textos de
Patrícia Bergeron


textos de
Patrícia Bergeron

Webdoc, i-doc, multiplataforma, documentário interativo, transmídia, os termos são abundantes e poderíamos nos perder neles. Entre eles, o webdocumentário (optemos por essa expressão para tornar leve o resto de nossa leitura) ganhou seu lugar na indústria, nas mentes dos criadores e na imaginação de muitos designers. O público também é cativado por esses novos projetos. Contudo, seria somente um novo formato? Novo tipo? Nova audiência? A cultura digital representa uma mudança cultural e um importante desafio para todos os diretores e produtores de documentários. Em resumo, estamos assistindo, ao vivo, a uma minirrevolução desorganizada dentro de uma atividade restrita que, lenta mas seguramente, abre-se à experimentação.

Este artigo, humilde e resumido, oferece uma visão não exaustiva do universo do webdocumentário. É importante notar que essa visão se inscreve em um tempo preciso e sujeito a mudanças. Um instantâneo desse universo em 2013.

Um webdocumentário pode estimular a criação e expandir a audiência ao ajudar a desenvolver novas parcerias em todos os níveis e, idealmente, quem sabe, melhorar
a coletividade.


textos de
Patrícia Bergeron

1. Um pouco de história

Mas o que é um webdocumentário? Definir o documentário não é fácil. Uma única definição não consegue atender toda a comunidade de documentaristas. Tratamento criativo da notícia? O ponto de vista do autor ou uma reportagem submetida a um editorial? Linguagem de cinema ou de televisão? O documentário é um gênero complexo. Não é de se admirar, portanto, que o webdocumentário também
o seja!

O digital reina atualmente em vários aspectos de nossas vidas. Vivemos hoje em um mundo submerso em monitores. Eles estão em todo lugar: no metrô, no mercado, no ônibus, em nosso escritório, nos museus, em nossos bolsos, em nossas salas, em nossos carros etc. Eles são móveis, flexíveis, baratos, transferíveis e, infelizmente, pouco consertáveis. A cultura digital, o interativo, a mobilidade não são mais novidades, mas tendências inseridas cada vez mais na realidade. Atualmente, os documentaristas devem navegar em um sistema no qual a criatividade, a tecnologia e o público estão intimamente ligados. No melhor e no pior. Nesse mundo disperso, atormentado e tão questionador, o trabalho do documentarista, mais do que nunca, tem

 

sua relevância. O webdocumentário agora é parte integrante da paisagem audiovisual.

Ele é o resultado de vários elementos que tem transformado o documentário há anos: a convergência de mídias, a mobilidade, o jogo, a proximidade com o público e a explosão de formatos, como os que conhecemos hoje. A distribuição e a promoção de conteúdo também está em convulsão. O esquema clássico de distribuição explodiu. Esses elementos encorajam a experimentação de novos modelos de criação, difusão e apropriação dos conteúdos
pelos espectadores.

O gênero documentário sempre foi questionado e influenciado pelas tecnologias. Há muito tempo, tecnologia e documentário andam juntos e transformam a arte de dizer o real, seja com estereoscópica, tecnologia 3D, realidade virtual, fotos panorâmicas, multitelas, geolocalização etc. Vale mencionar, nesse sentido, que a Open Documentary Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT)1 criou, em 2012, uma exposição on-line sobre a fusão >>

entre documentário e tecnologia ao longo da história, uma exposição chamada Moments of Innovation [Momentos de Inovação].

Os primeiros balbucios do webdocumentário aparecem em 2004, em projetos como o de Enemy Within de Bjarke Myrthu2, um webdoc sobre as experiências chechenas e russas durante os vários conflitos. Os internautas podiam escolher, explorar e descobrir os conteúdos documentais em diferentes formatos, adentrando um universo narrativo não-linear. Esse projeto deslocou os limites e ofereceu, na época, uma nova maneira de contar a realidade. As ferramentas dos documentaristas também estavam em plena transformação – câmeras mais acessíveis, mais leves etc. Já em 2003, a dupla Peter Wintonick e Katerina Cizek demonstrou, no documentário Seeing is Believing [Ver é Crer], como a democratização das fontes de informação causa um impacto sobre a


1 A Open Documentary Lab do MIT reúne tecnologias de narradores e pesquisadores com o objetivo de fazer avançar as novas formas da arte documental.
2 Bjarke Myrthu é co-fundador da Magnum in Motion. Também é fundador e presidente da Story Planet.

participação dos cidadãos, transformando-os em atores, ao invés de espectadores passivos dos meios de comunicação. Trechos foram colocados on-line para encorajar os usuários a se mobilizar e participar do projeto na web.

Em 2005, Katerina Cizek iniciou o projeto de imersão Filmmaker in Residence no Hospital St. Michael, em Toronto, um dos primeiros multiplataforma de importância na Office National du Film (ONF). Na França, Upian já impressionava com o projeto La cité des mortes [A cidade das mortas]. O produtor canadense Kensington lançou em 2007 Diamond Road Online. Com base em uma série de documentários para a televisão, os criadores perceberam, durante as filmagens, que esse projeto deveria ter lugar na web – quatro continentes, quinze personagens, centenas de clipes e um documentário que os internautas realizariam graças à possibilidade de montagem on-line dos clipes. Mais e mais produtores passaram a usar a web para transmitir trechos de vídeo e a fazer experimentos com a não-linearização. Além disso, as transformações da web ajudavam: banda larga mais acessível, melhor qualidade de vídeo e, como consequência, enriquecimento da experiência do

usuário. A visualização de vídeos se incrustava mais e mais no comportamento dos internautas. Note-se também que o fenômeno do self-publishing [autoedição], com o nascimento dos blogs e a ascensão da mídia alternativa, contribuiu grandemente com o crescimento do webdocumentário, impulsionando nos documentaristas uma tomada de consciência ainda maior de sua possível autonomia e de sua capacidade para aproveitar as ferramentas tecnológicas.

Nascem projetos mais experimentais, projetos que não traziam somente conteúdos videográficos no seio de uma experiência, mas uma visão e uma transcrição da realidade, aquilo que hoje é chamado de visualização de dados. O artista novaiorquino Jonathan Harris criou exemplos perfeitos desse tipo de projeto, como We Feel Fine [Nós nos sentimos bem] e The Whale Hunt [A caça à baleia]. Em 2008, Caspar Soonnen fundou a DocLab, um laboratório que explora novas formas de narração na era digital, entidade no interior do importante Festival Internacional de Filmes Documentários de Amsterdã. "No começo, recorda Caspar, havia uma grande divisão dentro da indústria. Aqueles que acreditavam demais e os céticos. >>

Algumas pessoas pareciam super adeptas (sic) e outras subestimavam demais a revolução digital. Mas ambos os lados estavam errados. Como a foto não substituiu a pintura, a revolução digital e projetos interativos não substituirão o cinema, o documentário, nem a necessidade de bons documentaristas. Mas ao mesmo tempo, a web não é uma televisão ou um canal de TV. Nós estamos, para o documentário, na idade de ouro para a inovação”3.

Os primeiros webdocumentários transmitidos na DocLab marcam os imaginários e se tornam clássicos: Gaza Sderot, Thanatorama, Voyage au bout du charbon. Mais tarde, chegam aos internautas Prison Valley, Interview Project, Iron Curtain Diaries, Johnny Cash Project, 18th Days in Egypt, Manipulations, Collapsus, La Zone, Insitu, Bear 71, Welcome to Pine Point, The Block: Stories from a Meeting Place, Here at Home, Alma, une enfant de la violence e muitos outros.

Em 2010, o webdocumentário torna-se um verdadeiro buzz, ainda que somente entre adeptos. Apesar de tudo, integra-se lentamente aos hábitos de um público maior. Nesse momento, a atenção está voltada, sobretudo, para o dispositivo: tecnologias, redes, ferramentas, navegação. O que não é mau em si mesmo, mas, algumas vezes, o conteúdo é negligenciado em detrimento do continente. Essas mesmas tecnologias obrigam os webdocumentaristas a colocar em cena os dados da realidade. Assim como a web, o webdocumentário é influenciado pelas tendências e novidades do meio. Aqueles que foram produzidos em 2013 experimentam o hibridismo e a mobilidade, brincam com as possibilidades de geolocalização, procuram a imersão e convidam os internautas a participar. Ainda hoje, muitos estão na web ou em museus, apresentados sob forma
de instalação.

Em suma, o webdocumentário é uma forma ainda jovem: inúmeras coisas estão para ser inventadas, os usos não estão ainda claramente definidos e cada novo projeto que nasce traz uma série de inovações. Peter Wintonick4 perguntou durante um treinamento: "Seguir pelo twitter a revolução no Egito, na praça Tahrir, por meio de milhares de tweets feitos por jornalistas, cidadãos, homens, mulheres, com fotos, vídeos, opiniões, emoções, tudo isso é uma experiência documental? Para mim, sim. Eu vivo uma experiência de i-documentário ao vivo". Wintonick, portanto, incita-nos a criar um novo glossário.

2. As novas narrativas

No nível da narrativa, os elementos que inspiram a fazer um filme linear ainda estão lá: os personagens, os temas, as perspectivas, os lugares etc. Esses mesmos elementos, no mundo da web, podem fazer nascer novos conteúdos. E podemos adicionar objetos físicos, agregação, conversas e em todos os formatos possíveis: texto, sons, imagens, vídeos, comentários, tweets, status de facebook, vestígios da passagem do usuário etc. Todos esses elementos narrativos são dados da realidade que podem ser usados como >>


3 Entrevista colhida do site: http://filmmakermagazine.com/71413-the-new-digital-storytelling-series-caspar-sonnen/
4 Peter Wintonick é produtor, diretor, escritor, crítico...O homem de múltiplas facetas é também um visionário da arte documental. Para ler seu manifesto, ver POV Magazine (inglês).

"Inúmeras coisas estão para ser inventadas, os usos não estão ainda claramente definidos
e cada novo projeto que nasce traz uma série
de inovações."

conteúdo. A absorção da realidade não está limitada ao vídeo. O criador do webdocumentário trabalha com novos conteúdos e formatos. Ele também deve escrever os conteúdos e os recipientes.

O próprio papel do autor muda. E tudo depende de quão longe o criador está preparado para permitir que os internautas interajam com o conteúdo do dispositivo. O autor não desaparece, mas seu papel e sua autoridade sobre o "contar histórias" não são mais os mesmos. O projeto Bear71 [Suporte 71] é um bom exemplo de excelente equilíbrio entre uma história narrada, controlada pelo autor, e uma experiência de usuário em que o internauta sente criar o seu percurso, personalizar sua experiência. O projeto Alma, um documentário tátil pois projetado para uma experiência ideal em tablet (Ipad etc.), trabalha também com uma faixa de narrativa única, muito simples e muito forte, na qual o internauta escolhe, simultaneamente, suas imagens, deslizando de uma tela à outra. O usuário controla sua experiência, mas a história principal é linear e dirigida pelos autores.

Os projetos de webdocumentários se inscrevem também na realidade, com instalações e performances

ao vivo, principalmente em festivais. Os telespectadores podem interagir com a obra (conteúdos, criadores) ao vivo. Os projetos Bear 71 e Out My Window [Fora da Minha Janela] foram apresentados como performances, com músicos presentes no palco e o autor direcionando a navegação. Porém, ainda assim, devemos nos perguntar sobre o valor da saída da web. A instalação é necessária para ir além da mera interação à frente da tela. Alguns projetos levam a experimentação ainda mais longe. Lance Weiler, com seu projeto Robots Heart Stories – Laika’s Journey [Histórias do Coração dos Robôs – O Dia de Laika], trabalha com objetos físicos reais, que se tornam parte do script. Seu último projeto, Body/Mind/Change [Corpo/Mente/Mudança], é uma instalação interativa sobre os temas centrais da obra do cineasta David Cronenberg.

3. O palco do webdocumentário – atores da indústria e o público

O entusiasmo pelo webdocumentário já perdura há alguns anos e se reflete em todas as áreas que o afetam: o financiamento, a produção de conteúdo, a distribuição, os festivais. Se, no passado, as novas >>

mídias eram “o primo pobre”, pouco expostas e, consequentemente, pouco visíveis, hoje, grande parte da indústria – diretores, produtores, distribuidores, empresas de difusão, festivais e financiadores – já aderiu ao seu movimento.

Nos Estados Unidos, organizadores de festivais e acadêmicos uniram forças para dar treinamento e suporte ao desenvolvimento de projetos, o que resultou em iniciativas como Sundance New Frontier Story Lab, Tribeca Film Institute's Digital Initiatives program, ITVS' Project 360, PBS POV's Hackathons e MIT's OpenDocLab. Outro exemplo é o Living Docs. No Canadá, o HotDocs oferece, anualmente, palestras muito aguardadas e, além dele, os Rencontres Internationales du Documentaire de Montréal têm, desde 2012, uma seção de Doc 2.0 em sua programação.

Na Europa, o carro-chefe é formado por: Doc Lab do IDFA, os encontros do Sunny Side of the Doc em La Rochelle, o Power to the Pixel em Londres, sem esquecer o festival de Sheffield, sempre na
Grã-Bretanha, um dos primeiros a integrar projetos interativos em sua programação. Produtores e emissoras públicas também aderiram e continuam a

ser fascinantes laboratórios como ARTE na França e ONF no Canadá. Outras emissoras também foram parceiras de projetos inovadores, tais como TV5 Monde, France Télévision, BBC, Channel 4, SBS da Austrália e mesmo, na Rússia, a agência de informação internacional do país, chamada RIA Novosti, que colocou no ar o seu primeiro webdocumentário em 2013 e promete repetir o feito.

É interessante notar que os atores tradicionais estão presentes junto com o hibridismo de plataformas. O jornal cotidiano Le Monde Diplomatique, que possui uma edição digital, foi um dos primeiros a se lançar na aventura do webdocumentário com o projeto Voyage au Bout du Charbon [Viagem ao fundo do carvão] em 2008.

Esse burburinho, porém, em torno do webdocumentário, infelizmente, não é sempre sinônimo de financiamento adicional. Certos organismos públicos que já financiam o documentário abriram as comportas para projetos digitais,
multimídia, multiplataforma e transmídia (CNC na França, CMF no Canadá). Mais e mais projetos
optam pelo financiamento participativo em

plataformas como Kickstarter, Indiegogo, KissKissBankBank. Contudo, o documentário – seja web, cinema ou TV – ainda permanece um gênero frágil, que sofre de subfinanciamento. As situações variam de acordo com a cultura, o país, as leis e as políticas. Mas uma coisa é certa, web ou não, o documentário é uma espécie a se proteger.

E o público está preparado? Infelizmente, há poucos estudos sobre os impactos, os números e as audiências dos webdocumentários. A medida do tráfego na web ainda é assunto de muitos debates e as ferramentas de análise são muitas e diferentes em relação à medição tanto da qualidade quanto da quantidade. Em comparação com os canais de televisão, cuja quantidade explodiu, na web, esse número é ainda maior. Bilhões de páginas pululam na web. A concorrência é muito forte. E os internautas dominam muito bem suas atividades (tempo, destinos, implicações) na web. Uma coisa é certa: os internautas estão mais propensos a descobrir webdocumentários. Eles o consomem e o compartilham, ocasionalmente colaborando, remixando, transformando e transportando o projeto.


textos de
Patrícia Bergeron

Entrevista com o criador de (web) docs
David Dufresne

David Dufresne considera-se tanto jornalista à moda antiga quanto (web) documentarista. Há mais de quinze anos trabalha na rede : dez anos no Libération, quatro na iTélé e dois na Mediapart. Atualmente trabalha com novas narrativas para a web e em novos projetos de webdocumentários. Lançou em 2013 o livro sobre o "caso" Tarnac e o webdocumentário Fort McMoney [Forte McMoney].

Durante uma tarde, eu o entrevistei sobre sua abordagem criativa. Seu amor à primeira vista pelo webdocumentário começou em 2008, momento em que o jornalismo passava por uma crise de confiança. David viu “a luz no fim do túnel” através do contato com projetos como Voyage au Bout du Charbon [Viagem ao fundo do carvão], Thanatorama e Gaza Sderot. "É aí que as coisas acontecem!", ele me disse. Experimentador de novas formas de narrativa, David Dufresne é hoje um dos criadores mais prolíficos e inovadores do webdocumentário.

Patrícia Bergeron: Qual é o primeiro passo de criação quando você inicia um projeto?

David Dufresne: O primeiro passo é a história. Isso é fundamental. O melhor dispositivo do mundo não salvará uma história ruim. Todo o projeto deve ser conduzido pela história e todo o dispositivo tecnológico deve estar a serviço dela. Você não vai filmar da mesma forma um projeto linear, vai procurar imagens que não precisaria em um filme linear e que, para um webdoc, são cruciais.

Em contraste com o linear, em que obras-primas são abundantes e as pessoas são mostradas como em uma história filmada, com o webdocs, nós nos encontramos em pleno desconhecido. Não há obra-prima, nem nenhuma pista segura e isso é muito melhor: a não linearização requer muita imaginação.

PB: É preciso também um bom conhecimento dos possíveis dispositivos?

DD: Eu diria apenas que, tal como um bom cineasta vai ao cinema o tempo todo, um bom webdocumentarista está na web o tempo todo. Ele está a procura de novos projetos. Você tem que fazer um tour, por exemplo, no Favourite Website Awards >>

(FWA), famoso site de projetos em flash e, às vezes, se inspirar com projetos feitos por comerciantes e anunciantes horríveis. Eles têm os meios, sabem ser diretos, o que pode ser muito útil na web. Alguns projetos podem ser muito inspiradores.

Outra influência importante são os videogames. Não somos obrigados a ter jogado todos os jogos! Existem muitos livros sobre game design, game play, sites com editores de script para jogos. O videogame acabou com o linear há mais de 15 anos e é muito criativo. Não significa que o webdoc deve ser necessariamente um jogo, mas há uma gramática no videogame, como há uma gramática no cinema, da qual nós podemos nos apropriar em um webdoc.

PB: Tendo a história certa, por exemplo, no caso do Prison Valley [Vale da Prisão], como você faz para escolher o dispositivo?

DD: A questão central é a colaboração que você deseja do internauta. Que lugar ele terá no projeto? Como autor, que lugar lhe daria? No webdoc, o papel do espectador começa com um clique, mas pode ir muito mais longe, caso os conceitos de tempo real, coletivo etc. sejam empregados. É a enorme diferença

entre o CD-ROM de 15 anos atrás e o que fazemos hoje. Se esse papel se reduz a clique aqui ou clique lá, trata-se somente de um CD-ROM... O internauta pode desempenhar uma função muito mais importante, mas é necessário compreender e aceitar que muitos usuários da internet ainda não querem assumir esse papel. Isso significa que empenhamos todo nosso esforço para uma minoria de internautas. Esse é o preço a pagar por sermos pioneiros.

Um webdocumentário não se dirige a todos os tipos de espectadores, mas a uma forma particular deles e é a ela que falo. É uma forma curiosa, que tem seu tempo e que toma o tempo daquele que deseja se aprofundar no webdocumentário . A magia é dizer "eu sou parte de uma história" em vez do “me contaram uma história”. E voltamos à primeira ideia: qual o papel do internauta na minha história?

PB: Quando você começa a escrever o script do dispositivo ? Você trabalha com colaboradores já nessa fase?

DD: As pessoas que trabalham comigo, meus alter-egos, são os designers. O papel deles é crucial. O designer é um autor. Em alguns casos, eles são

50% do projeto. Há também um diálogo constante com a equipe de desenvolvedores. Para meu próximo projeto, trabalho com alguns game designers, pois trata-se de um jogo, com uma mecânica lúdica, que deve se instalar na experiência. Nesses casos, meu conhecimento sobre o assunto não é suficiente. Há um confronto de culturas. Eu tenho que ficar na realidade, no script do documentário, então suas restrições devem ser aplicadas: do ponto de vista "jogo", essas restrições podem parecer limitadoras; mas, do ponto de vista “documental”, elas são centrais, uma questão de ética. E essa reunião de diferentes mundos da criação é muito excitante.

PB: Como você trabalha o script interativo?

DD: Eu tenho um software que mudou minha vida, o Scrivener (e também o seu equivalente em software livre, o Celtx). Mas, por exemplo, o script do projeto Manipulations [Manipulações] foi escrito em uma planilha do Google Doc, que é um banco de dados. Um dos meus prazeres no campo do webdoc é inventar minhas ferramentas. Um webdoc é extremamente complexo de escrever, então precisamos de softwares auxiliando em sua elaboração. >>

Não se esqueça de que um webdoc é a fusão de várias e diferentes energias; o design gráfico, o design sonoro, o desenvolvimento flash, o desenvolvimento HTML etc. É realmente um trabalho coletivo, uma mistura de culturas e é isso que faz a sua riqueza.

PB: Depois de ter a ideia e a história prontas, as filmagens em campo são iniciadas. Elas são realizadas por você?

DD: Sim, com uma pequena equipe. Durante as filmagens, envio sinopses, a cada dois dias, aos profissionais restantes. São 10, 15, 20 linhas com uma foto do Philippe Brault (meu comparsa), onde conto o que vimos naquele dia. Os membros da equipe podem então começar a pensar na atmosfera e dar ao designer uma ideia do que está acontecendo.

PB: É como se você escrevesse uma narração
ao vivo...

DD: Exato. Nós filmamos, fazemos a pré-edição e conversamos com os desenvolvedores. Depois disso, faço um esboço do script interativo e retomo as filmagens mais em função do dispositivo. Também são realizadas muitas reuniões com os produtores e as

empresas de difusão, como por exemplo, a ONF e a ARTE, que possuem conhecimentos no assunto.

PB: Como você lida com a "realidade"? De que forma ela se faz presente em seu projeto?

DD: Uma das mais importantes contribuições da web para o documentário é o tempo real. Mas confesso me sentir um pouco solitário, pois tenho a impressão de que muitos produtores e muitos autores estão voltados para uma abordagem que propõe à web uma obra concluída, já terminada. Pessoalmente, eu adoro ver o trabalho escapando do seu autor, escapando de uma forma mais ou menos controlada. Por que fazemos documentário? Por que temos uma visão das coisas e queremos colocar a nossa pitada de sal, para que o mundo mude, não é? E compartilhá-lo. Tomemos o aspecto do "tempo real", ou seja: estou assistindo a algo e, enquanto assisto, posso editá-lo, mudar a percepção de quem verá o projeto depois. O webdocumentário está, finalmente, muito perto do que era conhecido no anos de 1960 e 1970 como documentário engajado. Na verdade, a web é, talvez, o lugar perfeito para o ativismo. O interessante é que ela dá ao espectador um papel muito importante. Eu amo

o cinema e, nesses casos, prefiro ver um filme, em vez de uma falsa promessa de interatividade.

PB: Qual o papel do autor quando termina a filmagem e começa o processo de colocar o vídeo na internet?

DD: Um webdoc é um show de rock! Você ensaia no seu porão com pedaços de barbante e um dia chega o concerto. No início, você tem medo, começam a chegar os internautas, as atualizações e o projeto é divulgado nas redes sociais. Eu adoro esse momento! Um ou dois anos mais tarde, você já está fazendo um festival e novas pessoas estão conhecendo o projeto. Eu continuo, por exemplo, como moderador nos fóruns do projeto Prison Valley, lançado em 2010. Um dos meus projetos futuros é um jogo documentário, Fort McMoney. Pretendo me transformar no mestre desse jogo, algo que se tornou praticamente uma profissão. Na verdade, os webdocs são obras vivas, vivendo com os espectadores.

PB: Quando essa função de mestre do jogo termina?

DD: No Prison Valley, por exemplo, só com a minha morte! Mas depende da proposta do projeto e isso inclui uma questão importante: a conservação deles.>>

Eu sei que a Bibliothèque Nationale de France [Biblioteca Nacional da França] pesquisa sobre isso. E é importante refletir sobre tal assunto.

PB: PB: Que conselho você daria aos futuros webdocumentaristas?

DD: Todos os aspectos do modo de produção de mídia hierárquica estão perturbados. Novas profissões foram postas em prática, jovens produtores chegam e toda essa efervescência é formidável. Ainda estamos em uma época de pioneiros, todos experimentamos e compartilhamos.

Precisamos realmente ver as realizações em andamento e não tentar replicar o que já foi feito. Buscar inspiração não somente na web, mas na literatura, na pintura e na música. Alimentar-se da história de todas as pessoas que, em algum momento, quebraram os códigos. E confiar na história pois, se ela é boa, então seu dispositivo será encontrado.

Oito conselhos a seguir

Você é tentado pela aventura? É um diretor? Produtor? Quer se lançar em novos territórios? Algumas dicas para não esquecer!

1. Um webdocumentário não é um filme documentário
É tentador pensar na web quando terminamos a produção de um filme documentário. Colocar nela todas as imagens dispensadas durante o período de montagem. A web não é apenas um destino. Ela deve ser o cerne da premissa, da intenção e da concepção.

2. Desenvolver parcerias
A criação de um webdocumentário exige habilidades e novos conhecimentos. Você não os tem? Tanto melhor, pois isso irá provocá-lo a encontrar novos colaboradores. Não tenha medo da interdisciplinaridade.

3. Criar a imersão
Tudo o que você pode fazer para um filme também pode servir para um webdoc. Estrutura narrativa, uso de planos largos, trilhas sonoras, transições etc. A gramática do filme se encaixa muito bem em um projeto de webdocumentário.

4. Criar o universo em torno da história
Quais são as oportunidades na web para seus elementos narrativos: personagens, lugares, temas, tempo real? A web permite estender sua história. Tome o espaço e não se esqueça de acompanhar os internautas em sua visita. Uma quantidade fenomenal de informações sem elementos de orientação pode desviar mais de um.

5. Um dispositivo inovador
Cuidado com os dispositivos de tecnologias atraentes, pesados e que criam falsas promessas. O desafio é encontrar o delicado equilíbrio entre tecnologia e narrativa. O dispositivo tecnológico deve ter um porquê, não só um como.

6. Personalizar a experiência
A web é um mundo enorme. Adicione um pequeno toque de personalização da experiência e os internautas se sentirão mais envolvidos com seu projeto. Esses elementos de personalização podem ser muito simples e muito eficazes.

7. Não superestime o internauta
Não hesite em criar uma experiência mais inovadora, mas tenha cuidado para não superestimar o que faz>>

ou faria o internauta não habituado à linguagem de seu projeto. A grande maioria dos usuários de internet ainda é muito passivo na web. Eles também serão o seu público.

8. Mantenha a mente aberta
Esteja preparado para experimentar, para se enganar, conhecer, colaborar, dar lastro a sua história, recomeçar, aprender a se renovar.

Leia também
10 things to keep in mind for producing crossplatform media (en) [10 coisas para manter em mente na produção de mídia multiplataforma (pt)]

10 (+2) conseils transmedia de Michel Reilhac (sur le blogue de David Dufresne) (fr) [10 (+ 2) dicas transmedia de Michel Reilhac (no blog de David Dufresne) (pt)]

Ferramentas para criação de um webdocumentário

A criação de um webdocumentário requer um coletivo de experiências, talentos e financiamentos. Projetos inovadores como Prison Valley, I Love Your Work [Eu adoro o seu trabalho] ou Bear 71 possuíam recursos financeiros para desenvolver e inovar dispositivos tecnológicos colocados a serviço de suas histórias. Mas, para os pequenos e médios projetos, ferramentas de criação têm surgido nos últimos anos. Simples, gratuitas ou pagas, elas criam experiências de narrativas interativas.

» Para uma comparação dos projetos Klynt, 3WDOC e Popcorn Maker, veja o post de Maria Yanez e Eva Dominguez na-Docs (em inglês).

» Para ler comentários do blog sobre ferramentas de criação para webdocumentários (em francês).

POPCORN.JS
http://popcornjs.org/
Apoiado pela Fundação Mozilla para incentivar criadores e desenvolvedores web com projetos interativos, a PopCorn (baseado em HTML5) permite inserir elementos HTML no contexto de um vídeo. Escrito em um formato aberto, esse programa é direcionado a pessoas que têm alguma experiência de codificação de linguagem HTML e JavaScript . O projeto colaborativo Living Docs [Vivendo Docs] usa o framework PopCorn.

» Para ler I-docs, texto sobre PocCorn e webdocs
(em inglês).

Webdocumentários realizados com PopCorn

Notre poison quotidien [Nosso veneno diário]

Europena Remix

Happy World [Mundo Feliz] >>

3WDOC
http://www.3wdoc.com/fr
O 3WDOC é uma ferramenta de montagem universal para contar histórias interativas e difundi-las pela web em qualquer tipo de plataforma móvel. Ele é baseado no HTML5 e está disponível em francês, inglês e espanhol. Versão livre e paga.

Webdocumentários realizados com 3WDOC

Les 80 ans du boulevard Tascherau [Os 80 anos do boulevard Tascherau]

La révolution tunisienne et Internet [A Revolução tunisina e Internet]

ZEEGA
http://zeega.com/
Desenvolvido por uma equipe multidisciplinar do Metalab na Universidade de Harvard, o Zeega é um programa on-line que organiza e cria histórias a partir de vídeos, imagens e sons pré-carregados na web.
A plataforma Zeega, aberta e em HTML5, permite também remixar elementos já publicados na web.

Webdocumentários realizados com Zeega

Localore Project [Projeto Localore]

Planet Take Out [Planeta Take Out]

KLYNT
http://www.klynt.net/
Klynt é um aplicativo para realizar e publicar obras audiovisuais interativas. Ele atende aos produtores de conteúdo dos campos de jornalismo, fotografia e cinema. Disponível para Mac e Windows em versão demo, lite e profissional, foi desenvolvido pela equipe da Honkytonk Films.

Webdocumentários realizados com Klynt

Voyage au bout du charbon [Viagem ao fundo
do carvão]

Le Challenge [ O desafio ]

Inside Beijing [Dentro de Pequim]

Des mots du Jazz [Palavras do Jazz]

KORSAKOW
http://korsakow.org/
Korskakow é um software aberto (e gratuito) que permite realizar webdocumentários, filmes interativos e projetos incluindo narrativas dinâmicas. Nenhuma experiência de programação é necessária para usá-lo. Disponível para Mac e Windows.

Webdocumentários realizados com Korsakow

Planet Galata [Planeta Galata]

Money and the Greeks [Dinheiro e os gregos]

Ceci n’est pas Embres [Isto aqui não é Embres]

Descubra também os projetos Djehouti, Flixmaster, Storyplanet, Conducttr, Cowbird.