Panorama geral e setorial da economia criativa no Brasil
A economia criativa demonstrou expressivo crescimento em seu nível de emprego no 3º trimestre de 2022, comparativamente ao 3º trimestre de 2021, um aumento de 9%, com a criação de cerca de 616 mil de postos de trabalho. Dentre esses, os trabalhadores de apoio foram responsáveis por cerca de 413.652 mil novos postos de trabalhos, cerca de 67% do total.
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022).
A taxa de aumento no emprego da economia criativa mostrou-se bem menos expressiva - apresentando inclusive uma leve queda entre 2022.2 e 2022.3 (-1%) - do que a da economia brasileira, que apresentou um aumento de 11% no nível de emprego no mesmo período. Apesar do aquecimento econômico, chamamos a atenção para o fenômeno mais estrutural do aumento da pobreza e do desemprego estrutural ampliado para a população de renda mais baixa.[1]
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022).
Entre o 3º trimestre de 2021 e o 3º trimestre de 2022, todos os segmentos da economia criativa apresentaram crescimento expressivo em seus níveis de emprego, com destaque para os trabalhadores de apoio[2], que tiveram um crescimento de 16% no emprego (mais 410 mil postos de trabalho). Os trabalhadores incorporados[3] também apresentaram variação significativa no período (cerca de 195 mil postos de trabalho). Por fim, destacam-se os trabalhadores especializados culturais[4], com uma variação positiva de cerca de 51 mil postos de trabalho, e os especializados criativos[5], que, com uma redução de cerca de 43 mil postos de trabalho no período, foi o único segmento a apresentar uma variação negativa para o período (2021.3 – 2022.3).
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022).
No conjunto dos trabalhadores criativos, seis categorias ocupacionais apresentaram queda entre 2022.2 e 2022.3: Arquitetura (-2%), Moda (-5%), Cinema, Música, Fotografia, Rádio e TV (-6%), Artes Cênicas e Visuais (-14%) e Atividades Artesanais (-15%). Para o setor de Artesanato, uma possível explicação é o arrefecimento da demanda após meses intensos de expansão desde o período de meados de 2020. O setor de Artesanato, assim como a grande maioria dos setores da economia brasileira, sofreu quedas abruptas no início do período da pandemia de COVID-19; contudo, foi um dos primeiros a se recuperar também a partir do terceiro trimestre de 2020. Por ser um setor de inserção mais facilitada, é possível que muitos trabalhadores que tenham se deslocado para o setor, estejam agora retornando às ocupações anteriormente exercidas. No caso da Moda, chamamos a atenção para a queda contínua entre 2021.3 e 2022.1, com uma breve recuperação entre 2022.1 e 2022.2 – que não foi o suficiente para retomar ao patamar de 2021.3 – seguida de nova queda entre 2022.2 e 2022.3. Essa grande variação pode ser sintoma de uma fragilidade setorial relacionada ao alto nível de informalidade. Dentro da série histórica disponível, os níveis de informalidade para os trabalhadores criativos da Moda se mantêm na média de 74%.
Por fim, chamamos a atenção para o setor de Museus e Patrimônio, que apesar de demonstrar uma recuperação no período analisado, ainda não voltou a patamares pré-pandêmicos – quando registrava cerca de 50 mil postos de trabalho. Uma possível explicação para essa contínua queda pode estar na falta de adaptabilidade para o consumo on-line. Conforme destaca a terceira edição da pesquisa Hábitos Culturais, uma parceria entre o Itaú Cultural e o Instituto Datafolha, a atividade de exposições e museus foi uma das menos realizadas de modo on-line durante o período da pandemia. Apenas 1% dos respondentes diz ter realizado a atividade on-line, enquanto 23% diz ter realizado presencialmente no período anterior à pandemia. É a que mais divide opiniões em relação à continuação da participação on-line: 52% atestam que continuariam on-line, em comparação, por exemplo, com 75% que continuariam assistindo apresentações artísticas on-line (teatro, dança, música; outras atividades também tradicionalmente presenciais). De maneira mais ampla, o interesse por visita a museus e exposições também diminuiu no período analisado pela pesquisa Hábitos Culturais. Enquanto 11% dos respondentes afirmaram visitar museus antes da pandemia, o total é de 8% neste momento de retomada.
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022). Nota: *Amostra não significativa.
Análise sobre a formalização do mercado de trabalho criativo
Quanto ao tipo de vínculo de trabalho, o período entre os terceiros trimestres de 2021 e 2022 revela dois importantes aspectos. Primeiro, a ampliação dos empregos formais da economia criativa (10%) e no total da economia brasileira (9%). Por outro lado, em linha com o agregado para o mercado de trabalho brasileiro, a variação da informalidade mostrou-se menos intensa na economia criativa. No mesmo período, registrou-se um aumento de 7% no segmento informal da economia criativa, enquanto o agregado da economia brasileira registrou uma variação um pouco menor (4%).
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022).
Geografia da economia criativa no Brasil
Quanto à regionalidade, observa-se que, entre o 3º trimestre de 2021 e o 3º trimestre de 2022, Maranhão (37%), Mato Grosso (19%) e Roraima (17%) foram as unidades federativas com as maiores taxas de crescimento no emprego na economia criativa, puxadas principalmente pelas categorias de Moda e Atividades Artesanais. Apesar de apresentar menores variações percentuais, os estados que apresentaram maior crescimento em número de postos de trabalho no período foram São Paulo (295.576), principalmente devido às categorias de Tecnologia da Informação e Publicidade e Serviços Empresariais, e Rio de Janeiro (79.962), devido às categorias de Tecnologia da Informação e Cinema, Música, Fotografia, Rádio e TV. No período entre 2020.3 e 2022.3, todos os estados apresentaram variações positivas, com exceção de Sergipe (-35%), com uma queda de 21.499 postos de trabalho.
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022).
Economia criativa no Brasil: questões de raça e gênero no mercado de trabalho
Quanto ao gênero, observa-se que o perfil dos trabalhadores da economia criativa permaneceu basicamente o mesmo durante o período analisado. Esta configuração é próxima à configuração do total da economia brasileira, com uma maior participação masculina na composição da força de trabalho. Contudo, na economia criativa, a participação feminina é ligeiramente maior em relação ao total da economia brasileira.
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022).
Explorando temas levantados em artigo publicado na 32ª edição da Revista Observatório Itaú Cultural, no qual se faz uma exploração da questão racial na economia criativa, passaremos a uma análise com esse recorte específico[6]. O emprego na economia criativa possui alta concentração de trabalhadores autodeclarados brancos, comportamento que se mostra constante desde o primeiro ano da série histórica da PNAD Contínua (IBGE)[7]. Em média, no período, 58% dos trabalhadores da economia criativa se autodeclaram brancos, 33% pardos, 8% pretos e 2% de demais grupos, como amarelos e indígenas[8]. As diferenças de remuneração média também marcam o setor: o salário de pessoas autodeclaradas pretas e pardas é cerca de 50% inferior ao de brancos. No recorte de gênero, mulheres pretas ganham cerca de 70% a menos que homens brancos[9].
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022).
A participação de negros (agregado de pretos e pardos)[10] na economia criativa mostra-se menos expressiva do que para o agregado da economia brasileira e, mesmo, comparativamente à composição étnico-racial da população brasileira. Enquanto 56% dos cidadãos brasileiros com 10 anos ou mais se autodeclararam pretos e pardos (IBGE, 2021)[11], entre o 3º trimestre de 2021 e o 3º trimestre de 2022, a participação de trabalhadores negros no total de ocupados na economia criativa foi de, em média, 41%, ante os 54% observados na economia brasileira. De forma análoga, portanto, observa-se que, no período em apreço, a participação de brancos no mercado de trabalho da economia criativa (58%, em média) é mais expressiva do que para o agregado da economia brasileira (45%).
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022).
Quanto aos trabalhadores criativos (trabalhadores especializados e incorporados), observa-se que os pretos e pardos possuem participação mais significativa no emprego nas ocupações culturais (ou seja, nas áreas de Atividades Artesanais, Artes Cênicas e Artes Visuais, Cinema, Música, Fotografia, Rádio e TV e Museus e Patrimônio) do que nas demais ocupações criativas (Arquitetura, Design, Editorial, Gastronomia, Moda, Publicidade e Serviços Empresariais e Tecnologia da Informação). Ao considerarmos pretos e pardos, os trabalhadores de ocupações culturais representam pouco mais de 50% do total somente no segundo trimestre de 2022.
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022).
Já no segmento dos empregados dos setores criativos (trabalhadores especializados e de apoio), os setores que possuem uma maior participação de trabalhadores pardos e pretos no total de empregados são os de Moda, Atividades Artesanais e Artes Cênicas e Visuais. Ressaltamos, contudo, que o único ponto na série histórica em que há maioria de pretos e pardos em uma categoria setorial é em 2022.3 para Atividades Artesanais (53%). Por seu turno, os setores de Publicidade e Serviços Empresariais, Arquitetura, Tecnologia da Informação e Editorial são os com maior média histórica de participação de trabalhadores brancos empregados.
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022). Nota Partes sem dados nas categorias Editorial e Museus e Patrimônio se referem a amostras não significativas para os respectivos grupos raciais.
Em relação à remuneração média, todos os grupos raciais têm aumentado seu nível salarial nominal ao longo dos anos na economia criativa. Em 2022.3, a média salarial na economia criativa (R$ 3,8 mil) supera a média salarial para o agregado da economia brasileira (R$ 2,7 mil) em cerca de 40%. Contudo, os salários médios de pretos e pardos seguem sendo cerca de 50% menores do que os dos trabalhadores brancos da economia criativa - esta diferença é ainda maior no agregado da economia, com pretos e pardos recebendo cerca de 70% menos que trabalhadores brancos[12]. Parte dessa explicação está na diferença do nível de escolaridade dos trabalhadores do setor cultural e criativo para diferentes grupos raciais. Dentre os trabalhadores brancos predomina a formação de ensino superior completo, enquanto para trabalhadores pretos e pardos predomina a formação de ensino médio completo.
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022).
Há também diferenças nas médias salariais por gênero. As mulheres recebem menos do que os homens em todos os grupos raciais analisados, mas os trabalhadores brancos de ambos os gêneros recebem mais do que os trabalhadores pardos e pretos. As grandes diferenças refletem questões raciais e de gênero ao longo de toda série histórica: o salário das mulheres pretas mantém, ao longo da série histórica, uma média quase 70% menor do que a dos homens brancos da economia criativa. No agregado da economia brasileira esta diferença é ligeiramente menor - ainda que bastante intensa -, com mulheres pretas e pardas recebendo um salário 55% menor que homens brancos. Em 2022.3, na economia brasileira, enquanto homens brancos recebem em média R$ 3,8 mil, homens pretos e pardos recebem em média R$ 2,2 mil; as mulheres brancas, por sua vez, recebem R$ 2,9 mil e as mulheres pretas e pardas cerca de R$ 1,8 mil. Cabe destacar ainda algumas comparações entre o salário médio de homens brancos da economia criativa em relação ao restante da economia nacional. Em relação à média nacional brasileira, homens brancos trabalhadores da economia criativa recebem, em média, salários que são cerca de 40% maiores que de homens brancos, 90% maiores que o de mulheres brancas, 150% maiores que o de homens pretos e pardos e 200% maiores que o de mulheres pretas e pardas.
Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022).
[1] Ver entrevista de Ricardo Paes de Barros para o Valor Econômico: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/08/19/mais-pobres-perderam-estrategias-de-sobrevivencia.ghtml.
[2] Trabalhadores não criativos empregados pelos setores criativos (por exemplo, um advogado atuando no setor de Audiovisual).
[3] Trabalhadores criativos empregados pelos setores não criativos (por exemplo, um designer atuando no setor Automobilístico).
[4],[5] Os trabalhadores especializados correspondem aos trabalhadores criativos que são empregados nos setores criativos (por exemplo, um músico atuando no setor de Música). Ainda assim, é possível desagregar este grupamento em duas subcategorias: trabalhadores especializados culturais (Atividades Artesanais, Artes Cênicas e Artes Visuais, Cinema, Música, Fotografia, Rádio e TV e Museus e Patrimônio) e os trabalhadores especializados criativos (Arquitetura, Design, Editorial, Gastronomia, Moda, Publicidade e Serviços Empresariais e Tecnologia da Informação).
[6] SILVA, Larissa Couto; TRAGTENBERG, Marcelo Henrique Romano. Desigualdades raciais no setor criativo. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 32, 2022. Disponível em: https://www.itaucultural.org.br/secoes/observatorio-itau-cultural/desigualdade-racial-setor-cultural-criativo. Acesso em: 2 set 2022. DOI: https://www.doi.org/10.53343/100521.32/3.
[7] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
[8] Reforçando que há uma baixa representatividade desses dois últimos grupos na população brasileira como um todo, o que também é expresso nas demais pesquisas censitárias oficiais.
[9] Os valores que aparecem no gráfico são arredondamentos automáticos, o que pode ocasionar os valores a somarem mais de 100%.
[10] Os grupos raciais oficiais, segundo a abordagem do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), são, na verdade, referidos como grupos segundo “cor”. Os entrevistados pelas pesquisas censitárias se autodeclaram escolhendo uma das seguintes “cores”: brancos, pretos, pardos, amarelos e indígenas. A agregação de pretos e pardos em um único grupo (negros) é uma abordagem comum na literatura socioeconômica brasileira (Osório, 2009; Telles, 2014). Para maiores informações sobre a abordagem metodológica relativa à composição étnico-racial da população brasileira, acesse o material do IBGE (2013).
[11] IBGE. (2021). Pesquisa nacional por amostra de domicílios (PNAD) contínua trimestral - 4º trimestre 2021. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
[12] No agregado da economia brasileira, em 2022.3, os trabalhadores brancos apresentam uma média salarial de cerca de R$ 3,4 mil reais - cerca de 25% menor que a média de trabalhadores brancos da economia criativa -, enquanto pretos e pardos tem a média de R$ 2 mil - cerca de 30% menor que trabalhadores pretos e pardos da economia criativa.