Ocupação Dona Onete | Militante

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Militância, cultura e educação de Igarapé-Miri  ao bairro do samba e do amor em Belém   

A música e a cultura atravessam todos os passos da cantora e compositora paraense em uma vida rica em movimento. Foram companheiras suas enquanto lutava por melhorias na alfabetização e na vida dos professores, por exemplo. Acompanhe a sua história no texto da jornalista, também do Pará, Dominik Giusti (*) escrito exclusivamente para a publicação desta Ocupação.

“Nete, te prepara, que estão todos contra ti.” Foi assim que um colega de trabalho anunciou à cantora e compositora Dona Onete o clima tenso de uma importante reunião de trabalho em Belém em meados da década de 1980. Àquela época, a artista atuava como professora de história do Ensino Fundamental no município de Igarapé-Miri, localizado no nordeste paraense, distante mais de 140 quilômetros da capital do estado. E também lecionava no Movimento Brasileiro de Alfabetização, que ficou popularmente conhecido pela sigla Mobral e era destinado a adultos não alfabetizados, uma iniciativa do então Ministério da Educação e Cultura do Brasil.

O diálogo nada ameno se deu porque Ionete Gama – como era conhecida antes de seu nome artístico – alterou por conta própria parte da estrutura do curso do Mobral, sem autorização de instâncias superiores. “Achava um estudo fraco, e aprovaram os alunos mesmo sem eles terem aprendido. Eu me perguntava como eles iriam enfrentar, depois, o Ensino Médio. Então, o mesmo conteúdo que eu trabalhava de 5a a 8a série, eu trabalhava também com os adultos, de outra forma”, justifica-se. “Eu lia Paulo Freire e acreditei que pudesse ser capaz de ensinar melhor.”

O episódio, relatado conforme a sua memória alcança, ilustra bem como Dona Onete conduziu sua vida como docente de escolas públicas: com forte senso de justiça social, demonstrado em seu engajamento político, comunitário e cultural. “Durante aquela reunião, pensei que fosse sofrer algum tipo de retaliação, mas no final fui liberada para dar as aulas conforme já vinha fazendo, e nos anos seguintes o conteúdo das disciplinas do Mobral foi alterado”, celebra, mais de três décadas depois.

Ela já escrevia suas letras de música e cantava, como atividades paralelas à sala de aula, mas diz que a vontade de militar na educação foi maior. Integrou o Partido dos Trabalhadores (PT) e realizou intensa mobilização de professores da região do Baixo Tocantins, no Pará, em municípios como Barcarena, Abaetetuba, Moju, Cametá, Limoeiro do Ajuru, Tailândia e Tomé-Açu. Tornou-se uma das fundadoras do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Educação Pública do Pará (Sintepp) e até mesmo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), tendo estado no ato fundador da entidade sindical em São Bernardo do Campo (SP), em 1983.

Foram anos de luta que renderam conquistas, como a criação de um campus universitário na cidade de Abaetetuba – para onde posteriormente ela e os colegas foram completar os estudos para exercer melhor a docência, já que a maioria passava a lecionar apenas tendo o Ensino Fundamental completo. “Quando eu disse que seguia Paulo Freire e que até debaixo duma mangueira eu dava aula, contanto que tivesse negócio para eu riscar o chão, me acharam rebelde. Mas não era rebelde, eu só não aceito aquilo que me jogam goela abaixo para engolir o que não quero”, diz.

Uma grande amiga, Dona Benoca, como é conhecida a também professora aposentada Benedita dos Santos Miranda, de 76 anos, atuou ao lado de Dona Onete na busca por melhores condições de trabalho. Fizeram atos, paralisações, greves, reuniões com pais de alunos a respeito da situação política dos docentes. Chegaram até a trancar um prefeito em uma escola para que ele assinasse um termo comprometendo-se com mudanças na lei vigente, em Igarapé-Miri. Mas Benoca diz que foi preciso tempo para que Onete pudesse pensar e agir dessa forma mais transgressora. “Ela era casada, e o marido era muito ciumento, não a deixava sair de casa. Então, nossa primeira luta foi para ela mesma estudar, já que tinha baixa escolaridade, mas era muito sábia”, comenta a amiga.

Elas se conheceram na casa da sogra de Dona Onete, na Rua Rui Barbosa – logradouro conhecido como África, por ter uma grande quantidade de pessoas negras como moradoras. E ficaram amigas. Amizade que se fortaleceu na docência e na perspectiva de mudanças reais para os professores. “Chegamos a passar três meses sem receber salário. Era realmente muito necessária a nossa organização. Começamos fazendo encontro de professores com um tema que dizia ‘integrar a educação’, para não nos entregarmos aos caprichos dos políticos”, diz Benoca.

“Não sou só compositora, tenho uma enorme história de luta nas costas. Fui sindicalista e tenho até hoje a carteirinha do sindicato. No tempo da ditadura militar, a luta no interior também era grande. Você está vendo como é lutar hoje, imagine naquela época. As pessoas diziam para eu largar, mas eu não largava, eu disse que só largava depois de aposentada. E aí não sabia o que a cultura me reservava. Era muita coisa dentro do Igarapé-Miri”, declarou Onete em tom sereno, de que ainda lhe caberia viver alguns encantos.

“Dona Onete era uma militante exemplar, foi importante para nós e foi para mim, que sou mulher, negra, separada. São as marcas que crucificam uma mulher, ainda mais naquela época. Hoje ainda existe, mas a nossa luta valeu a pena e conseguimos quebrar alguns tabus”, aponta Dona Benoca. “Ela é uma mulher de força, coragem e decisão.”

A gestão municipal e a cultura popular

A trajetória da militante pelos direitos dos professores, no entanto, é posterior ao seu envolvimento com o incentivo à cultura popular miriense, já que seu primeiro marido, chamado Raimundo Nonato, era de uma família tradicional que organizava folias populares, Carnaval, boi-bumbá e pássaros juninos no município. Então, durante o período em que esteve casada, ela acabou se tornando também uma entusiasta da cultura popular – o que levou depois para as lutas docentes. Suas músicas eram verdadeiras ferramentas de mobilização, como “Mutirão da farinhada”.

Após a aposentadoria, para não ficar parada, Dona Onete decidiu não esperar o destino e retomou suas atividades culturais de forma mais intensa: em 1989, criou o Grupo Folclórico Canarana, constituído de 12 pares de dançarinos, que realizaram muitas apresentações de carimbó, benguê e lundu, com suas composições autorais, pelo estado do Pará. A música “Boto namorador”, por exemplo, é dessa época e chegou a ser destaque na novela A força do querer (2017), da TV Globo.

O grupo acabou sendo um desaguar de sua trajetória de vida, entre a política, a educação e a cultura – com sólido conhecimento e pesquisa sobre a região. Mesmo com essa trajetória construída e reconhecida em Igarapé-Miri, Dona Onete ainda custou a acreditar no convite que recebeu para assumir a Secretaria de Cultura do município. “Foi quando o prefeito Manoel Pantoja ganhou. Ele foi para uma reunião em Belém com o professor Paes Loureiro, que era secretário de Educação do Pará, e foi questionado pelo secretário se já tinha alguém para a cultura do município, me indicando”, recorda. “Pedi alguns dias para pensar, fiquei apavorada. Meus alunos do grupo Canarana me incentivaram.”

Com o aceite, deixou sua marca na gestão política, sendo responsável por impulsionar grupos de cultura popular. O pesquisador e professor Patrich Depailler, miriense e que acompanhou Dona Onete desde a infância, diz que, como secretária, ela também incentivou escolas de samba, blocos de rua e quadrilhas juninas, além de ter criado a Casa Ribeirinha, localizada na Praça Matriz, onde recebia músicos para tentar “resgatar” cânticos de manifestações afrorreligiosas cantados em ladainha por seis vozes.

“Ela trabalhou na mesma escola que a minha mãe, e pude acompanhar desde a fase militante até agora, artista. Como professora, fez parte de um grupo de mulheres muito importantes por seus posicionamentos políticos, como a professora Benoca e a professora Eurídice. Elas foram à luta e começaram a ocupar espaços”, comenta Patrich, informando que, sob a gestão de Ionete, os grupos populares se disseminaram no município. “Houve uma explosão na nossa produção cultural; ela começou a abrir muito espaço.”

Patrich conta ainda que, nesse período de gestão como secretária, ela reforçou a parte artística de festivais ligados às práticas extrativistas do município, como o Festival do camarão e o Festival do açaí, com a inclusão de shows musicais e apresentação de grupos escolares e grupos folclóricos. Dona Benoca destaca que as ações não tinham caráter só de entretenimento: “Naquela época, a ‘cultura’ ainda tinha uma visão que era para fazer festa, mas ela deixou um legado de reconhecimento da nossa identidade, com a criatividade de suas músicas e reforçando seu amor pelas manifestações populares e pela realidade do nosso lugar”.

Outra iniciativa criada por Dona Onete destacada pela amiga foi a criação da competição intermunicipal de quadrilhas juninas. Eram chamadas para apresentação as campeãs dos municípios vizinhos, que em Igarapé-Miri disputavam o título de campeã da região. Nesse contexto, Patrich reforça algo fundamental: “Tem uma coisa típica da Dona Onete que é um didatismo em relação às suas atividades. Antes de se apresentar, ela conta uma história lá de Igarapé-Miri, e sempre foi assim. Até hoje, se você for a um show dela, ela vai contar algo. Isso começou quando ela cantava boleros nas serestas”, explica.

“Ela é um ícone miriense, mesmo tendo nascido no Marajó. Se você for a Igarapé-Miri e disser que ela não é de lá, as pessoas não aceitam. Tomaram ela como nosso patrimônio”, ressalta o pesquisador e professor. Dona Benoca orgulha-se: “E depois ela voltou para Belém, para o bairro da Pedreira, bairro do samba e do amor, foi brilhar ainda mais”.

(*) Dominik Giusti: jornalista paraense, atua nas áreas de assessoria de comunicação, imprensa, reportagem, produção de impresso, internet e rádio, gestão estratégica de redes sociais e produção de conteúdo. Produtora de projetos e eventos culturais de pequeno porte, relações públicas e mobilizadora de parceiros. Faz reportagens especiais em artes e cultura, política, Amazônia, povos tradicionais.
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Exposição
De 15 de março a 18 de junho de 2023
Terças-feiras a sábado, das 11h às 20h
Domingos e feriados, das 11h às 19h

Concepção e realização: Itaú Cultural

Curadoria: Equipe Itaú Cultural

Consultoria: Josivana de Castro Rodrigues

Projeto expográfico: Géssica Araújo (assistente), Heloísa Vivanco (terceirizada), Núcleo de Infraestrutura e Produção do Itaú Cultural e Patrícia Gondim

Produção: em Belém/PA Geraldinho Magalhães, Marcel Arêde e Viviane Chaves

Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149 – próximo à estação Brigadeiro do metrô | Piso Térreo
Terça-feira a sábado, das 11h às 20h
Domingos e feriados, das 11h às 19h
Entrada: gratuita 

Informações:
Pelo telefone (11) 2168-1777 e WhatsApp (11) 96383-1663
Atualmente, esses números funcionam de segunda-feira a domingo, das 10h às 18h.
E-mail: atendimento@itaucultural.org.br
Acesso para pessoas com deficiência física
Estacionamento: entrada pela Rua Leôncio de Carvalho, 108.
Com manobrista e seguro, gratuito para bicicletas.

Shows
Dona Onete
Dias 16 e 17 de março (quinta-feira e sexta-feira), às 20h
Sala Itaú Cultural
Ingressos disponíveis a partir do dia 8 de março, pela INTI
Capacidade: 224 lugares  
Entrada gratuita
Classificação:  livre

Aíla Dias
18 e 19 de março (sábado, às 20, e domingo, às 19h)
Sala Itaú Cultural
Ingressos disponíveis a partir do dia 8 de março, pela INTI
Capacidade: 224 lugares  
Entrada gratuita
Classificação: livre

PROTOCOLOS:
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• A bilheteria presencial abre uma hora antes do evento começar.
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