Lino Arruda é doutorando em literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e começou a fazer quadrinhos em 2011, para contar o que acontecia com sua amiga Galega
Publicado em 03/05/2019
Atualizado às 18:45 de 16/08/2022
por Tatiana Diniz
Lino Arruda é doutorando em literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e começou a fazer quadrinhos em 2011, para contar o que acontecia com sua amiga Galega. Quando adolescente, ela entrava no ônibus para ir à escola e todos os passageiros faziam o sinal da cruz. Intrigada, Galega sempre se perguntava: “Como eles sabem que sou lésbica?”. Ela demorou anos para descobrir que, na verdade, apenas embarcava em frente a uma igreja.
Essa foi a primeira história em quadrinhos que Lino colocou no papel, sem ter formação em desenho nem ser ávido leitor desse gênero literário. “Só não queria que essa memória se perdesse como acontece com a maior parte da cultura imaterial LGBTT”, explica. A partir daí, passou a publicar zines colaborativos autônomos de histórias em quadrinhos les-bi-trans. Neles ilustra suas experiências lésbicas e transmasculinas e também vivências ficcionalizadas de amigas e amigos.
Anomalina, Um Novo Corte de Peitos e Quimer(d)a, entre diversos outros zines produzidos pelo artista, são voltados à comunidade LGBTT e circulam quase exclusivamente dentro dela. “A ideia era alimentar nossa subcultura com representações ressonantes e com humor, já que nossa experiência é marcada por violência, pela desidentificação e pelo isolamento”, observa Lino.
As criações o conectaram a uma rede latino-americana de literatura autoral e independente, o que gerou a distribuidora autônoma de zines chamada Fracassando: Edições Precárias, objeto da pesquisa de doutorado sobre publicações independentes feitas por pessoas trans e travestis na América Latina atualmente conduzida pelo autor. “Esse projeto é mais ativista do que profissional e esteve sempre em paralelo com minha pesquisa acadêmica na área de estudos feministas e de gênero”, explica.
O encontro desses dois caminhos culminou na escolha por elaborar um dos capítulos de sua tese acadêmica utilizando a linguagem das histórias em quadrinhos. Buscando criar uma pesquisa acessível e interessante para a comunidade trans, o artista resolveu ilustrar o último encontro com seu avô, que não o reconheceu em razão dos efeitos dos hormônios no corpo do neto. Foi essa a proposta enviada ao edital Rumos Itaú Cultural e selecionado na edição 2018. “Por surpresa, fui contemplado”, diz.
O projeto Monstrans: Experimentando Horrormônios vai possibilitar a publicação de um livro autobiográfico em quadrinhos. “O conteúdo inclui uma introdução e três histórias ilustradas em aquarela, nas quais relaciono deficiência, lesbianidade e transgeneridade a experiências de ininteligibilidade utilizando a figura do monstro como metáfora. Serão impressas mil cópias e faremos eventos de lançamento priorizando o público travesti e trans”, adianta o autor.
A ideia é lançar o livro em oito cidades do Brasil e, possivelmente, em outros países da América Latina. Segundo Lino, os eventos de lançamento serão organizados prioritariamente com iniciativas autônomas voltadas a pessoas trans e travestis em situação de vulnerabilidade, como a Casa 1, em São Paulo, e a Casa Nem, no Rio de Janeiro, projetando arrecadação de auxílio financeiro a elas.