Passo a passo

“Crítico”, “político”, “instituições”, “apartamento” pontuam a mostra

Calcada nestes quatro pontos, a Ocupação Mario Pedrosa conta a vida do crítico de arte e ativista político e como construiu a sua personalidade e processo criativo. Eles revelam a sua existência desde o nascimento no interior de Pernambuco, em 1900, até a morte em São Paulo, 81 anos depois. Acompanhe o passo a passo da exposição.

1. Mario é considerado o principal e mais influente crítico de arte brasileiro e seu legado permanece vivo mais de 40 anos após sua morte. Sua atuação na crítica jornalística e no ensaísmo se entrelaça como referência incontornável à formação no Brasil dos movimentos inovadores do pós-Guerra e das subsequentes manifestações pós-modernas – termo cunhado por Pedrosa e que ganhou significado específico a partir de sua análise sobre a obra de Hélio Oiticica. Sua defesa do abstracionismo e da arte experimental ajudou a projetar a arte cinética de Abraham Palatnik e o concretismo paulista do Grupo Ruptura, de nomes como Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros e Lothar Charoux. Na mesma direção, iluminou a atuação do Grupo Frente, do Rio de Janeiro, que tinha em Ivan Serpa figura de proa, e a potente produção vanguardista de Lygia Clark, Lygia Pape, Oiticica, Franz Weissmann, Antonio Dias e Antonio Manuel, entre outros. Em meados da década de 1940, assiste à primeira grande exposição de Alexander Calder no MoMA, em Nova York – os dois viriam a se tornar amigos.

2. O efeito da obra de Alexander Calder sobre as concepções estéticas de Mario Pedrosa foi categórico. “Uma revelação”, declarou tempos depois de ter assistido à mostra do norte-americano em Nova York, sobre a qual escreveu para a imprensa brasileira. Quando Calder visitou o Brasil, Pedrosa publicou no Diário de S. Paulo o ensaio A máquina, Calder, Léger e outros (1948), no qual analisava a obra do artista que “em oposição dialética à civilização americana, fundada no negócio pelo negócio” erguia-se como o nome mais representativo da nova arte de seu país. “Precisamente tal oposição faz de Calder um expoente dessa cultura, revelando o que nesta pode haver de são e suscetível de desenvolvimento.” Mario dedicou especial atenção aos móbiles de Calder que materializavam uma poética encantadora com suas múltiplas configurações provocadas “pelo sopro ofegante de um homem, por uma rajada de ar, uma vibração e um abalo qualquer”. Escreveu também Calder, escultor de cataventos (1944), texto que pode ser lido nesta exposição. A identificação com Calder certamente estendeu-se às experiências neoconcretas de Lygia Clark, como os Bichos. Ambos ocupam lugar especial no mundo intelectual e afetivo do crítico.

3. Com uma produção crítica que engloba o cerne da produção do século XX, mas também de momentos cruciais da história da arte universal, Mario Pedrosa consolidou um pensamento estético sofisticado, cosmopolita e original. Sua ideia central é que a arte é um impulso humano, que transcende as diversas condicionantes sociais e históricas. Um patrimônio inconsciente e primitivo da humanidade. Mario demonstra isso em textos em que aborda a arte produzida pelos povos originários americanos e africanos, pelas crianças e por pessoas com transtornos mentais. Essa perspectiva expõe-se por inteiro no dedicado trabalho pela criação do Museu das Imagens do Inconsciente. Sua atuação no hospital psiquiátrico do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, na segunda metade dos anos 1940, sob direção da doutora Nise da Silveira, tem relevante significado histórico, não apenas para a arte brasileira. Em 1947, por ocasião do encerramento da exposição com pinturas de artistas internados na instituição, o crítico proferiu a palestra Arte, necessidade vital, que expõe suas ideias sobre inconsciente, arte e cultura.

1. Nascido em Pernambuco, no último ano do século XIX, Mario Pedrosa vive intensamente o século XX. Aos 26 anos, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo e entrosado com personagens do meio artístico e intelectual progressista, filia-se ao Partido Comunista Brasileiro, sendo enviado um ano depois para Moscou. Adoece durante a viagem e fica em Berlim, onde, na universidade da cidade alemã frequenta cursos de filosofia e sociologia. Após viagem a Paris, onde conhece o grupo surrealista – entre os integrantes estava o escritor e teórico francês André Breton –, Mario se aproxima das ideias de León Trotsky e da oposição ao regime stalinista, que o levará a participar da formação da Quarta Internacional, organização dissidente trotskista. De volta ao Brasil, em 1929, tenta arregimentar militantes e lança o jornal Luta de classes. É vítima de perseguições e prisões sob o governo de Getúlio Vargas, dando início a uma sucessão de exílios e retornos temporários que prosseguem durante a ditadura militar e marcam sua vida – o último e mais longo deles terminando em 1978. Coerente com seus ideais, Mario foi comunista, abandonou o trotskismo, adotou o socialismo democrático e manteve-se sempre engajado na luta contra injustiças sociais e pelas liberdades.

2. Durante a ditadura militar, Mario Pedrosa mantém sua intensa atividade nos terrenos da crítica de arte e do debate político com a publicação de artigos e livros. Depois da promulgação do AI-5, em dezembro de 1968, participa de diversos embates contra a censura e as perseguições impostas pelo regime. Dois anos depois é processado pelo governo militar por denunciar torturas. Com sua prisão decretada, exila-se no Chile. Após a queda do presidente chileno Salvador Allende vai ao México e depois a Paris, onde passa o restante de seu longo exílio. Em 1978, em meio à eclosão de greves e protestos operários e estudantis, escreve uma carta ao líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, saudando sua atuação. Mario foi um entusiasta da criação de um partido da classe trabalhadora, ideia que levou a Lula. Foi personagem central na organização do PT, fundado em 1980, um ano antes de sua morte. Em reconhecimento à sua liderança nesse processo foi contemplado com a ficha de primeiro filiado da agremiação.

1. Além da atividade crítica, Mario Pedrosa teve um papel profundo em museus e instituições ligadas à arte. Sua ligação com a Bienal de São Paulo data do início da década de 1950, como membro de comissões organizadoras das primeiras mostras. Foi o diretor-geral da VI Bienal de 1961, uma espécie de curador da mostra, acumulando também o cargo de diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo – à época a instituição que organizava a mostra. Do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro foi um assíduo colaborador. Após o incêndio ocorrido em 1978 na instituição carioca propôs sua refundação com base num acervo de arte de múltiplas origens, projeto que não se concretizou, chamado Museu das Origens. Manteve também estreita colaboração com o Museu de Imagens do Inconsciente, criado em 1952, fruto de seu trabalho com a doutora Nise da Silveira no hospital psiquiátrico do Engenho de Dentro. Internacionalmente, tornou-se membro da Associação Internacional de Críticos de Arte em 1948. Cerca de 10 anos depois foi escolhido vice-presidente da organização. Em 1959, organiza em Brasília e no Rio um congresso internacional de críticos de arte, que debate a criação da nova capital federal.

1. Dono de uma conversa fácil, inteligente e bem-humorada, Mario Pedrosa criava em torno de si uma sociabilidade generosa e aberta, que marcou seu contato com um vasto universo de artistas, intelectuais e políticos. Figura cosmopolita, com vida que se estendeu por inúmeros países e capitais do mundo – devido aos muitos períodos de exílio e as viagens constantes –, seu apartamento com a companheira Mary Houston Pedrosa foi um palco de incontáveis encontros, conversas e debates. Por conta de seu cargo na Associação Internacional de Críticos de Arte, no final da década de 1950, estreitou relações com personalidades internacionais da esfera da arte, críticos e filósofos. No Rio, o casal era visitado por todos em seu apartamento, ocasiões que lembravam a atividade de uma ágora, um espaço de encontro e troca de ideias livre e democrático, ou mesmo os saraus que a mãe de Mary promovia anos antes – e onde Mario e Mary se conheceram e se aproximaram. A vasta correspondência trocada entre Mario e todos estes interlocutores é apenas uma amostra da abundância e da intensidade desses diálogos.

2. Embora sempre associada aos embates contra o figurativismo e a favor da abstração geométrica e da arte experimental da década de 1970, a atividade crítica de Mario Pedrosa abarcou muitos outros artistas e movimentos, no Brasil e no exterior. Sempre atento e com visão aberta ao debate, dedicou-se à história da arte e seus textos alcançaram uma diversidade de nomes e tendências, tais como o impressionismo, cubismo, surrealismo e a pop art. Escreveu, entre tantos outros, sobre Modigliani, Kandinsky, Mondrian, Delaunay, Morandi, Lygia Clark, Lygia Pape, Volpi, Guignard. Muitos destes se tornaram interlocutores e amigos pessoais. Interessou-se pela arquitetura e foi um dos entusiastas do trabalho de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer em Brasília. No final da vida passou a manifestar uma visão mais crítica sobre a efetividade das vanguardas e o papel transformador da arte na sociedade. Mario Pedrosa foi acima de tudo uma pessoa atenta e crítica ao seu tempo, não se deixando levar por modismos e sempre fiel às suas convicções.

25 de outubro de 2023 a 18 de fevereiro de 2024

Concepção e realização: Itaú Cultural
Curadoria: Equipe Itaú Cultural (Núcleo de Artes Visuais e de Acervos e Núcleo Enciclopédia e de Memória) e Marcos Augusto Gonçalves
Consultoria: Quito Pedrosa
Projeto expográfico: Francine Moura e Davi Brischi

Visitação: de terça-feira a sábado, das 11h às 20h;
domingos e feriados, das 11h às 19h.
Acesso para pessoas com deficiência física
Entrada gratuita

Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149 – próximo à estação Brigadeiro do metrô / Piso térreo

Mais informações:
Telefone: (11) 2168-1777
Whatsapp: (11) 96383-1663
E-mail: atendimento@itaucultural.org.br
site: www.itaucultural.org.br

Estacionamento: entrada pela Rua Leôncio de Carvalho, 108.
Com manobrista e seguro, gratuito para bicicletas.

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