A Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei no 8.313/1991), ou Lei Rouanet, prevê três modelos de investimento em cultura: o incentivo fiscal ou mecenato; o Fundo Nacional de Cultura, com investimentos diretos em áreas não cobertas pelo Mecenato; e o Ficart, que prevê crédito específico ao setor. Desses três, o que tem tido um melhor funcionamento – apesar de incorrer em diversos problemas – é o primeiro, da renúncia fiscal, por meio de Mecenato[1]. 

Quando analisamos o total captado para o ano de 2020, percebemos que a tendência de recuperação no nível de captação que vem ocorrendo desde 2016 - ponto em que a captação atingiu seu menor valor na última década, cerca de R$1.3 bilhões - parece estar se mantendo, apesar da crise sanitária atual. Percebe-se que a captação se mantém em quase 100% do valor da renúncia, o que confirma tanto a disposição por parte dos investidores, quanto a alta capacidade de captação dos proponentes.

Fonte: SalicNET. Valores ajustados pelo IPCA.

Devido à pandemia de COVID-19, havia uma percepção inicial de diminuição no total de montante captado para o ano de 2020.  Entretanto, conforme apontado pelo relatório Dez anos de economia da cultura no Brasil e os impactos da covid-19  publicado pelo Observatório Itaú Cultural com base no Painel de Dados, "habitualmente, o maior montante de recursos é captado no segundo semestre – mais precisamente nos dois últimos meses do ano, quando grande parte das empresas brasileiras que operam com lucro real definem, com base na expectativa de valores do Imposto de Renda, quanto irão investir" (p. 48).  O gráfico a seguir analisa o percentual de captação por semestre e demonstra essa tendência no decorrer dos últimos 10 anos.

Fonte: SalicNET. Valores ajustados pelo IPCA.

Conforme pode ser observado, o total de captação no segundo semestre de 2020 foi de 86%, valor superior a todos os anos da série histórica aqui analisada. Além do aumento da concentração da captação no segundo semestre, a principal diferença apresentada para o ano de 2020 em relação aos demais é que o mês de dezembro concentra 68,84% do total captado para o ano. Percentual que vinha crescendo desde 2015, mas que deu um salto considerável no último ano, conforme demonstra tabela a seguir:

Percentual de captação no mês de dezembro (em %)

Ano

Captação em Dezembro (em %)

2010

42,94

2011

43,60

2012

41,92

2013

43,84

2014

42,81

2015

44,51

2016

48,45

2017

52,76

2018

53,60

2019

56,92

2020

68,84

Fonte: SalicNET. Valores ajustados pelo IPCA.

Quando olhamos para a distribuição regional dos valores captados, percebemos a manutenção do padrão de 2019 e dos demais anos: mais de 2/3 dos valores são captados na região sudeste, cerca de R$ 1.15 bilhões em 2020. As demais regiões parecem manter um nível relativamente igual percentualmente quando comparamos a proporção de captação 2020 com 2019 – as variações são de 0,1% no norte e nordeste e 0,2% no sudeste e centro-oeste -  e apresentam pequena variação na proporcionalidade de distribuição de recursos de 2010 para 2020, conforme pode ser verificado no gráfico abaixo. 

Fonte: SalicNET.

Ao analisarmos o valor total de captação, entretanto, percebemos que de 2010 para 2020 houve mudanças consideráveis na distribuição regional.  Nesse sentido, a região sul manteve o nível relativamente estável e a região sudeste observou uma variação negativa de 25% no nível de captação. As regiões norte, nordeste e centro-oeste, por sua vez, tiveram variação negativa no nível de captação em mais de 70%, 50% e 40%, respectivamente.  Ou seja, a diminuição relativa no nível total de captação via renúncia fiscal de 2010 para 2020 parece ser devido à relativa baixa captação nessas três regiões em específico. 

Lei Federal de Incentivo à Cultura – captação por região

 

Região

2010

% região

2019

% região

2020

% região

Centro-Oeste

55.785.556,94

2,8%

31.715.973,18

2,10%

34.361.732,95

2,3%

Nordeste

121.749.741,58

6,1%

62.200.922,48

4,12%

61.653.680,38

4,2%

Norte

46.098.384,65

2,3%

18.990.407,48

1,26%

16.858.297,01

1,2%

Sudeste

1.545.333.655,95

77,4%

1.181.107.740,92

78,22%

1.141.692.686,99

78,0%

Sul

227.864.252,14

11,4%

216.036.011,25

14,31%

209.307.044,45

14,3%

Fonte: SalicNET. Valores ajustados pelo IPCA.

Quando analisamos a distribuição de captação por segmento cultural, percebemos duas variações de 2019 para 2020 que podem ser resultados da pandemia de COVID-19: o aumento da captação pelo segmento de museus e memória (com variação positiva de 17% no montante total) e a diminuição da captação por parte do segmento de artes cênicas (com variação negativa de cerca de 20% no montante total). Nos dois casos, as restrições impostas pelo fechamento de espaços e pelo distanciamento social colocaram os segmentos em um contexto de inviabilização de atividades, as quais não são facilmente traduzidas para os meios digitais. No primeiro, parece ter ocorrido uma necessidade de maior apoio para manutenção de atividades que de outra maneira seriam viabilizadas por receitas próprias por meio de ingressos, por exemplo. No segundo, as mesmas restrições parecem ter gerado incapacidade de viabilização de projetos - altamente dependentes da capacidade de aglomerar pessoas em locais fechados - e, portanto, uma menor capacidade de captação de recursos. Importante ressaltar que os demais segmentos parecem ter se mantido estáveis, com variações percentuais de menos de 1% na proporção de captação.

 

Fonte: SalicNet.[2] 

 

Lei Federal de Incentivo à Cultura |A participação dos maiores incentivadores – Empresas

Com base nas informações disponíveis no Salic, o Observatório Itaú Cultural procedeu a uma análise dos maiores investidores de 2010 a 2020, agrupando as diversas empresas que compõem um mesmo grupo econômico, a fim de se ter um retrato mais fidedigno da participação de tais grupos no financiamento à cultura na última década. 

Durante a última década, os cinco maiores incentivadores apresentam uma participação bastante importante tanto em valores totais de investimento, quanto em proporção do total captado. Entre 2010 e 2012, sua participação era superior a 30% do total captado. A partir de 2013, tanto o montante total investido, quanto sua proporção em relação ao total captado ficou na média de 25%, tendo uma pequena queda em 2018 (15%). 

Valor total investidos pelos cinco maiores incentivadores

 

Ano

Valor total investido(em R$)

% do total captado

2010

633.084.287,95

32%

2011

822.779.911,89

39%

2012

607.433.034,01

31%

2013

446.719.837,51

25%

2014

486.944.942,92

27%

2015

419.436.570,37

28%

2016

351.568.183,01

27%

2017

302.687.732,51

23%

2018

211.086.252,57

15%

2019

407.632.881,91

27%

2020

352.512.935,58

24%

Fonte: SalicNet. Valores ajustados pelo IPCA.

Em 2020, destacamos que os aportes de grupos econômicos do setor financeiro privado apresentaram uma diminuição considerável inerente provavelmente à queda da taxa de lucro líquido entre 20% e 40%, que instituições como Itaú, Banco do Brasil e Bradesco passaram. O que manteve o valor do aporte foi o alto investimento de empresas como Vale e o BNDES, que em conjunto foram responsáveis por mais de 16% dos investimentos totais. 

 

Maiores incentivadores (2020)

 

Grupo econômico

Valor investido (em R$) em 2019

% do total captado

Vale

154.415.621,12

11%

BNDES

73.242.309,56

5%

Itaú

46.497.983,00

3%

Banco do Brasil

46.341.071,82

3%

Bradesco

32.015.950,08

2%

Total

352.512.935,58

24%

Fonte: SalicNet. Valores ajustados pelo IPCA.

 

Lei Federal de Incentivo à Cultura | A participação de pessoas físicas no incentivo a projetos culturais

Ao analisarmos o tipo de pessoa que tem incentivado os projetos, há uma notável predominância de pessoas jurídicas ao longo dos anos. Mais recentemente, contudo, houve um aumento de incentivos por parte de pessoas físicas. De 2019 para 2020, diminui relativamente, de R$ 48 milhões para R$ 40 milhões, mas mesmo assim encontra-se em patamares historicamente maiores quando comparamos com 2010, por exemplo (cerca de R$ 26 milhões): há um salto de cerca de 2% na proporção de incentivadores pessoa física no período de 2010 a 2020.

Fonte: SalicNet. Valores ajustados pelo IPCA.

Entre 2010 e 2020, o valor percentual de incentivo proveniente de pessoas físicas passou de 1,3% para 2,79%, tendo seu ápice em 2019 com 3,21%. Há uma clara tendência de aumento percentual, que é confirmada pelo valor absoluto dos incentivos. Ou seja, desde 2010, os incentivadores pessoas físicas tem não só crescido proporcionalmente dentro do contexto geral, mas o valor incentivado tem sido maior também. A diminuição dos valores de incentivos de pessoas físicas em 2020 era esperada pelo contexto da pandemia de COVID-19 - que além de diminuir a quantidade de doadores, também muda o foco de doações para áreas como saúde, por exemplo. 

Percentual dos incentivos de pessoas físicas em relação ao total captado

Ano

Incentivos de Pessoa físicas 

Valor total de incentivos de pessoas físicas (em R$)

2010

1,34%

26.697.785,76

2011

1,40%

29.774.262,28

2012

1,75%

34.099.383,52

2013

1,79%

32.279.687,34

2014

1,86%

33.345.919,14

2015

2,62%

38.902.325,20

2016

2,75%

35.925.023,97

2017

2,95%

38.695.433,26

2018

2,94%

40.161.186,18

2019

3,21%

48.526.894,07

2020

2,79%

40.821.771,38

Fonte: SalicNet

[1]  Até a aprovação da Lei Aldir Blanc, os investimentos diretos por meio do Fundo Nacional de Cultura encontravam-se basicamente estagnados.

[2] Há uma diferença de segmentos de 2010 para 2019/2020 devido a mudança de normativa em 2017. A Instrução Normativa n. 1, de 20 de março de 2017 inclui o segmento de Museus e Memória com o objetivo de atender o setor de maneira mais adequada. A mesma normativa extinguiu o segmento de Artes Integradas.