Curatorial

Do chão de fábrica às passarelas

Esta mostra coletiva nos convida a mergulhar nos entremeios da moda como arte, política e forma de ser e estar no mundo. O trabalho de cerca de 70 artistas se entrelaça em fios de histórias que atravessam o Brasil – do chão de fábrica às passarelas, ao toque ancestral das mãos que tecem saberes antigos, costurando cotidianos diversos. Aqui, o ato de vestir ultrapassa o corpo; é território de memória, resistência e criação, revelado em prismas inesperados e por meio de múltiplos suportes.

Propomos olhar a moda de dentro para fora, pois compreendemos que se trata de um espaço historicamente marcado por duras relações de poder e hierarquias sociais, estando no núcleo da operação das matrizes produtoras das desigualdades. Como curadoras, escolhemos falar sobre moda como uma linguagem central nas relações humanas, sobre a nossa aparência e todo o aparato discursivo presente nas imagens que nos “com-formam” ao longo do percurso de construção dos nossos afetos.

As águas que banham o Brasil convergiram para esta exposição, trazendo consigo saberes e fazeres que atravessam o tempo. O que seriam os núcleos artísticos nós compreendemos como famílias, que, aqui reunidas, não se formam apenas pela técnica ou pela tipologia dos materiais, mas pelo compromisso de imaginar a moda e as artes visuais como um campo de encontros e encruzas – entre política, arte e ativismo. Costuramos com as mãos de nossas mais velhas, traçando caminhos de cuidado, bordando espaços muitas vezes permeados de ausências e lacunas das histórias deste país. Nem todas as corporeidades estão presentes, nem todas as trajetórias foram alinhavadas, mas este espaço se abre para os encontros e as provocações que a moda pode inspirar.

Pensamos a costura dos afetos como uma maneira de compartilhar a multiplicidade de modos de vida potentes e possíveis, mesmo que ainda pouco presentes na moda brasileira. Escolhemos, também, pensar a moda e a aparência atreladas não somente ao vestuário, mas a todos os objetos vestíveis, como veículos para se estar no mundo e, consequentemente, como modos de construção do bem viver.

Esta exposição é uma oferenda, uma homenagem aos saberes ancestrais, às memórias que atravessam tempos e territórios e ao ato de criar como um gesto sagrado que reverbera em cada fio, em cada trama, irradiando afetos e despertando novas formas de ser e de habitar o mundo.

Carol Barreto e Hanayrá Negreiros