“O Museu de Arte Moderna não será um órgão fechado, apenas para uma elite intelectualizada; seu conjunto de obras será também aberto ao povo, que sente uma necessidade, cada vez maior, de sentir e saber.” As palavras proferidas por Mário Pedrosa ao assumir a direção do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), posto que manteve entre 1960 e 1962, sintetizam o pensamento museológico sustentado nas inúmeras gestões e propostas museais que capitaneou ao longo da vida. Essa defesa também revela o perfil democrático e pedagógico que respaldou a atuação do crítico em museus. Para ele, esses equipamentos assumiriam uma função maior do que meros depósitos de obras-primas para exibição, pois entendia que os espaços museais deveriam favorecer o desenvolvimento cultural e educativo do país, fomentando a criação de uma nova sensibilidade coletiva.
Se o papel do crítico se sedimentava no compromisso permanente com alguma “aventura artística de vanguarda”, restava ao diretor observar, estimular, experimentar, além de preservar “as antenas do crítico” para acolher os movimentos de arte relevantes da época. “Sua atividade é, pois, a de um observador atento, de um experimentador, como o químico no seu laboratório”. Os espaços museais eram por excelência um abrigo de artistas e, portanto, lugar de inventividade criadora, tornando-se uma extensão da parceria colaborativa entre crítico e criador, ideia estimulada por Pedrosa desde a década de 1940, cujos desdobramentos impactariam no surgimento da arte concreta no Brasil.
Essa relação de cumplicidade e colaboração foi uma constante na trajetória do autor e seguiu vigente em gestões futuras, a exemplo do Museu da Solidariedade, entidade que teve seu acervo estruturado exclusivamente com obras doadas por artistas. Certamente, as doações foram fruto de uma conjuntura múltipla, que abrangeu desde a solidariedade ao experimento socialista chileno até o prestígio de Pedrosa e as redes de confiança e afeto construídas ao longo de sua vida.
Ao assumir a direção do MAM-SP, o crítico também se incumbiu da organização da VI Bienal Internacional de São Paulo, em 1961, data comemorativa dos 10 anos da entidade. A sexta edição da Bienal pode ser considerada como a gênese museológica de Mário Pedrosa, na qual observou-se o comparecimento de artistas contemporâneos em pé de igualdade com artistas não consagrados e práticas originárias, cujo legado cultural não fora impactado pelo crivo da arte europeia. A linha de tensão entre a arte popular e a arte erudita, questão chave para o autor em sua passagem pelo Chile e, posteriormente, para a inclusão das artes indígenas e africanas em seu relato museográfico e artístico, foi o pano de fundo da VI Bienal.
A dimensão pedagógica também foi de suma importância para o pensamento museológico de Pedrosa, como é possível observar em praticamente todos os projetos concebidos pelo autor, a exemplo do projeto para o Museu de Brasília, cujo esboço foi delineado em carta de 1958 endereçada a Oscar Niemeyer. O autor tinha consciência das enormes dificuldades, inclusive financeiras, de se criar um acervo completo de um “museu de artes plásticas do nada e torná-lo digno do nome” em compasso com a monumentalidade expressa pela nova capital. Nas palavras do crítico, seria uma instituição de caráter pedagógico, didático e documental basicamente formado por “cópias, reproduções, fotográficas, moldagens de toda a espécie, maquetes etc.” com o intuito de abranger todas as escolas e vertentes estilísticas do passado e os distintos movimentos de arte contemporânea.
Alguns anos depois, em meio ao impasse que desencadeou na doação do acervo do MAM-SP para a Universidade de São Paulo, Pedrosa elaborou uma proposição urbanística intitulada “Parecer sobre o Core da Cidade Universitária”. Embora não tenha saído do papel, o documento levanta questões significativas sobre a sua concepção museal, como a associação do Museu ao “core”, um “coração vivo da cultura universitária”, espaço de salvaguarda da coleção doada por Ciccillo Matarazzo. Novamente, as funções social e pedagógica, elementos cruciais para a formação do indivíduo, tinham um papel central no “Parecer”, já que a proposta abarcaria todas as modalidades da educação estética, assegurando o contato direto do público com as obras, como forma de ensino e aprendizagem. Sob esse ângulo, ele apontava as limitações das fórmulas convencionais dos ambientes acadêmicos, frequentemente restritos a livros e conferências, sinalizando, por outro lado, as inúmeras possibilidades de aprendizagem inventiva que os museus apresentavam naquele momento.
O pensamento museológico do crítico atesta que a imaginação social e a fraternidade foram motores fundamentais para que a instituição museal fosse definitivamente um lugar de abertura a outros mundos possíveis, a despeito do caráter repressor da ditadura militar, regime que decretou sua prisão, quando foi injustamente acusado de difamar a imagem do país no exterior. A chegada de Mário Pedrosa no Chile, em 1970, nação que o acolheu da ditadura brasileira, coincidiu com a vitória de Salvador Allende, presidente responsável pela implantação da via socialista pacífica e democrática. Pedrosa logo integrou o corpo docente da Faculdade de Artes da Universidade do Chile e, na sequência, recebeu o convite do presidente para conceber o Museu da Solidariedade, participando diretamente dos principais projetos políticos da Unidade Popular.
Inicialmente chamado de Museu de Arte Moderna e Experimental, o Museu da Solidariedade assumiu um lugar de protagonismo por seu caráter internacionalista e pela impressionante capacidade de mobilização global. É possível interpretar o gesto singular de solidariedade como uma espécie de elemento contagioso, uma ideia de comunhão coletiva transnacional que rapidamente ganhou corpo e se difundiu pelo meio artístico. Seguramente, quem mais colaborou para transmitir o sentido fraterno inerente à iniciativa, contando com a adesão instantânea de artistas de cada canto do globo, foi Pedrosa. Embora o crítico não tenha sido o autor original da ideia, foi o grande motivador do empreendimento a nível internacional, atrelando a imagem do museu a figuras consagradas das artes visuais e da crítica, como Giulio Carlo Argan e Dore Ashton, integrantes do Comitê Internacional de Solidariedade com o Chile.
O texto completo e a publicação poderão ser acessados a partir da abertura da Ocupação Mario Pedrosa, no dia 25, pelo link http://itaucultural.org.br/ocupacao/mario-pedrosa]
Luiza Mader Paladino é mestra e doutora em teoria e história da arte pela Universidade de São Paulo (USP). Sua tese “A opção museológica de Mário Pedrosa: solidariedade e imaginação social em museus da América Latina” foi premiada pelo Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA). É professora efetiva do Instituto Federal de Brasília (IFB) e integra o Grupo de Estudos em Arte Conceitual e Conceitualismos no Museu, vinculado ao Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP e coordenado por Cristina Freire.
25 de outubro de 2023 a 18 de fevereiro de 2024
Concepção e realização: Itaú Cultural
Curadoria: Equipe Itaú Cultural (Núcleo de Artes Visuais e de Acervos e Núcleo Enciclopédia e de Memória) e Marcos Augusto Gonçalves
Consultoria: Quito Pedrosa
Projeto expográfico: Francine Moura e Davi Brischi
Visitação: de terça-feira a sábado, das 11h às 20h;
domingos e feriados, das 11h às 19h.
Acesso para pessoas com deficiência física
Entrada gratuita
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