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Desenho de Denilson Baniwa, ocupando a maior parte da imagem há a figura de uma mulher indígena, com grafias na altura da testa e nas bochechsa, ela usa uma camisa branca e está lendo o livro "Ideias para adiar o fim do mundo" de Ailton Krenak. O fundo é uma textura em azul escruto e há o desenho de personagens em canoas e outros grafismos.

Entrevista com Samara Pataxó sobre direitos culturais indígenas

Conversa aborda a importância da demarcação das terras indígenas como direito cultural e condição de sobrevivência da humanidade

Publicado em 03/11/2023

Atualizado às 11:53 de 29/12/2023

Samara Pataxó em entrevista para Lucas Cravo de Oliveira

Capa da Revista Observatório 36

[acesse aqui o sumário da Revista Observatório 36]

Os problemas que afetam os povos indígenas atualmente no Brasil tiveram início com a invasão da Coroa portuguesa, em 1500. Os colonizadores que aqui chegaram usurparam e redividiram as terras e os bens que encontraram como se não houvesse povos a habitar tais territórios. Uma diversidade sem igual de povos desapareceu, assim como viu seus direitos serem dilapidados. A consequência dessa violência colonial é sentida ainda hoje ao encararmos a sensibilidade da implementação das políticas públicas direcionadas à proteção dos direitos dos povos indígenas. A seguir, Samara Pataxó, uma jovem advogada que atua no sistema de justiça, nos conta um pouco dessa história, que atravessa os séculos e segue reverberando no tempo presente.

Lucas Cravo (LC): O que são as terras indígenas?

Samara Pataxó (SP): Quanto à história tida como oficial do Brasil, da qual falamos que não é a história única, considerando que é a história contada pelos vencedores, que fala sobre o descobrimento do Brasil: precisamos voltar a essa história porque, na verdade, foi invasão. A invasão do Brasil pelos colonizadores portugueses e depois por outros – espanhóis e holandeses, por exemplo. Se eles chegaram de alguma forma, se invadiram, é porque já existiam povos que aqui habitavam. Povos originários. Povos nativos. Não só no Brasil, como na América. Considerando a dimensão continental do Brasil, tínhamos várias nações aqui de povos indígenas. Éramos milhões. Fomos sendo reduzidos de acordo com a expansão da colonização. O processo histórico civilizatório e religioso foi culminando no extermínio. Na perda de territórios. De cultura. De língua. Portanto, o que são terras indígenas: é todo o Brasil. Toda a América é indígena. Isso tudo aqui é território indígena. Só que hoje, a partir da compreensão que temos, com os processos históricos que fomos vivenciando pela colonização, pela religião e por outros processos que culminaram no extermínio, também foi necessário assegurar elementos que mantivessem a nossa existência como povos originários e o território. 

A terra indígena é um elemento essencial para essa continuidade, para esse futuro dos povos indígenas. A terra indígena é um elemento sagrado de continuidade existencial dos povos indígenas. E, hoje, embora a gente não possa reocupar todas as áreas que um dia foram nossas, existem áreas que fazem parte dessa história de quem aqui já estava. Por isso falamos que as terras indígenas tradicionalmente ocupadas são as terras que nossos antepassados ocuparam, que têm uma ligação ancestral com a história do meu povo. A história dos povos indígenas é ligada a terras e territórios e a todos os outros elementos que completam aquele território. Terra indígena, do ponto de vista dos povos, é algo sagrado, algo que traz ancestralidade, nossa bagagem histórica, mas também é possível falar delas a partir de conceitos jurídicos. Há uma figura jurídica que a gente encontra em documentos históricos desde a época do Brasil colonial em que se previa o respeito à reserva de terras. Desde a época da legislação das sesmarias até agora, no século XXI, com a Constituição de 1988 e outras normas internacionais. Temos terra que possui significado para nós, povos indígenas; e terra indígena, conceito e natureza jurídica protegida pela legislação nacional e internacional, que é um dos principais direitos pelos quais nós lutamos. Lutar por direitos territoriais não é uma bandeira ideológica, meramente de luta, mas um direito fundamental.

LC: Qual é a importância da demarcação das terras indígenas?

SP: Essa é uma das principais políticas públicas voltadas para garantir direitos dos povos indígenas. Eu costumo dizer que a demarcação é um dever do Estado como a Constituição prevê. É um direito originário dos povos indígenas para posse e usufruto, mas é um dever do Estado demarcar e protegê-las. Então, não estamos falando de uma política de governo ou de uma demanda social de um movimento social indígena: estamos falando de um direito, de um dever constitucional. Assim, se é um dever, não é uma política de governo. É uma política de Estado. E está na principal norma do país, na Constituição. A importância disso é assegurar direitos aos povos indígenas não no sentido de que “Ah, os povos indígenas têm direitos demais” ou “porque a Constituição prevê em um capítulo específico esse direito, colocando os povos indígenas numa condição de supermerecedores, numa condição de excepcionalidade”. O que ocorre é que esses direitos estão inseridos em um contexto de reparação histórica. De reconhecimento como povos originários. De garantia do território como condição de vida e subsistência dos povos indígenas.

A demarcação é esse ato de procedimento administrativo simbólico, porém declaratório de direito. Tanto uma declaração em relação a uma situação fática do passado, de todo um processo histórico, quanto uma declaração de futuro

A demarcação de terras indígenas é tanto em relação ao passado, como uma reparação histórica de um reconhecimento de que povos originários aqui já estavam, quanto como uma projeção de futuro de que os indígenas continuem existindo, que continuem tendo seus modos de vida preservados na perspectiva de futuro. A demarcação é esse ato de procedimento administrativo simbólico, porém declaratório de direito. Tanto uma declaração em relação a uma situação fática do passado, de todo um processo histórico, quanto uma declaração de futuro, de que os povos indígenas precisam do território, que ele seja demarcado, protegido, preservado, o bem-estar garantido, e tudo aquilo que o artigo 231, parágrafo 1o traz, mas sobretudo permitir que os povos indígenas continuem existindo. Também é uma declaração de futuro.

A gente percebe que, embora seja uma política de Estado, um dever do Estado, de 1988 para cá temos um déficit de demarcação de terras indígenas, embora na década de 1990 tenha sido expressiva a quantidade de terras demarcadas. Não é só o governo querer demarcar ou não, mas outros fatores também influenciam nisso: fatores sociais, econômicos, políticos, que acabam esvaziando a política de demarcar terras indígenas. E aí, no meu caso, na minha pesquisa de mestrado, trato a questão da judicialização. Como as demarcações, além das fases de procedimento administrativo que já são complexas e burocráticas, têm uma fase a mais agora, que é a questão de quando o processo demarcatório é levado para ser discutido no Poder Judiciário[1]. Muitas vezes eternizam os processos de demarcação, por isso que às vezes a gente acaba tendo menos demarcações. Dos anos 2000 em diante, muitos procedimentos de demarcação foram contestados em juízo. Também terras já demarcadas foram e seguem sendo alvos de ações para desfazer demarcações. Então, sobre a questão da demarcação, quando a gente olha hoje para um número talvez menor, não tem como a gente olhar apenas e jogar a culpa no Poder Executivo. A gente também enfrenta governos que encaram essa pauta com mais seriedade ou não, mas há outros atravessamentos, seja por causa da judicialização, que é um dos principais fatores, seja por todo o contexto de racismo e preconceito que impede cada vez mais que a demarcação de terras indígenas ocorra com mais frequência, que seja algo mais recorrente.

Desenho de Denilson Baniwa, ocupando a maior parte da imagem há a figura de uma mulher indígena, com grafias na altura da testa e nas bochechsa, ela usa uma camisa branca e está lendo o livro
Ensaio Artístico Revista Observatório 36 | Denilson Baniwa - Sem título (imagem: Denilson Baniwa)

LC: Qual é a relação entre a demarcação das terras indígenas e os direitos culturais dos povos indígenas?

SP: A ligação é total, porque isso vem muito da visão que nós, indígenas, temos sobre o que são nossos territórios e quais são suas dimensões. Quem coloca limites não somos nós, os povos indígenas. São os homens brancos. Ou, hoje em dia, o Estado. Essa outra concepção de viver no mundo capitalista, globalizado, é que cria limites territoriais. Essa noção de limitar territórios não faz parte da nossa vida. Nós ocupávamos tudo isso aqui de dimensão continental. Inclusive não existia nem separação entre o Brasil e outros países da América Latina. Habitávamos transitando por entre os países. Os povos tidos como nômades, na verdade, é porque não existiam limites em relação à nossa sobrevivência nesse contexto. Pensando em resguardar os direitos originários, é a partir daí o momento em que se criam limites. Lá na época das sesmarias, já se dividia o país em regiões, em pedaços. Aí as terras indígenas também tiveram que ser delimitadas. A demarcação é necessária para delimitar essa dimensão territorial. Mas é importante que ela não seja feita de qualquer jeito. Não é uma demarcação por si só em qualquer pedaço de terra. São terras em que existe essa ligação ancestral, cosmológica. Por isso, os direitos culturais são fundamentais para efetivar a contento o direito originário às terras tradicionalmente ocupadas por nós, povos indígenas. Não é qualquer pedaço de terra. É necessário levar em consideração a relação que cada povo indígena tem com seu território. Verificar os elementos que compõem a tradicionalidade dessa relação. Por isso a importância dos estudos antropológicos sobre os territórios. E esses elementos da cultura são fundamentais para caracterizar uma terra tradicionalmente ocupada para ser demarcada.

A demarcação é necessária para delimitar essa dimensão territorial. Mas é importante que ela não seja feita de qualquer jeito. Não é uma demarcação por si só em qualquer pedaço de terra. São terras em que existe essa ligação ancestral, cosmológica. Por isso, os direitos culturais são fundamentais para efetivar a contento o direito originário às terras tradicionalmente ocupadas por nós, povos indígenas

Então, é essencial observar a tradicionalidade, sobretudo a partir desses aspectos históricos, culturais, de cada povo indígena. Uma coisa depende da outra. A demarcação não pode ser em qualquer lugar. Tem que ter elementos de tradicionalidade. Isso é identificado através de vários fatores. A importância de um rio que passa em determinada área. Isso compõe a tradicionalidade daquele povo. É a importância de um cemitério indígena, um lugar onde se fazem os rituais para enterrar seus mortos. Ou uma árvore sagrada, milenar. Então, é fundamental perceber essa simbologia da cosmovisão indígena. Essa questão que compõe a cultura indígena, a tradicionalidade indígena, é essencial para que o ato de demarcar, de constituir limites, possa ser efetivo e para que a demarcação esteja atenta também para não deixar de fora áreas de ocupação tradicional e que trazem esses elementos culturais para os povos indígenas. Isso acontece muito no território pataxó. Embora demarcado, ele tem áreas que ficaram de fora da demarcação que foi feita há anos. Até hoje reivindicamos a revisão da demarcação feita ou a constituição de uma nova terra indígena para contemplar essas outras áreas que ficaram de fora e que são sagradas para nós. Não é a demarcação por si só que deve ser feita. Ela tem que ser efetiva. Contemplando toda a cultura indígena e todos os traços de tradicionalidade que ali estão.

LC: Como você entende o papel das organizações indígenas na defesa desses direitos culturais?

SP: É de extrema importância, porque são as organizações indígenas que são representativas dos povos indígenas. Temos organizações indígenas mais locais, regionais, e organizações indígenas em nível nacional. Então, acaba sendo importante justamente para fazer essas lutas em diferentes escalas. Seja de forma local, regional, nacional ou internacional. Além das fronteiras. É muito importante, porque acaba trazendo mais força para essa pauta de luta. As organizações indígenas servem de interlocutoras entre os conflitos, viabilizam as demandas internas para com o Estado, para com outros apoiadores. Elas atuam para estabelecer diálogo, para buscar a efetividade desses direitos: pressionando quem precisa ser pressionado, denunciando quem precisa ser denunciado. 

Acredito também que, hoje em dia, pensando em movimento indígena, as organizações indígenas vão se moldando de acordo com o passar do tempo e dos anos. Antigamente, as organizações estavam mais focadas em um contexto micro, como a ida até as sedes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A partir do momento em que a gente avança em direitos e nessa conscientização de lutar por eles, ficamos empoderados também para conhecer as estruturas, seja o sistema de justiça, seja outras formas institucionais, de modo que a gente vai aprimorando e reformulando as estratégias de luta.

A demarcação é necessária para delimitar essa dimensão territorial. Mas é importante que ela não seja feita de qualquer jeito. Não é uma demarcação por si só em qualquer pedaço de terra. São terras em que existe essa ligação ancestral, cosmológica. Por isso, os direitos culturais são fundamentais para efetivar a contento o direito originário às terras tradicionalmente ocupadas por nós, povos indígenas

Se antes a estratégia era somente fechar uma estrada BR ou fazer uma manifestação, agora a gente vai pensando em ir além disso. A gente também precisa qualificar os nossos, ter antropólogos, ter advogados, ter representantes políticos, deputados, vereadores, prefeitos, para alargar esse âmbito de militância, de luta. E trazer uma luta não apenas de movimento político, mas também uma luta técnica, qualificada, dentro das estruturas de poder. Aí é que está a importância do movimento indígena em se preocupar com a formação e também ser assessorado por advogados e advogadas indígenas. Nesse campo jurídico, em um primeiro momento há a importância das organizações indigenistas e de seus apoiadores não indígenas oferecerem esse suporte, mas cada vez mais o movimento indígena vai se moldando e tendo seu próprio corpo técnico. Temos o exemplo da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e todas as outras que hoje já têm o seu corpo técnico qualificado para lutar de maneira técnica dentro das estruturas que precisam ser movidas para efetivar essas políticas voltadas para povos indígenas. A importância do movimento indígena hoje é essencial para reivindicar esses direitos e lutar pela efetivação.

LC: Pensando nos efeitos sobre as populações não indígenas, como você avalia o impacto da demarcação das terras indígenas e da diversidade cultural no planeta?

SP: Extremamente importante. As pessoas costumam dizer: “Ah, é direito dos índios, o que isso tem a ver comigo? Nem gosto de índio, nem sei se índio existe”. Aí vem toda uma carga de preconceito e distanciamento que a sociedade em geral tem sobre quem somos, o que queremos, onde estamos. Então, trata-se de uma falta de conhecimento mesmo da sociedade sobre nossas realidades, nossas lutas. Muitos têm conhecimento raso sobre quem são os povos indígenas. “Se é que existem indígenas”, é o que pensam. E muito menos se preocupam com a nossa pauta. E, como a nossa pauta de luta principal é pelo território, ela também afeta quem não está nem aí. Afeta toda a humanidade. Temos estudos técnicos, científicos, que comprovam que hoje, no Brasil, as áreas de maior conservação ambiental são áreas protegidas, de reservas e áreas indígenas. É muito aliada essa questão da conservação ambiental que nós fazemos com nossos territórios, e esse é um dos principais ganhos que a sociedade tem em relação a incentivar e lutar para que as terras indígenas sejam demarcadas.

Obra de Denilson Baniwa que consiste em uma espécie de cartaz com fundo amarel e componto o desenho,a na parte superior há o desenho da cabeça e parte do pescoço de uma onça e abaixo as palavras
Ensaio Artístico Revista Observatório 36 | Denilson Baniwa - Terra Indígena Yawarete (imagem: Denilson Baniwa)

Acredito que a conservação dos territórios e das vidas indígenas é algo que contribui para a continuidade existencial não só nossa, mas também da humanidade, porque, para que chegue água limpa às torneiras das pessoas, existem nascentes, e muitas delas estão nos territórios indígenas. Então, para que ainda haja ar para respirar, precisam das árvores, precisam de tudo isso. A questão da conservação ambiental está associada com a demarcação e a proteção dos territórios contra os invasores, as pessoas que desmatam, exploram ilegalmente o garimpo, a extração de madeira, a pesca etc. Preservar lá para que ainda quem está fora do contexto de território indígena consiga sobreviver. É o que os nossos mais velhos, lideranças, têm ecoado: somos a última fronteira de sobrevivência. Nós é que estamos ainda resistindo, segurando, para que não acabe tudo. Se as pessoas não se importam com a luta dos povos indígenas, elas também não se importam com seu futuro, o de seus filhos, netos e de outras gerações. Ser aliado ou pelo menos buscar entender a luta dos povos indígenas é também uma garantia de sobrevivência da humanidade. Essa luta não precisa ser feita sozinha. Mesmo que a pessoa não venha, faça manifestação, que não esteja totalmente por dentro das nossas pautas de luta, mas tenha essa consciência de por que, quem somos, onde estamos, e o que queremos. Somos povos indígenas, somos diversos, estamos na luta por nossos territórios, por nossas florestas, por nosso bem-estar, e a gente quer continuar existindo e que outros também coexistam com a gente. 

Outra questão é que muita gente pensa em povos indígenas, preservação ambiental, focando apenas em floresta. Claro que isso é fundamental. Aí a humanidade volta os olhos para a Amazônia e muitos acham que só há indígenas na Amazônia, mas a gente também fala da questão da conservação ambiental e da demarcação dos territórios indígenas em outros contextos, em outros biomas também. Então, é necessário ser aliado da causa indígena, da luta pelos territórios, também nos outros biomas. Como nós temos falado, o bioma Amazônia não se sustenta sozinho. Tudo precisa estar equilibrado. É necessário proteger também a Mata Atlântica, o Pampa, o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal. Precisa estar equilibrado. Obviamente que conhecemos a Amazônia como o “pulmão do Brasil e do mundo”, mas é preciso entender os outros biomas e contextos de luta que nós travamos em nossos territórios para preservar e manter o equilíbrio. Isso é condição de sobrevivência, não só nossa, mas também da humanidade.

LC: Há algo mais que gostaria de comentar?

SP: Acho que essa questão dos direitos culturais é também nossa condição de sobrevivência. Falo não só do meio ambiente, mas da nossa língua, da nossa forma de se alimentar, da nossa forma de preservar nossas culturas. Para que isso possa ser passado de geração em geração, a gente precisa de várias coisas. Às vezes, a gente acha que só demarcar terra indígena já será o suficiente. Mas não é só demarcar. Não é só fazer de qualquer forma. É necessário que a demarcação continue surtindo seus efeitos de permitir que realmente a gente possa praticar nossos usos, costumes e tradições. Um exemplo, hoje, é a gente ter o território ianomâmi demarcado, mas completamente vulnerável. Os indígenas estão em situação de vulnerabilidade. É uma crise humanitária em relação aos Ianomâmi. Não é só demarcar, fazer o procedimento de demarcação e colocar os limites, mas, sim, é necessário dar condições para que os indígenas vivam ali e que também não tenham outros elementos prejudicados, como a soberania alimentar. Os Ianomâmi são um exemplo disso, com rio poluído e escassez de comida saudável. Isso tudo são atos preparatórios para a morte generalizada de toda uma geração de indígenas, prejudicando modos de vida, saúde, práticas culturais, enfim. Não é só demarcar as terras indígenas, mas também continuar a política de proteger as terras indígenas. De proteger as vidas indígenas. Para proteger também as nossas culturas e o nosso modo de ser e viver. São coisas que se complementam. Não tem como pensá-las isoladamente. 

 

Imagem de Samara Pataxó em audiência no Superior Tribunal Federal. Ela é uma mulher indígena, tem cabelos prestos e longos, utiliza óculos quadrados e usa um cocar com penas brancas e no topo, duas penas azuis e uma vermelha. Ela usa ainda colar com contas vermelhas e pretas e brincos de penas. Ela está sentada e gesticulando enquanto fala ao microfone.
Samara Pataxó (créditos: Carlos Moura/SCO/STF)

 

Como citar este artigo

PATAXÓ, Samara. Entrevista com Samara Pataxó sobre direitos culturais indígenas. Entrevista concedida a Lucas Cravo de Oliveira. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 36, 2023. Disponível em: https://itaucultural.org.br/secoes/observatorio-itau-cultural/entrevista-samara-pataxo-direitos-culturais-indigenas. Acesso em: [data]

 

Samara Pataxó é doutoranda e mestra em direito, Estado e Constituição pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Estado e direito de povos e comunidades tradicionais pela Universidade Federal da Bahia [UFBA (2018)]. Possui graduação em direito pela UFBA (2016). Advogada com atuação nas áreas de direito indigenista e direitos de povos e comunidades tradicionais. Atuou como assessora jurídica das organizações indígenas Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Integra o grupo de trabalho “Direitos indígenas: acesso à Justiça e singularidades processuais”, do Conselho Nacional de Justiça [CNJ (Portaria no 63/2021)]. Atualmente é assessora-chefe de Inclusão e Diversidade da Secretaria-Geral da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Lucas Cravo de Oliveira é doutorando em direito pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em direito pela UnB (2020), com período de visita técnica na Universidade Flinders, e graduado em direito pela Universidade Federal Fluminense [UFF (2016)], com período de mobilidade acadêmica na Universidade de Coimbra. Coordena a estratégia de advocacy em energia do Instituto ClimaInfo (2023-atual) e atua como consultor jurídico da Conservação Internacional – Brasil (2021-atual) e da organização indígena Dace (2023-atual). Professor na especialização em direitos e políticas para povos indígenas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro [PUC-Rio (2022-atual)]. Foi advogado no Departamento Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil [Apib (2020-2023)] e atuou na Secretaria-Geral de Articulação Institucional da Defensoria Pública da União (2018-2020). Pesquisador no campo da história constitucional, tendo interesse nas áreas de interlocução entre o direito, as ciências sociais e a história, com ênfase em abordagens empíricas de pesquisa e nas relações de interlegalidade produzidas a partir da administração institucional de conflitos.



[1] Neste caso, Samara Pataxó dá destaque ao fato de que muitas demarcações realizadas no âmbito administrativo, a despeito de seguirem o rito que abre possibilidade de contestação internamente ao procedimento, acabam sendo levadas ao sistema de justiça para um novo questionamento. A situação se agravou desde a criação da tese do marco temporal, a qual determina que os povos indígenas só teriam direito ao seu território tradicional se estivessem na localidade no dia da promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988), violando flagrantemente o determinado no texto constitucional de que os direitos territoriais indígenas são originários, não havendo nenhum marco determinado. Atualmente, a matéria está pendente de julgamento sobre a constitucionalidade na tese e sua consequente aplicação de forma generalizável, no âmbito do Recurso Extraordinário no 1.017.365/SC, no Supremo Tribunal Federal (STF).

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