à disputa, muda bastante a vida de quem escreve. Todo o meu entendimento como mulher, a minha inserção no feminismo, por exemplo, se deu através da poesia. Foi uma elaboração de quem sou eu. E acho que também afeta quem lê – na formação de um espírito crítico, na emancipação do sujeito, que pode ser histórica, social ou de transformação. Acho que a poesia tem uma carga transformadora.”